Um menino é educado nas precariedades
de um cárcere, para quando crescer se tornar seu próprio carcereiro.
Sócrates
Nolasco
Às vezes me encontro
tão “experiente” que até me lembro da TV em preto e branco, coisa que de
menesgueio, aliás, originou o velho bordão “ao vivo e a cores”, ainda usado por
tantos colegas de locução, embora hoje seja duro achar na multidão quem saiba
realmente o que isso quer dizer.
Pesquisando
rasteiramente pela Internet descobri que a primeira transmissão “em cores para
todo o Brasil” foi lá em 1972 numa Festa da Uva em Caxias do Sul. Não lembro se
foi esse evento, mas eu e minhas irmãs assistíamos na TV um desfile militar daqueles
comuns na época da ditadura e o repórter o tempo todo falava com entonação de
Amaral Neto:
- É a primeira
transmissão em cores para todo o Brasil! Vocês estão assistindo à primeira
transmissão em cores para todo o Brasil! ... Ou a pororoca que o valha...
Se as contas dessa
galera estiverem certas, na época eu tinha sete anos de idade e fiquei
encafifado com o que aquele cara dizia. Porque, ora, seus altos brados não vieram
colorizar a pátria amada da nossa televisão. Como é que podia? Minhas irmãs estranhavam
também a transmissão ser “ao vivo e a cores” e a nossa televisão continuar teimosa
no preto e branco... Depois de concentrar bastante para encontrar um amarelinho
qualquer ou uma verde oliva que fosse, um de nós bradou espantado:
- Olha as cores lá!
Foi um auê! Descemos
em desabalada carreira as escadas de nossa casa para contar pra mamãe que a
televisão agora era colorida. Lembro dela sorrindo sem graça, sentada e posuda,
porque tinha visita estranha na sala e provavelmente era alguém que sabia muito
bem que em Vitória não chegaria televisão colorida tão cedo, ainda mais na casa
de classe média como a gente. Coube de me perguntar se ela se constrangera com
nossa euforia ignorante ou se naquele instante ela se dera conta de que não era
tão moderna e, especialmente, “antenada” como tentava aparentar.
De 1976 para 77 entrou
no ar a novela Estúpido Cupido que durante muito tempo costumei dizer ter sido
a única do gênero que eu me dera o trabalho de acompanhar, sobretudo porque a
piada ficava melhor à medida que o tempo passava, mas depois não encontrei mais
quem achasse graça. E eu acompanhei mesmo, adorava especialmente na trilha
sonora aquela música do maluco (Neurastênico) numa gravação de Betinho e seu
conjunto, segundo li na Wiki, considerada a primeira banda de Rock’n’roll do
Brasil. Pois calhou que, entre lambretas, jaquetas de couro e Ney Latorraca
pagando de Mederix, aquela novela seria a última da rede Globo em preto e
branco.
Eu estudava de tarde no Sacré Cour, encarcerado como fora o Papillon - olhando o mar e o céu azul da janela da escola - matutando uma forma de conseguir escapar. Na hora do almoço passava um programa que, acabo de desenterrar, se chamava “Globo Cor Especial”, título que nos dá a dimensão do quanto a TV colorida era tratada como novidade. Achei no Youtube a vinheta de abertura do programa e estranhei a música que para mim era o maior rock, ouvindo agora trocentos anos depois constato que era na verdade uma cançãozinha bem MPB na praia do Toquinho.
Segue o link do vídeo que
é de levantar as lembranças mais defuntas:
http://www.youtube.com/watch?v=p3tZ8iJ2gUs
Hora boa era aquela
quando chegava em casa! Entrava correndo que nem um doido para frente da
televisão e então rolou a surpresa! No meio da tarde uns caras passaram lá e
entregaram uma TV colorida novinha! Corri pra ligar e a biruta da Lavínia (para
saber mais sobre essa persona leiam O Livro do Pó) tentou embarreirar, coisa
que adorava, quanto maior o desejo frustrado maior a sua diversão. Entrou numa
de dizer para não mexer, que eu ia quebrar a televisão e o cacete. Só que aí eu
já devia ter meus dez, onze anos e a má fama de meu cruzado de esquerda
grassava a vizinhança, além do mais era só puxar um botão. Nem o capeta seria
capaz de me segurar...
Dane-se caso tenha
sido outra coisa, mas estava passando uma versão em desenho animado da série “De
Volta ao Planeta dos Macacos”. Era, inclusive, um episódio que tinha um avião Curtiss
P40 Warhawk, aquele caça da segunda guerra com uma boca pintada e cheia de
dentes. Pois, não é que eu achei isso também no Youtube, dublado e tudo o mais?
A empolgação dessa descoberta me fez pensar no passado e, posteriormente, nos
inúmeros cárceres que ainda vivemos; naqueles impostos, como a escola, e nas “escolhas
direcionadas” que fizemos depois de maduros, porque estas também vieram nos
encarcerar em um compasso de estranha espera.
De Volta ao Planeta
dos Macacos – Episódio 10: Ataque das Nuvens:
Pergunto pra gente se
realmente tivemos outras opções ao fazer as escolhas que fizemos ou apenas
seguimos o único fluxo das convenções sociais e comerciais em nossa comunidade:
do preto e branco ao colorido, loiras ou morenas e as camisas Dudalina. Será
que nossas escolhas foram direcionadas pela censura de um mundo cheio de regras
e achismos ou nosso coração falou mais alto? E pergunto ainda, por último: será
que existe realmente alguma coisa nesse mundo que seja “livre para todas as
idades”? Ou, pelo contrário, estamos presos em todas as idades: presos ao
passado.