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sábado, 8 de junho de 2013

LIVRE PARA TODAS AS IDADES



Um menino é educado nas precariedades de um cárcere, para quando crescer se tornar seu próprio carcereiro.
Sócrates Nolasco

Às vezes me encontro tão “experiente” que até me lembro da TV em preto e branco, coisa que de menesgueio, aliás, originou o velho bordão “ao vivo e a cores”, ainda usado por tantos colegas de locução, embora hoje seja duro achar na multidão quem saiba realmente o que isso quer dizer.

Pesquisando rasteiramente pela Internet descobri que a primeira transmissão “em cores para todo o Brasil” foi lá em 1972 numa Festa da Uva em Caxias do Sul. Não lembro se foi esse evento, mas eu e minhas irmãs assistíamos na TV um desfile militar daqueles comuns na época da ditadura e o repórter o tempo todo falava com entonação de Amaral Neto:

- É a primeira transmissão em cores para todo o Brasil! Vocês estão assistindo à primeira transmissão em cores para todo o Brasil! ... Ou a pororoca que o valha...

Se as contas dessa galera estiverem certas, na época eu tinha sete anos de idade e fiquei encafifado com o que aquele cara dizia. Porque, ora, seus altos brados não vieram colorizar a pátria amada da nossa televisão. Como é que podia? Minhas irmãs estranhavam também a transmissão ser “ao vivo e a cores” e a nossa televisão continuar teimosa no preto e branco... Depois de concentrar bastante para encontrar um amarelinho qualquer ou uma verde oliva que fosse, um de nós bradou espantado:

- Olha as cores lá!

Foi um auê! Descemos em desabalada carreira as escadas de nossa casa para contar pra mamãe que a televisão agora era colorida. Lembro dela sorrindo sem graça, sentada e posuda, porque tinha visita estranha na sala e provavelmente era alguém que sabia muito bem que em Vitória não chegaria televisão colorida tão cedo, ainda mais na casa de classe média como a gente. Coube de me perguntar se ela se constrangera com nossa euforia ignorante ou se naquele instante ela se dera conta de que não era tão moderna e, especialmente, “antenada” como tentava aparentar.

De 1976 para 77 entrou no ar a novela Estúpido Cupido que durante muito tempo costumei dizer ter sido a única do gênero que eu me dera o trabalho de acompanhar, sobretudo porque a piada ficava melhor à medida que o tempo passava, mas depois não encontrei mais quem achasse graça. E eu acompanhei mesmo, adorava especialmente na trilha sonora aquela música do maluco (Neurastênico) numa gravação de Betinho e seu conjunto, segundo li na Wiki, considerada a primeira banda de Rock’n’roll do Brasil. Pois calhou que, entre lambretas, jaquetas de couro e Ney Latorraca pagando de Mederix, aquela novela seria a última da rede Globo em preto e branco. 






















Eu estudava de tarde no Sacré Cour, encarcerado como fora o Papillon - olhando o mar e o céu azul da janela da escola - matutando uma forma de conseguir escapar. Na hora do almoço passava um programa que, acabo de desenterrar, se chamava “Globo Cor Especial”, título que nos dá a dimensão do quanto a TV colorida era tratada como novidade. Achei no Youtube a vinheta de abertura do programa e estranhei a música que para mim era o maior rock, ouvindo agora trocentos anos depois constato que era na verdade uma cançãozinha bem MPB na praia do Toquinho.

Segue o link do vídeo que é de levantar as lembranças mais defuntas:


http://www.youtube.com/watch?v=p3tZ8iJ2gUs 
 
Hora boa era aquela quando chegava em casa! Entrava correndo que nem um doido para frente da televisão e então rolou a surpresa! No meio da tarde uns caras passaram lá e entregaram uma TV colorida novinha! Corri pra ligar e a biruta da Lavínia (para saber mais sobre essa persona leiam O Livro do Pó) tentou embarreirar, coisa que adorava, quanto maior o desejo frustrado maior a sua diversão. Entrou numa de dizer para não mexer, que eu ia quebrar a televisão e o cacete. Só que aí eu já devia ter meus dez, onze anos e a má fama de meu cruzado de esquerda grassava a vizinhança, além do mais era só puxar um botão. Nem o capeta seria capaz de me segurar...

Dane-se caso tenha sido outra coisa, mas estava passando uma versão em desenho animado da série “De Volta ao Planeta dos Macacos”. Era, inclusive, um episódio que tinha um avião Curtiss P40 Warhawk, aquele caça da segunda guerra com uma boca pintada e cheia de dentes. Pois, não é que eu achei isso também no Youtube, dublado e tudo o mais? A empolgação dessa descoberta me fez pensar no passado e, posteriormente, nos inúmeros cárceres que ainda vivemos; naqueles impostos, como a escola, e nas “escolhas direcionadas” que fizemos depois de maduros, porque estas também vieram nos encarcerar em um compasso de estranha espera.

De Volta ao Planeta dos Macacos – Episódio 10: Ataque das Nuvens:

http://www.youtube.com/watch?v=U6UqOdkcxOs
 

Pergunto pra gente se realmente tivemos outras opções ao fazer as escolhas que fizemos ou apenas seguimos o único fluxo das convenções sociais e comerciais em nossa comunidade: do preto e branco ao colorido, loiras ou morenas e as camisas Dudalina. Será que nossas escolhas foram direcionadas pela censura de um mundo cheio de regras e achismos ou nosso coração falou mais alto? E pergunto ainda, por último: será que existe realmente alguma coisa nesse mundo que seja “livre para todas as idades”? Ou, pelo contrário, estamos presos em todas as idades: presos ao passado.