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domingo, 26 de agosto de 2012

CRÔNIKA DE DOMINGO: IDENTIDADE SECRETA


"A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude."
                                                                      Rochefoucauld

Tava falando de hipocrisia na Crônika anterior e, conversa vai conversa vem, lembrei do Carambola, uma das figuras mais divertidamente hipócritas que já conheci. Como já dizia o Grilo Falante, o rapaz “trabalhava a questão da diversidade sexual”, mas não assumia isso pra senhor ninguém, nem mesmo para a namoradinha que descolou no cursinho pra “dechavar”. Davam longos amassos apaixonados na arquibancada da quadra da escola, foram até advertidos para pegar leve na conduta indecente.

Carambola adorava usar o termo “dechavar”, era gíria de malandro da época e apesar de estar com uns trinta anos ainda adotava o estilo “garotão”. Era um cara enorme, marombado e boa pinta a ponto das mocinhas suspiravam à sua passagem, mas ele gostava mesmo era de trocar idea com a rapaziada. Circulava a bordo de um sonoro carrão importado - privilégio tirado a elite no passado - e dominava qualquer assunto de macho: desde futebol aos lançamentos “de sacanagem” recentes.

Dechavar, segundo o Dicionário Informal é “Termo usado para designar qualquer ação reparadora seguida a uma outra presumidamente inaceitável ou condenável, com o intuito de disfarçar ou despistar.” É ferramenta verbal dos hipócritas assumidos que nem o Carambola. Descobrimos isso quando ele contava suas últimas aventuras...

- Ontem de noite eu saí com um bróder meu. Fomos prum lugarzinho dechavado tomar umas cervejas...

- Ora Carambola, você não disse que não estava mais bebendo? – Sua resposta foi muito tranquilizadora.

- Num esquenta que ninguém me viu bebendo não. - Nem tampouco importava saber-se-lá-o-quê que rolava entre ele e o bróder-bofe, a ponto de irem procurar um “lugarzinho dechavado”pra se esconder (namorar?)...

Sempre em busca de uma explicação lógica para preservar a identidade secreta, Carambola dizia que o tal amigo era um “sócio”, mas não conseguia disfarçar o maior entusiasmo que demonstrava pelo rapaz do que pela namoradinha. Quando chegou o feriadão da semana santa deu-lhe uma doida, pegou o bofe (cujo?) e se pirulitou (e como!) pro sul da Bahia. Ao seu álibi de masculinidade restou o nobre consolo de estudar para o simulado e garantir a média de desconto na mensalidade.

De volta do feriadão, com a cara de pau que Deus lhe emprestou e a namorada saudosa novamente a tiracolo, Carambola levou as fotografias da viagem pra galera ver. Era um álbum escancaradamente romântico dele e o “sócio” na piscina da pousada, na intimidade do quarto, tomando drinques coloridos no barzinho, passando bronzeador na praia. A sequência menos levemente bandeirosa de todas era dos dois andando de moto nas dunas e nessa mesma é que a máscara caia:

- Rapaz, a gente andou tanto de moto que eu tô com a bunda toda doída até agora!    

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