Um dia, numa
rua da cidade, eu vi um velhinho sentado na calçada
Com uma cuia
de esmola e uma viola na mão
O povo parou
pra ouvir, ele agradeceu as moedas
E depois
entabulou uma conversa comigo
Que foi mais
ou menos assim:
- Diga lá desconhecido.
Se você pudesse voltar no tempo, qual o tipo de viagem você escolheria? – Não
sou de ficar ouvindo cantador no meio da rua, mas fiquei curioso e, como
costumo fazer, respondi com outra pergunta.
- E tem alguma diferença?
- Tem sim. Basicamente
tem três “tiuria” pra “viajá” no tempo.
- Só três? – O
violeiro percebeu a ironia, mas nem se abalou. Seu jeito de falar me surpreendeu
e sua iniciativa de abordar “na tora” aquele assunto bizarro no meio da rua continuaria
a surpreender. Ajeitando as cordas da viola ele devolveu a bola.
- Tem que prestar
atenção que eu disse “basicamente”, não disse? Note bem meu amigo: o viajante
do tempo considerado padrão, é aquele que quer retornar a algum período
histórico e ver com os próprios olhos a época de Jesus, Napoleão ou Cleópatra. São
os “curioso” metido a cientista.
- Que nem naquele seriado
“Túnel do Tempo”? – Quando falei isso lembrei que tem gente que até hoje chama os
seriados da tevê de “enlatados”, mesmo quando “interagem” com a geração digital
que não deve “realizar” nada do assunto.
- Pois é – continuou
sem dar pelota pro meu comentário - esses são os mais comuns e também os menos importantes,
mesmo porque, até hoje suas investigações nunca trouxeram nada de novo para os
estudos históricos acadêmicos.
- Ora, ora estamos
ficando eruditos. Então, quais seriam os outros?
- Então, os outros.
Tem aquele sujeito que sonha em retornar ao próprio passado.
- Esse aí não seria
mais comum? Acho que é a fantasia da maioria das pessoas...
- Do ponto de vista do
pessoal talvez “seje”, mas essa volta no tempo é geralmente imaginada de duas
maneiras diferentes, ainda que a razão pode até ser semelhante. Palavra que,
aliás, vem de sêmen, o amigo sabia? De semente, que gera outro parecido...
- Eu não sabia...
- É, mas isso não tem
nada a ver não. O que acontece é que tem gente que sonha em retornar ao passado
do jeito que é agora e se “infiar” desconhecido na própria história. Querem
tentar melhorar o futuro, dar conselhos para eles mesmos fazer isso ou deixar
de fazer aquilo. São os arrependidos, aquele Drummond mesmo fez isso.
- Que Drummond, o
poeta?
- Sim, queria dar
conselhos pra ele mesmo no passado, parar de fumar e trabalhar até tarde, essas
coisa. Isso só pra falar de um que é mais conhecido.
- Isso me lembra aquele
filme “De Volta Para o Futuro”... Como era mesmo o nome do ator? Sei lá, mas e
a outra maneira de voltar no tempo...
- É a dos românticos. Esses
sonham em voltar “nos tempo” que ainda eram jovens e cheios de vida. Imagine “as
vantage” de saber o que vai passar no futuro?
- Isso seria legal
mesmo... Rever a cidade como era antigamente, encontrar os velhos amigos, as
namoradinhas, tanta gente que sumiu no tempo...
- E falar de igual
para igual com os pais e com os professores, dar na pinta da maturidade... – De
repente notei o cara me olhou meio maroto, apontou a viola enfeitada em minha
direção e falou: - Esse seria o seu tipo de viagem então?
- Se eu tivesse que
escolher... Acho que sim... Tem um filme sobre essa experiência também, Peggy
Sue, ou algo assim...
- O amigo é meio doido
com esse negócio de cinema, não é?
- E você parece saber
muito mais das coisas do que dá a entender. – Ele sorriu com dentes mascavos e
recomeçou a dedilhar a viola. Retirei uma nota de dois reais da carteira e coloquei
na cuia aos seus pés. O velho cantava animado, juntando o povo...
- Eu nasci há dez mil
anos atrás e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais... -
Quando já ia longe
olhei para trás e o violeiro havia desaparecido. Uma corrente de vento passou e
trouxe até os meus pés um panfleto anunciando a inauguração de uma Danceteria
que fechou há uns trinta anos. Peguei o papel do chão, surpreso como se fosse uma
nota de cem dólares.
Em algum lugar ouvi
sininhos badalando misteriosamente...
* *
* * * * * * * * * * *
Esse é um pequeno
conto – que pode ter uma continuação - para lembrar que no próximo dia 05 de
outubro teremos a “efeméride” relativa à comemoração dos trinta anos de
inauguração da primeira “Danceteria” de Vitória. Foi aquela noite histórica de
abertura da “New Wave” que a banda Pó de Anjo realizou sua primeira apresentação.
Dedico, portanto, essa historieta ao amigo Mario Gallerani Junior que se dizia
o “próprio otário” daquela casa, empresário visionário e tecladista do Pó.