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terça-feira, 7 de agosto de 2012

DO PRELÚDIO AO BAIÃO: POR QUÊ NÃO?

Texto de Juca Magalhães publicado originalmente no Caderno Pensar do último sábado (04 de agosto de 2012)...  

Durante o último Festival de Inverno de Domingos Martins ficou marcada a grande diversidade musical das atrações, o que nos faz pensar no benefício causado pelo “choque cultural”: uma forma criativa e interessante de circular mensagens sonoras entre grupos e públicos considerados estanques. Frequentemente vejo muita gente de fora do contexto musical manifestar a expectativa do Festival se focar mais na música erudita. É interessante notar que geralmente pensam assim os leigos, porque os que se interessam por música sabem que muitas vezes do estranhamento vem a inspiração. Foi o caso de Claude Debussy, um dos homenageados do Festival em 2012.

Em 1889 aconteceu em Paris a famosa Exposição Universal, onde, segundo os estudiosos Jean e Brigitte Massin, o gamelão javanês deixou uma “marca indelével” na música do compositor francês. Ainda segundo os autores acima, havia no final do século dezenove uma espécie de internacionalização cultural, um grande interesse por contato com diferentes formas artísticas. É evidente que essa prática é importante e que, como dizem os americanos, de vez em quando é necessário “to think outside the box“. Então qual é o problema de num Festival de Música termos uma apresentação da Escola de Samba MUG? Ou mesmo do mega famoso Falamansa?  

Pensar fora da caixa é entender que nosso gosto pessoal não determina o que é bom, e que, por essas e por outras, Eric Clapton dizia: “em cada multidão tem um melhor guitarrista do mundo”. Para entender os rumos do Festival de Inverno de Domingos Martins é preciso atentar para a sua importância cultural que emana muito especialmente da programação didática, digamos assim, do evento. Essa iniciativa nasceu, e assim se mantém, com o propósito formador para o estudante de música. Durante cinco dos nove dias de realização do Festival acontece uma extensa e intensa programação de oficinas com professores muito renomados em nível internacional. Essa parte da programação é sempre obscurecida “midiaticamente falando” pelos shows populares, porém, estes são também muito importantes para aquela.

Ninguém estuda música sem o desejo de se apresentar publicamente. Quando alguém começa a tocar, seja o instrumento que for, quer logo mostrar pra família, pra seu amor, para os amigos e, se bobear, até pra fazer raiva aos inimigos. Todo aspirante a músico sonha em pisar num grande palco e todo professor sabe que a experiência é crucial pro amadurecimento do aluno. No estudo da música tudo se direciona para as apresentações, os concertos, os shows, sejam lá quantas denominações tenham. Esse momento é uma encruzilhada de interesses que partem em várias direções, portanto, definir a programação de um grande Festival de maneira a contemplar a maior diversidade possível e ainda assim manter a qualidade é um desafio.  

O que acaba acontecendo é que um evento tão grande e tradicional vai criando suas próprias pernas, ou seja: o festival acontece na cidade de Domingos Martins, sua programação envolve também o sentimento das pessoas do lugar. Imagine alguém entrar no seu carro ou em sua casa e querer determinar o que você vai escutar? A convergência desses vários interesses define o perfil do Festival e também é fator determinante para seu sucesso. Os grandes shows populares atraem pessoas que vão assistir orquestras, bandas sinfônicas, corais, cameratas, duos, quartetos e sabe-se-lá mais o quê e os estudantes de música terão a tão desejada prova de fogo perante um grande público em suas primeiras apresentações, em um grande palco dividido com astros da música. Isso tudo se traduz em enriquecimento cultural para tanta gente que é difícil quantificar com certeza.

No final tudo soma e o que parece destoar, na verdade, é importante dentro da programação. Poderia ser como é em Campos do Jordão, o tradicional Festival de São Paulo, modelo para este de Domingos Martins? Não creio. Simplesmente porque se trata de um universo cultural completamente diferente. Cada uma dessas iniciativas segue seus passos individuais porque afetam um determinado tecido social, visa o bem comum e não o desejo de um grupo restrito de pessoas. Se em Campos do Jordão o Festival é voltado para a música dita “erudita” é porque um grande conjunto de fatores proporcionou a situação, havemos de guardar as devidas proporções entre uma coisa e outra e entender a construção da realidade como ela é e não como gostaríamos que fosse.

Eu já caí na tentação, como tantas pessoas, de criticar a grande mídia por só valorizar e destacar muito especificamente os “grandes shows populares”, como os que agora aconteceram com Dominguinhos e Falamansa no Festival de Inverno de Domingos Martins 2012. Atualmente gosto de imaginar que tudo isso converge para ajudar uma criança que aprende violino a crescer musicalmente. Parece coisa de maluco, mas é assim que eu a percebo, aliás, todo mundo tem direito de discordar, mesmo porque eu não falo em nome da organização do Festival de Inverno de Domingos Martins, o trabalho que desenvolvi lá foi totalmente periférico, mas como cidadão capixaba, melômano e músico bissexto posso confortavelmente emitir essas opiniões.

Deixar de lado preconceitos musicais é uma boa prova de maturidade cultural, basta pensar no sentimento de profundo respeito e carinho que todos os grandes compositores sempre tiveram pelas manifestações populares. Portanto minha gente: Viva Debussy! E viva também Luiz Gonzaga! Do prelúdio ao baião: por que não?

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