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segunda-feira, 23 de março de 2009

SEM PAUTA E SEM DOCUMENTO...

Tempos atrás circulava pela Internet uma carta anônima que causou um certo rebuliço pela cidade, trazia uma enorme quantidade de revelações bombásticas pretendendo mostrar que os fatos divulgados após a tal “Operação Naufrágio” seriam apenas a ponta de um gigantesco iceberg que envolveria praticamente todas as pessoas importantes do Espírito Santo. Claro que li a carta, ela logo me chegou pela Internet. A princípio fiquei desorientado, rolavam nomes de muitas pessoas conhecidas, acusando e denunciando esquemas e bandidagens de tudo quanto é jeito e tamanho. Ora, pensei: que diferença isso faz para mim? E a resposta para essa indagação veio lá na frente quando o escritor anônimo – agora estão dizendo que o misterioso autor seria um advogado professor de direito de faculdades locais – fala trivialmente que:


“uma antiga colunista aqui, Laurita, foi assassinada porque estava extorquindo gente grande da alta sociedade”.


Não disse com todas as letras, mas claramente estava se referindo, ou melhor, sugerindo uma nova linha de investigação para o escabroso assassinato da colunista Maria Nilce, crime que no próximo dia 05 de julho estará completando vinte anos!


Digo que essa informação faz diferença para mim, porque, nem todos sabem, mas sou filho de Maria Nilce Magalhães e vivi junto com minha família todo o drama de ter um ente querido eliminado de forma tão covarde, em plena luz da manhã, numa calçada movimentada da Praia do Canto da maneira que foi. E digo que o também covarde autor dessa carta inovou porque o crime foi investigado como vingança por coisas publicadas pela jornalista em sua coluna no Jornal da Cidade, sendo condenado a 13 anos de prisão como mandante o “empresário” José Alayr Andreatta. Então, de onde será que o autor da carta tirou essa versão maledicente e, sobretudo, inverossímil para a morte dessa conhecida colunista social? Será que ele está sabendo mais do que a polícia que investigou e a justiça que julgou o caso ou está querendo também insinuar que todos se venderam aos verdadeiros mandantes para encerrar o assunto, como muitos acreditam?


Desde a morte de Maria Nilce circulam pela cidade versões estapafúrdias para esse crime brutal, tentando transformar a vítima em vilão como se o que aconteceu fosse pouco. A jornalista e empresária tinha inimigos poderosos, muitos destes hoje amargando um merecido ostracismo, mas que não se contentaram com seu desaparecimento; denegriram sua imagem, perseguiram nossa família e trabalharam duro e impiedosamente para fazer com que as pessoas se lembrassem dessa mulher apenas por suas piores facetas - Deus sabe que todos as temos - e para fazer com que se acreditasse que por ser tão ruim ela teve o fim que mereceu.


Pelo comentário banalmente inserido nessa carta anônima vê-se que em parte esses respeitáveis senhores e senhoras obtiveram algum sucesso em plantar no imaginário social essa criminalização da vítima que era, na verdade, uma mulher muito bonita e despojada, uma escritora que mesclava de maneira temerária ingenuidade e inteligência. Com o tempo Maria Nilce tornou-se uma empresária vitoriosa e muito influente em sua área de atuação, realizando eventos filantrópicos e grandes festas reunindo as demais expoentes da cidade, destacando pela primeira vez a importância da mulher capixaba, sua independência e a força de sua inteligência.


Agora, pensemos o seguinte: a colunista do Jornal da Cidade era famosa por sua coragem temerária, mas nunca pela burrice. Então, se havia extorsão e as vítimas não buscaram ajuda da polícia preferindo o assassinato é porque tinham alguma coisa muito grave para esconder, certo? E se Maria Nilce sabia de algo tão ruim assim dessas pessoas, provavelmente seus inimigos históricos, aqueles que a conheceram sabem muito bem que publicar a notícia daria muito mais poder para ela e credibilidade para seu jornal do que extorsão. Ou seja camará: essa é uma hipótese totalmente absurda que não tem precedente jurídico na trajetória da jornalista e que, portanto, não faz nenhum sentido. É justamente o tipo de coisa que seus muitos inimigos e os envolvidos no crime difundem pela cidade desde a sua morte!


Passados esses vinte velozes anos, a controversa história do jornal que Maria Nilce comandou com seu marido é placidamente ignorada pelos demais veículos de informação, afinal antigos concorrentes, como se fosse algo sem a importância e a relevância que de fato teve. Sua trajetória é também sempre tratada do ponto de vista das polêmicas, com destaque apenas para o crime e o que aconteceu desde então. Pra exemplificar, quero compartilhar trechos de um texto do jornalista Stenka do Amaral Calado sobre o assunto, o título é “Sem Pauta e Sem Documento”:


“Não se pode fazer cobrança ética do colunista social, então se discrimina, se isola do contexto. Quando se envolve em celeumas o colunista não tem a solidariedade da classe e quando se excede em ataques vira alvo individual, solitário, dos que se sentem atingidos. Para os jornalistas do Espírito Santo, Maria Nilce não era uma colega, tal como se entende o termo nas nossas redações. Isso explica a indiferença, a falta de paixão e emoção com que seu assassinato foi tratado na mídia local. Infeliz profissão esta nossa... O que dói mesmo, e machuca, é a sua insensibilidade diante de atos covardes como a premeditação do assassinato de Maria Nilce”.


Pior do que a morte é essa tentativa de extinção da verdade, a destruição das boas lembranças e da reputação de uma pessoa querida, tática adotada pelos piores regimes totalitaristas. Então quero terminar essa postagem homenageando com carinho essa figura pública polêmica, desvendando um lado seu que muitos desconhecem. Fã de Vinícius de Moraes, Pablo Neruda, Manuel Bandeira e muitos outros poetas, Maria Nilce tinha uma vontade enorme de se realizar no campo da literatura. No poema “Desespero”, publicado no livro “Eu Maria Nilce” de 1969, vemos patente esse lado ingênuo e romântico da escritora ainda jovem, vinte anos antes de ser arrebatada pelo furacão da história, e que se a gente pensar bem tem um viés curiosamente profético:


“Horroriza-me a idéia de morrer

Confrange minh’alma

Pensar que um dia vou morrer

E por mais que queira ter calma

Por mais que insista em ser forte

Enlouqueço à idéia da morte


Morrer...


Nunca mais ver maio com seus amores

Nunca mais ver junho com seus balões

Nem a primavera repleta de flores

Morrer e deixar vazios tantos corações

Meus filhos, meu lar que tanto amo

Deixar atrás de mim tanta coisa boa!

Às vezes brigamos por coisinhas à toa

Que bobos que somos... Que tolos!


Morrer...


Não mais ter para mim um verão quente

Muita luz, as praias repletas de gente

A Alegria que só o verão sabe trazer


Morrer...


E deixar o Natal, que é para mim

A data mais linda em que me sinto

tão feliz! Oh, Deus faça comigo

O que fizeste com tantos por aí.

Não me deixe nunca esperar

Num leito o meu fim

Mata-me de improviso para eu não chorar

As coisas boas que tenho que deixar!”

14 comentários:

Renata Peixoto disse...

Juca, parabéns pelo seu blog!
Conheci sua mãe por intermédio da família do meu marido e aprendi a admirá-la.
Pessoas que não tem o que fazer, deveriam, ao menos, respeitar a memória de quem não está mais aqui para se defender.
Um abraço
Renata Nogueira

Unknown disse...

Juca, essa história de mamãe extorquir pessoas rolou na cidade logo após a morte dela, não contetes com o que fizeram com ela, reolveram denegrir por completo sua reputação e a da família também.
Você escreve maravilhosamente bem.
Mil beijos
Paloma Magalhães

Juca Magalhães disse...

Amigos elektronicos: recebi um caminhão de respostas muito carinhosas e luminosas para esse texto e devagarzinho estarei postando aqui também. Desde já, agradeço a força e a visita...

Anônimo disse...

Olá Juca, Eu li seu texto e enviei para alguns amigos, agora, tomo a liberdade de escrever para você.

Faço isso para te agradecer pelo testemunho e pela poesia.

O seu testemunho é instigante: ao mesmo tempo que me mostrou a amplitude da sua necessidade de não calar diante de falsas acusações, de mentiras e de injustiças, também me fez pensar sobre o quão cuidadosos devemos ser com nossas palavras porque elas podem atingir (e ferir) alguém... Falar e calar: duas faces da mesma moeda... moeda que deve ser usada com sabedoria e respeito!

A poesia falou alto ao meu coração e fez com que ele se lembrasse daquilo que realmente importa na vida: amores em maio, balões em junho, flores na primavera... Talvez um pouco de tudo a cada mês - plenitude! Que estas palavras continuem ecoando dentro de mim e me ajudem a deixar de perder tempo com coisas bobas e passageiras.

Por isso considero o seu texto como uma prova de coragem, no sentido mais amplo que esta palavra possui. Seu prefixo é sua força maior - 'cor', de coração. Coragem que não nasce do coração, não merece ter tal nome. Agradeço, então, pela sua coragem - e pelo brilho que dela emana!

Tenha uma boa semana!

Abraços,

Adriana

Anônimo disse...

Meu querido Juca:

Assino em baixo o que dizes.
A Maria foi uma pessoa que me deu importancia em momentos dificeis da minha vida.
Uma grande mulher.
Que Deus a tenha eternamente.

bjão do amigo
M.Lima

Anônimo disse...

E-MAIL IDENTIFICADO DO BEM

Valeu, Juca. Boas lembranças.
Maria Nilce foi um exemplo de força, ousadia, verdade e vontade.
E, como diria Caetano: "E deixe que digam, que pensem e que falem (...)"
Como nos contos de fadas ou nos filmes de hollywood, vamos continuar acreditando que os "bad guys" sempre se dão mal no fim.

Abraço,

Beto

Anônimo disse...

Aos 18 anos tive meu primeiro emprego. Era vendedora da Click Boutique de Jurema Terim, na Galeria Joana D`arc no centro da cidade..
Lá conheci uma das cliente de Jurema, a jornalista Maria Nilce.
É interessante como me lembro muito bem dela numa manhã em que veio conhecer as novidades da coleção.
Essa imagem nunca me saiu da cabeça..não sei bem porque.
Senti vontade de te dizer isso e de alguma forma me solidarizar com a sua dor.
Um beijo grande meu querido.

M. Loureiro

Anônimo disse...

É o que acontece nessa capitania hereditária meu amigo. Não é o caso de dar parabéns, mas também é. Parabéns por ter coragem de levantar esse assunto que tantos evitam,por se posicionar, por não deixar que apaguem sua história, a história dos seus pais, irmãs e de quem gostava de sua mãe.

Com minha amizade e meu máximo respeito,

Caê.

Anônimo disse...

Querido amigo, será que existe covardia maior que a utilização que vemos do poder econômico e político para causar os danos do tipo do que voce sofreu? Creio que não. Mas essa utilização tem um ponto fraco: às vezes produz homens inteligentes ( isso dádiva de Deus) e
profundamente sensíveis ao mundo que os cerca ( isso dádiva do sofrimento). Um abraço e saudade do amigo Fernando Grijó.

Anônimo disse...

Lindo, Juca!!!
Receba um grande abraço, de uma pessoa que te admira muito!
Parabéns pelo texto e pela lucidez. E o poema da sua mãe, que lindo também.
Tudo de bom pra você!
Helder

Anônimo disse...

Juca,

Eu lia a Coluna Corajosa com a qual sua mãe denunciava os desmandos dos abutres do TJ à época, e os colunistas adestrados aos interesses sempre escusos do crime organizado. Sou solidário a vc e a seus familiares, sua dor também é minha Amigo!

Um Grande Abraço!

Monjardim

Anônimo disse...

Juca, terei o maior prazer em prestigiar o lançamento do seu livro.
Quanto ao meu, caso não encontre na livraria Logos, você pode achar no site da editora:
http://www.livropronto.com.br/
ou aqui:
https://www.livrarialoyola.com.br/detalhes.asp?secao=livros&Menu=1&CodId=284&ProductId=256113
um abraço
Renata

Maria Paula disse...

Juca, eu sou da opinião de que sua mãe pagou uma dívida que ela não tinha!

Em tempo, parabenizo-o pela homenagem!!!

Beijos mill

beth martins disse...

Emociona-me às lagrimas as suas lembranças,doi-me o coração sempre que leio referencias a Maria Nilce que foi para mim um espelho e estrela de primeira grandeza.
Sei que onde ela estiver, esta orgulhosa de voce.
Nos sabemos quem foi Maria Nilce, isto importa muito, e por ter convivido com ela e a conhecido como conhecemos, sabemos que em sua passagem por este mundo cruel, cumpriu sua missao.
Podem dizer o que quiserem dela, nos sabemos a sua real personalidade... nós sabemos. Dentro dos nossos corações isto nao pode ser apagado.
Meus parabens por estar representando magnificamente o papel de ser Filho de Maria Nilce.
beijus de amo.
Beth Martins