Páginas

terça-feira, 28 de setembro de 2010

REMINISCÊNCIAS E CONSIDERAÇÕES CULTURAIS

O Veríssimo tem um texto muito legal sobre uns amigos que tinham viajado numa excursão para a Europa e a madame contava animada que a viagem tinha sido ótima, cantaram pagode e samba o tempo todo naquele estilão estridente do patropi na estrada. O único que não tinha aproveitado nada da viagem era o bobo do marido dela que ficou o tempo todo enfiado em museus, concertos e galerias de arte.


Viajei para Belo Horizonte com o Coral da ArcelorMittal Tubarão que participou da oitava edição do Festival Internacional de Corais, um evento de grande porte que reuniu em torno de 150 grupos de vários lugares do Brasil e do mundo. Ao invés de alegria me bateu uma sensação triste em me ver imerso em tanta cultura, fiquei me perguntando do porque de nossa terrinha não ser assim também, pelo menos um pouquinho mais.  

Na portaria do hotel peguei o principal jornal local, era uma sexta feira então vinha um caderno de cultura que, incrível, tinha realmente eventos que podiam ser classificados no gênero. Uma página inteira anunciava um recital para piano de Schumann com intérpretes locais, fosse aqui se conseguissem uma notinha seria uma vitória. As grandes atrações – e tinha várias - não eram tratadas como notícia de mídia espontânea e sim anunciadas de forma comercial o que é muito mais lógico.

O primeiro compromisso do Coral foi na cidade de Sabará, mais precisamente no centro histórico - do qual eu em minha infinita ignorância nunca tinha sequer ouvido falar – e que tem uma lindíssima Casa de Ópera construída por volta de 1770 (!) O imóvel foi restaurado no início dos anos setenta do século passado e surpreende pelas dimensões, pela beleza e pelo cuidado na conservação. Imagine assistir lá alguma ópera, especialmente do barroco ou do classissimo.


Outro local em que o coral se apresentou foi o Museu Abílio Barreto onde em priscas eras funcionava uma fazenda, era um sábado a tarde e estava fervilhando de gente. A história de Belo Horizonte estava lá toda contada em grandes textos, vídeos e utensílios de época. Lembrei do Veríssimo e fui falando para o pessoal curtir a exposição enquanto esperava a vez de se apresentar, muitos não tinham se dado conta ainda de onde estavam.


De noite teve um show retrô com Kleiton e Kleidir e a banda 14 Bis, nem lembrava mais desses gaúchos tão famosos em minha adolescência, foi a primeira vez que os vi ao vivo. Canções tão importantes se perderam em minha memória, aquela alegria dos pampas, o sotaque, gostei muito mais deles do que dos anfitriões mineiros que, deixando o rock progressivo de lado, hoje parecem acomodados a ser uma espécie de Roupa Nova das alterosas.

Nas horas de folga o pessoal dispersou e eu me enfiei atrás de sebos, achei a Casa de Cultura, mas preferi conhecer o famoso Edifício Malleta que fica bem em frente e em seu segundo andar de lojas tem um porrilhão de sebos, brechós e uma deliciosa casa de aeromodelismo. Ah! Aqueles aviões, navios e outros breguetes que tanto gostava de montar até o fim da adolescência! Minha mãe me censurava, dizia que eu ainda brincava com aviõezinhos. Ô Dona Maria, só não o faço ainda hoje por falta de tempo, tenho outros hobbies.

No final do Festival rolou um grande encontro com a presença de Milton Nascimento o homenageado daquela edição. De uma grande distância diplomática o cantor aparentava não estar muito que ligando pra coisa. Previsto para ser apoteótico o grand finale aconteceu na Praça da Liberdade que estava lotada por pessoas ávidas por ouvir um tostão daquela voz tão intimamente ligada à cultura das Minas Gerais, mas “Bituca”, frustrando os presentes, não deu pelota limitando-se a acenar como um estadista da música. 


Chegando em casa o mundo me caiu pela cabeça. Ilhados outra vez, eu e Alice começamos a tocar ao piano uma sonatina a quatro mãos de Mozart, foi a maneira que ela achou de me consolar. Pensei em não escrever nada, pensei até em não escrever mais, mas sinto que pelo menos a Letra Elektrônica não pode parar. No museu de Beagá achei um lindo quadro de Homero Massena, lembrei que seu corpo jaz enterrado num pequenino cemitério no centro de Vila Velha, onde, segundo ouvi dizer, sua tumba anda mal cuidada. 

Precisamos cuidar de nossos artistas e da nossa memória, nós precisamos de muito mais, não só de ações, mas de uma nova mentalidade. Evito comentar a respeito das eleições que estão chegando, tenho meus candidatos de fé, amigos de coração e sei que vocês talvez também tenham os seus. Então, por favor, considerem votar nas pessoas íntegras que têm intenção de velar pela educação, por nossa história e nossa cultura.

Quando estava pra lançar o Livro do Pó fiquei procurando um trecho da bíblia que falava do Pó ao Pó e, pensando que era de Eclesiastes não encontrei, por acaso hoje topei com ele através de outro que é mais significativo:

“No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.” Genesis, 3-19.

Vamos tentar fazer alguma coisa por nosso mundinho enquanto ainda estamos por aqui, só nós temos o poder de mudar essa situação em que nos achamos. Ou vocês pensam que vai ser o Tiririca?

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Juca pelo belissímo texto.
Tenho essa mesma sensação de vez em quando... Mas a culpa disso é da falta de cultura dos nossos governantes.

O povo pode até ter uma parcela de culpa, mas eu, como você e tantas outras que trabalham , gostam ou respiram cultura as vezes de tanto tentar ficamos cansados, depois "sempre" a gente como uma fênix renascer e inicia tudo de novo, não é assim?

Fique com Deus,
e, continue escrevendo coisas tão bacanas...

Abçs

Erika Kunkel Varejão

RANGELPHOTO disse...

Beagá!!!
E lembrar de Belzonte, Sabará, Mariana, Ouro Preto tem muito trem bom de ver nas Minas Gerais ano todo. Haha e a galeria do Edifício Maleta? Morei bem perto, encontrava na galeria alem do comercio de livros e novidades ainda tinha cerveja gelada pra beber e filosofar.. heheh tempo bom...
Parabens!!! texto espetacular!!!