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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

DEU NA COLUNA DO ANCELMO GOES


Violino de bamba

De Lula, a um grupo de cariocas adeptos de samba, na apresentação, no Municipal do Rio, de uma orquestra de crianças de uma comunidade popular.

— As crianças das favelas não querem mais saber de cuíca, surdo e tamborim. Querem somente violino, viola e violoncelo.

***

Para surpresa de alguns o estudo da música clássica vem ganhando importância junto ao chamado “povão” e se distanciando daquele primeiro momento pós-romântico da elite brasileira ao qual a música de concerto ficou atrelada por um bom tempo. Ópera, balé e música clássica eram desprezados pelos populistas e vistos como coisa de “gente rica”, os investimentos públicos iam para escolas de samba e times de futebol certamente para garantir votos da maneira mais óbvia possível. Essa é uma visão hoje ultrapassada, mas nem todos ainda se deram conta, especialmente os administradores públicos.

Elite o meu pé! Hoje em dia vale perguntar: quantos dos filhos de seus amigos ou dos “poderosos” que vocês conhecem estão estudando violino, violoncelo, canto ou piano? A maioria dos pais não incentiva, têm até medo que os filhos enveredem por esse caminho. Aquela coisa de estudar piano e ter música em casa ficou rococó. Acontece que alguém tem que fazer música doutor (e não falo aqui de música popular) e esse é um mercado que tem suas oportunidades como outro qualquer.

A ignorância grassa, mas os jovens estão ávidos por conhecimento. Já fiz palestras em vários “projetos sociais” que ensinam música e a molecada sempre me surpreende. Uma vez eu substituía o meu compadre Bené que estava em Brasília e fui falar de música para meninos e meninas pré-adolescentes em “condição de risco social”, terminologia que eles obviamente detestam. Uma vez foi divulgado um panfleto do projeto com esses dizeres e uma menina falou desconsolada: “Tio, tão chamando a gente de pobre!”

Achando que estava abafando, mostrei para a molecada algumas coisas bem básicas da música de concerto tipo sinfonia de Beethoven e concerto de Tchaikovsky e lá pelas tantas um me pediu para tocar Villa-Lobos que eles tanto ouviam falar e queiram muito conhecer. Elite o meu pé! A elite da música hoje são esses meninos! De vez em quando encontro algum deles hoje crescidinhos tocando com a Camerata do Sesi ou na Banda da PM, se continuassem alijados da cultura o que seria de seus destinos?

Vocês podem imaginar a alegria e o orgulho de uma criança dessas quando pega em casa o violino, uma flauta transversa ou um baixo para estudar? A auto estima vai ao espaço, sua vida muda e junto vai tudo ao seu redor, porque onde floresce o saber vem dignidade e alegria. Para mim essa constatação do Lula não foi surpresa, mas o presidente é apenas uma parte de um processo. E o resto do Brasil? Já falei antes, mas vou me repetir: não pode haver desenvolvimento intelectual sem estudo, ou pode?

6 comentários:

Demorô... Partiu! disse...

Música (ei falei MÚSICA, rs) é sempre uma coisa boa. E ensinar música eru-dita nas periferias, tem sido uma tendência global. Morro de inveja dessas crianças que hoje tem uma oportunidade que nunca tive ^^

Anônimo disse...

"Desenvolvimento intelectual sem estudo".

Claro que não, né Juca. "É preciso estudar para raciocinar e raciocinar para compreender", alguém asseverou e não me ocorre o nome no momento, mas não importa, o que importa é o fundamento da coisa e da coisa em si(parece que estou melhorando).

Valeu aquele amplexo Odilson.

Juca Magalhães disse...

Pois é Odilson, só que o estudo de música é negligenciado pelas autoridades competentes como fosse algo supérfluo, depois reclamam do baixo nível da programação... Eles são os primeiros a desvalorizar tudo, aliás, é o que dizem dos avaros: são pessoas que sabem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada.

Carla Cristina Teixeira Santos disse...

O presidente, Juca, jamais perde a oportunidade para demagogismo. Quantos são educados de forma a gostar de música clássica? Ele próprio mesmo disse que se sente cansado quando lê um livro (fala irresponsável num país em que a maioria das crianças passa mais tempo vendo televisão - culpa da televisão? - que lendo um livro), imagine para outras coisas culturais (só não tem tempo para as culturais, esteja certo).

Uma vez perguntei a uma cantora de ópera porque as orquestras daqui não tocavam os clássicos (eu era louca para ouvir a nona, de Beethoven), ao que ela respondeu:

-O povo não gosta de ouvir os clássicos.

Se eu como professora disser que odeio ler livros (o que jamais diria sendo professora, ainda que odiasse), em que ponto despertarei a atenção de meus alunos?

Que venham os clássicos, que venha a boa educação das elites de antigamente. O povo merece.

Juca disse...

Ô Carlinha, a OFES apresentou a nona não faz muito tempo, fez o ciclo inteiro de Beethoven numa temporada. Agora, dizer que o povo não gosta do que simplesmente não conhece é como chover no molhado. É preciso mudar a forma como se pensa a educação integral no que diz respeito à cultura. É preciso implantar ações culturais e deixar os eventos de lado. Com estes não se constrói nada. É como se as escolas dessem aulas apenas de vez em quando (!) É preciso pensar em formação cultural continuada e não esporádica como se faz até hoje. Isso é atraso e por isso tem gente que diz que o povo "não gosta de música clássica".

Carla Cristina Teixeira Santos disse...

Ôooo, eu perdi a apresentação da OFES, que triste... :-(
Gostei muito disto "É preciso mudar a forma como se pensa a educação integral no que diz respeito à cultura" e disto "É preciso pensar em formação cultural continuada e não esporádica como se faz até hoje".
Sempre achei que os clássicos (sem desprezar o popular) deviam ir ao povo. Continuamente. :-)
Valeu, amigo! Besos!