Cara, galera, okay, falou, tá legal. Comecei a escrever a tal da história do Midas de nossas bandas, mas fiquei tão enojado com o rumo que a coisa estava tomando que tive que parar, pelo menos por enquanto. Além do mais, eu nem tinha realmente começado a abordar o assunto pra tentar entrar no tema e já tinha dado uma página. Ou seja, Narceja – bate palminha vai – ESQUILO!
Pois é, a história estava triste, sorumbática, como é, aliás, a vida dessas pessoas que se consomem dentro de suas próprias desventuras. Vou ter que parar para escrever com calma, nem que seja para um dia mostrar para meus sobrinhos-netos, um dia, quem sabe... Retomo então um assunto que agrada a turminha saudosista e falar mais sobre os primórdios da onda disco-dance aqui na cidade de Vitória.
Lembra aquele verão desgramado - aliás, como o atual só que ao contrário - em que choveu sem parar durante três meses? Foi uma calamidade pública para os capixabas, o Rio Doce transbordou alagando o norte todo: Linhares, Muquirana e Mucurici. Circulava o boato de que uma represa estava prestes a rebentar por aquelas bandas e que nossa cidade ia ficar embaixo d’água, para sempre. Era a Tsunami, o final dos tempos... E eu me lembro claramente de ter ficado triste somente e exclusivamente pela decepcionante perspectiva de não mais haver domingueira da Boite Mario’s pra gente ir.
Eu era um pré-adolecente botocudo, minhas irmãs mais velhas é que tinham os discos da moda, especialmente a trilha sonora do filme “Os Embalos de Sábado a Noite”, uma película muito badalada que espalhou pelo mundo a onda “Disco”. Enquanto os Sex Pistols amargavam a goela dos ingleses e a cena british bombava, nós aqui tentávamos aprender a requebrar que nem o John Travolta. Isso e mais todo o pacote Rede Globo, Sonia Braga, novela “Dancing Days” e as adoráveis Frenéticas do Nelson Ned, quer dizer, Nelson Rubens, Ops! Enfim, Nelson alguma coisa (Mota?).
A gente ensaiava os passinhos em casa, é verdade! Eu e minha irmã Milla que tinha um gênio dos diabos e me arrastava pra tudo quanto é roubada que ela inventava. Depois vinha a domingueira do Mario’s, a chamada matinê. Começava de tarde e não passava das nove da noite, mas cidade inteira daquela faixa etária pré-aborrescente e de outras se aglomerava lá. Lembro que no fundo de um corredor tinha um painel com espelho dentro de vários espelhos, cheios de luzes que ia se aprofundando que nem mágica.
O auge da domingueira era o aparecimento da figura, figuríssima de uma cara chamado Ney, que foi sumariamente apelidado, rebatizado, sei lá ,de “Ney Travolta”. Era só tocar o tema principal dos Bee Gees que o Travolta local ganhava a pista acompanhado de uma loira e disparava o repertório rebolativo de Saturday Night Fever, ainda que fosse domingo. O próprio público reconhecia sua superioridade dançarinheira e abria uma roda no centro da pista de dança, onde o casal mostrava sua habilidade em emular a habilidade de outrem.
Logo o Ney Travolta virou lenda e comentários diversos surgiram sobre a sua pessoa. Diziam que ele havia assistido ao filme dezesseis vezes no Cine Glória - ou Juparanã, nem lembro mais – para poder aprender os passos do ídolo. É difícil até imaginar hoje, mas é bom explicar que naquela época ainda não havia por aqui vídeo cassete, muito menos DVD, ou ia ao cinema ou não aprendia a parada. Sem falar que a tal da censura era o cão chupando manga e o filme era proibido pra maiores de dezesseis anos, eu até tentei, mas não consegui entrar. Muitos anos depois é que fui é que fui assistir à película em video e acabei achando uma merda.
Só para ilustrar o texto publico abaixo uma fotografia inédita que vem da coleção particular de minha família e que foi tirada durante o lançamento do livro de Maria Nilce “Crônicas de Uma Ilha Muito Doida”, no dia 22 de setembro de 1977. Nessa foto vemos a pista de dança do Mario’s completamente tomada, o cara de costeletas em primeiro plano é o já falecido pai do Max, um grande amigo. Vemos bem acima também o tradicional globo feito de espelhinhos, esse troço deve ter um nome certo não é? Dá só um beiço na expressão de felicidade daquele tiozinho bigodudo, com o copo lá no alto, como se brindasse à alegria.
Não passaria muito tempo e o Mario – a melhor lazanha verde da cidade – fecharia sua discoteca, certamente a primeira daqui. Na Reta da Penha seria inaugurada a Papagaio’s, depois a Black Horse, sei lá mais quantas e a cidade seguiria essa tendência disco ainda por um bom tempo. Nós bem que tentamos contrabalancear com bandas de Heavy Metal e Pop Rock, mas viríamos a descobrir que o gosto musical do capixaba sempre esteve muito mais pra Praça do Pelourinho do que pra Piccadilly Circus.
Não faço a menor idéia de que fim levou o Ney Travolta, lembro que em meados dos anos oitenta ele tentou a carreira de cantor, infelizmente sem despertar tanto interesse e comentários maldosos quanto em sua fase disco-dancer... Uma das fofocas mais inocentes que circulavam é que, por ser baixinho e muito vaidoso, o dançarino colocava uma almofada no banco do carro para parecer mais alto quando dirigia. Provavelmente intriga da oposição não é? Para vocês verem como é antigo esse costume de falar mal da vida dos famosos...
Depois de um tempão o Mario acabou mudando seu point na Praia do Suá pra Praia do Canto, perto da Igreja Santa Rita, uma região que antigamente era chamada de Praia Comprida - ou seja: Narceja! - era ali a nossa Long Beach. A tradicional cozinha “trentina”, acho que estou correto em dizer assim, ainda pode ser experimentada nesse novo restaurante batizado de “Cantina Fiorentina do Mario”, desculpem a minha ignorância completa dos costumes italianos, afinal não tenho com estes nenhuma forma de parentesco.
Mandem para a Letra Elektrônica suas fotos e suas histórias, quem sabe não conseguimos retomar um pouquinho da trajetória de nossos ilhéus, antes que o Rio Doce transborde outra vez e leve nossas lembranças de volta pra casa do chapéu...