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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

EUFEMISMOS MOTO-CLUBE: DINHEIRO FÁCIL

Na semana passada recebi uma intimação de meu amigo Grilo Falante:


“Juquinha, queria saber por que você ainda não escreveu no blog sobre aquele encontro de motoqueiros que você apresentou. Me divirto contando essas histórias pra amigos e você até hoje não escreveu. Senta o dedo moleque!”


É curioso como certos jargões e eufemismos tomam proporções de coisa importante dentro de um grupo. Quando saltei de para-quedas uma das primeiras coisas que me orientaram no curso foi sobre a importante diferenciação entre pular e saltar. Diziam que quem pulava era sapo, para-quedista saltava. Importante isso, né? Faz uma diferença... Que nem esse negócio de moqueca capixaba e o resto ser peixada... Semana passada vi aquele filme da Garota de programa, curiosa relação: quando estava tudo bem o cara se referia ao trabalho dela como uma coisa bacana, acompanhante de alto nível e coisa e tal. Quando brigavam a primeira coisa que ele fazia era dizer o quanto ela não passava de uma puta rampeira que vivia de trepar por dinheiro.


Coordenei o cerimonial da Prefeitura de Vila Velha por uns cinco anos de muito trabalho e dedicação quase exclusiva: se não era à prefeitura era aos bicos que eu arrumava por fora. Um desses pintou numa sexta-feira: um cara apareceu querendo um apresentador para um encontro de motociclistas que ia rolar o fim de semana na Ponta da Fruta. Não bastasse ser longe pra caralho o cara ainda queria pagar uma miséria - tipo cinqüenta paus por dia - e ficou tentando me convencer a topar a roubada. Falei que não poderia, inventei uma história, mas que ia arrumar alguém e que se não conseguisse eu mesmo o faria... E foi nessa que entrei pelo cano de escape. Ninguém topou a empreitada, nem o Wllisses (assim mesmo) um amigo que mora na Barra, pô, pertinho da Ponta da Fruta. Tive eu mesmo que ir, numa má vontade filha de acompanhante de alto nível, pra lá.


O organizador do evento era um cara chamado Dondoni, fundador e único membro do motoclube O Estradeiro Solitário, a única inscrição do grupo não era por falta de candidatos: dizia ele que se aceitasse mais alguém deixaria de ser solitário, ora... Era um coroa alto e magérrimo com um bigode fino e gigantesco, lembrava o pintor Salvador Dali. Tinha um triciclo todo paramentado ou como diria Paulão Sardemberg: mais enfeitado que sela de burro de cigano. Me avisou logo de cara pra tomar o cuidado de não chamar motociclista de motoqueiro de jeito nenhum! Era uma ofensa para a classe rebaixar suas nobres figuras aos inséticos motoboys, castas impuras que viviam de fazer merda pelo tráfego das grandes cidades lotando os hospitais públicos com suas patuscadas.


Além de ser longe e do cachê ruim, o evento era interminável, a primeira noite foi de um tédio inacreditável, varias vezes troquei as denominações motocoisadas, talvez porque não conseguisse perceber mesmo a diferença. O encontro fora montado numa grande extensão de terra batida ao longo da praia esquerda da Ponta da Fruta. Tinha um palco cedido pela prefeitura onde se apresentaram bandas de rock o que aliviou um pouco meu drama; completava o cenário barracas de bebidas, comidas e breguétes de motociclista: adesivos, isqueiros em forma de caveira, revolver, granada e facas, canivetes, lanternas, jaquetas, o diabo à quatro. A estética era Heavy Metal anos setenta com muitas concessões e emprestimos ao movimento Hippie, inúmeros velhos calveludos e pançudos desfilavam suas motos e jaquetas de clubes com latinhas de cerveja na mão. Born to be wild, yeah!


No dia seguinte resolvi levar Alice comigo pra ver se ajudava o tempo a passar, só que antes de seguir pra Ponta da Fruta demos uma parada estratégica na casa de Alvarito - então Secretário de Cultura - pra ajudar a escolher os finalistas de um concurso de bandas que estava acontecendo em Vila Velha. Compondo o júri estavam também Adson e Helinho “Bico Doce”, guitarrista cuja alcunha já insinua muita coisa. Começamos a ouvir as músicas, eram mais de cem, e tome de Alvarito abrir uma cerveja atrás da outra. Lá pelas tantas eu já estava de saco cheio, dei a sugestão de examinar as letras e eliminar sem nem ouvir as músicas que rimassem “amor com dor”, todos concordaram, mesmo porque a onda da birita começou a bater e eu precisava ainda apresentar o encontro dos meta-queiros, heavy-motors, enfim a roubada em que eu tinha me metido.


Alice que nessa época ainda não tinha carteira de motorista ficou puta com a minha bebedeira irresponsável e sussurrou no meu ouvido: se você tomar mais uma cerveja eu te largo aqui e vou embora de ônibus! - Dei um pulo da cadeira: Alvarito! Suspende a cerveja! - Helinho “Bico Doce” me olhou desconsolado que nem criança de castigo: Porra bicho, eu passo vinte anos estudando música e agora você vem me dizer isso? Suspende a cerveja?! - Saí de lá razoavelmente embriagado e ainda era dia, por algum milagre conseguimos chegar na Ponta da Fruta ilesos e Dondoni, aborrecido com meu atraso, veio logo com a programação, a primeira coisa que eu apresentaria seria uma missa celebrada pelo padre Eduardo Magalhães. Pensei com minhas champinhas de garrafa: agora é que fudeu meio mundo!


Meu xará de sobrenome chegou vestido a caráter em uma grande moto de corrida: botas, macacão, luvas, capacete e tudo o mais. Após estacionar embaixo do palco, subiu na parada e veio elogiar minha voz pedindo para ler na abertura a Oração do Motociclista, cara... E eu com aquele bafo de onça concordei. O que mais podia fazer? Li a oração e, para minha surpresa, os presentes participaram demonstrando uma dócil religiosidade, especialmente para quem ostenta orgulhosamente camisetas e adesivos com demônios, inferno e outros ícones satânicos. Ao longo da missa o padre motoqueiro realizou o milagre de sua transmutação visual, trocando o uniforme de moto-velocidade pela tradicional batina e os demais apetrechos comuns ao seu ofício, mas o ponto alto dessa celebração foi a entrada da bíblia:


Apesar de solitário no moto-clube Dondoni tinha lá sua companheira que parecia muito a fim de dar um jeito de roubar a cena e de certa maneira conseguiu quando coube ao casal anfitrião realizar a entrada do livro sagrado. O Estradeiro Solitário chegou na frente do palco através da multidão pilotando barulhentamente o seu grande triciclo com a patroa em pé na garupa como fora uma sacerdotisa wicca, vestida do jeito nada discreto que só as adolescentes muito bem apetecidas teriam coragem e Deus sabe que... Bem, não era o caso. Quando a moto estacionou na frente do palco a mulher ostentava triunfante uma bíblia enorme como se fosse um troféu de equipe vencedora da copa do mundo, era o espetáculo das - não mais tão - raparigas em flor.


Para não ficar atrás, no intervalo entre um show e outro, o Estradeiro deu um jeito de adentrar o palco dentro de um caixão - um caixão mesmo - que chegou trazido por uma procissão de moto-coisos portando tochas, ao som de uma música fúnebre que Dondoni me disse ser uma marcha qualquer, mas que era a abertura do disco Radioactivity do Kraftwerk, banda alemã pioneira do rock eletrônico. Depois de sua entrada triunfal o anfitrião do encontro fez um discurso amalucado em que afirmou, entre outras coisas, que a calça que estava usando era de um uniforme nazista que ele tinha dado um jeito de catar de um italiano em uma de suas viagens à Europa. Putz...


De madrugada já estávamos de saco cheio de matar tempo e, sobretudo, das prosopopéias dos delinqüentes senis. Alice estava tão cansada e aborrecida que falou: “amor eu te pago o dobro pra gente ir embora daqui agora”. Era mais de duas da manhã e eu ainda estava lá por honra da firma, se é que isso existia. Após apresentar o último show da madrugada fui cobrar a grana de Dondoni e anunciar que estava me arrancando. Deitando-se estrepitosamente num tablado de madeira, o Estradeiro - que já devia estar mais pra lá do que pra cá - meteu a mão no bolso da calça de couro de onde retirou duas notinhas de cinqüenta. Antes de estendê-las para mim insistiu para ficarmos até o final e voltarmos no dia seguinte, o que neguei já no limite da paciência que ele me esgotou dizendo com ironia: - Eita dinheirinho fácil hein?

sábado, 29 de agosto de 2009

MEUS EUFEMISMOS PREDILETOS: ALTERIDADE NA MELHOR IDADE

O tempo recuperado aos idiotas, o mundo está repleto deles, montes, zilhões de imbecis. Um som trinou perto de mim e disparou o gatilho da memória. As máquinas de escrever, tec, tec, tec, tlin! Convivi com esse som desde a mais tenra infância, mas a lembrança que me veio foi de um senhorzinho endemoniado que trabalhava numa sala próxima à minha. Não o desprezava simplesmente porque ele era um velho, como a maioria fazia, ele é que era detestável mesmo e se não fosse assim já estaria morto. Ele se alimentava das confusões que criava à sua volta, se guardasse suas frustrações dentro do peito o coração já não teria agüentado há muito tempo.


Pagava muito caro quem tinha de conviver com sua detestável figura. Um pulha, um medíocre, todos o sabiam, até ele, por isso era tão detestável: porque não agüentava mais chafurdar na própria lama. Não ser ninguém era uma tortura, por isso precisava do reconhecimento alheio, não no sentido de distinção, mas de ciência de sua presença e essa só vinha após seus barracos lamentáveis, só assim o percebiam, o notavam. Era um babaca notável e ainda por cima era um velho. Nas festas e inaugurações lá ia ele atrás dos organizadores para ter o nome citado nos agradecimentos às pessoas importantes, ficava furioso quando recebia de volta aquele olhar de escárnio e desprezo, o que ele interpretava como inveja, mas mais furioso ficava quando a expressão era de pura perplexidade ou ironia.


- Como assim? Você não sabe quem eu sou?


- Eu sei amigo... E você sabe?


Via sua secretária indo e voltando com uma folha de papel nas mãos, ele estava ditando um ofício e nunca ficava satisfeito com o texto. Mas foi nessa que ele se fudeu, que caiu na real do tempo irrecuperável. Olhava com desdém a secretaria se afastar de volta para sua sala a fim de realizar as correções que apontara, parecia se divertir fazendo isso só de sacanagem, só para poder vê-la dando meia-volta e se afastar rebolando o pandeiro. Segundos depois ela voltou com o texto corrigido.


- Ué, mas já?


- Eu fiz no computador.


- Ah...


Que decepção, nada mais do tec-tec das máquinas de escrever, nada mais de ter o prazer infantil de mandar a secretária bater um ofício enorme várias vezes por conta de uma ou duas vírgulas idiotas. Recostou-se na cadeira entediado, olhou o texto em cima da mesa a secretaria ainda o fitava paciente como se o ofício fosse um mingau e ela fosse a sua babá. Que graça tinha em mandar a secretária rebater o texto se ela não ia mais o rebater? Computadores de merda, maldita modernidade. Lembrou de um trocadilho idiota muito em voga na época: computador não fala, só computa.


Acho que as pessoas se incomodam com os velhos porque suas presenças lembram aos jovens que um dia eles serão velhos também. As pessoas de mais idade, pra piorar, gostam de ressaltar sua experiência dizendo aos jovens que o tempo passa rápido. Por quê essa preocupação com a velocidade se perdemos tanto tempo com coisas e pessoas idiotas? Lembro de Buda, sim, o príncipe Sidarta Gautama, a quem os pais tentaram impedir de ter contato com as agruras do mundo: feiúra, pobreza, doenças. O jovem vivia trancado no palácio onde cuidavam para que tudo ao seu redor fosse sempre perfeito, nunca tinha visto sequer uma flor murchar e morrer... A presença dos idosos nos obriga a saber que um dia também iremos por esse mesmo caminho e que ele aumenta cada vez mais a sua velocidade e que se hoje não temos mais o tec-tec das máquinas de escrever temos muitas outras formas de ver o tempo se perder.


In recovered time: Alteridade é o pressuposto de que todo homem social interage e interdepende de outros indivíduos. (fonte Wikipédia).

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Balanço Geral ES - Rave

Olha, essa semana está profícua (Eita!) em piadas escabrosas e acontecimentos tão curiosos que nem dá pra comentar. Temos, por exemplo, o surgimento da Flunfa. Sabe o que é? Não? Então, é aquela sujeirinha que se acumula no umbigo, o nome é esse: flunfa. Tem gente que até se dedica a pesquisar o assunto, como a flunfa se origina e coisa e tal. Acho que é daí que vem aquela antiga expressão nordestina: afiofó e aflunfa o fole. Enfim: sei lá...

Outro assunto curioso e igualmente inútil é o desaparecimento de Belchior que está sendo muito comentado em toda a Internet, ontem mesmo Marcos Mion fazia várias brincadeiras à respeito na MTV. Confesso que vi Belchior ali na Barra do Jucu não faz muito tempo almoçando com alguns amigos meus depois, ou antes, de uma apresentação no Barracústico. Vai ver ficou encalhado por lá, a Barra tem dessas coisas... Aliás, a Barra do Jucu está para o município de Vila Velha assim como a cidade de Cachoeiro está para o Espírito Santo, quiçá para o Universo. Se é que vocês me entendem...

Pra arrematar segue um videozinho imperdível que é um bom exemplo desse finzinho de agosto, o mês do desgosto. Hehehehe. O link foi enviado por uma amiga que não conseguiu comentar e, tenho que dizer, amigos: eu também fiquei sem palavras... Vejam e depois comentem, se puderem, agora eu sou fã desse cara. Será que ele já tem comunidade no Orkut?




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terça-feira, 25 de agosto de 2009

JUVENÍLIA: A VIDA NÃO É PARA PRINCIPIANTES

JUVENÍLIA VIII


Parti, parti, mas minha alma

Partida ficou também


Fagundes Varela


Era seis e meia de uma noite chuvosa de sexta-feira, o trânsito estava cada vez mais uma porcaria, especialmente na altura da Reta da Penha e se espalha por todos os cantos. Peguei a Leitão da Silva e fiquei agarrado meia hora, acabei chegando atrasado e, acreditem ou não, sou um cara pontual, detesto esperar e do mesmo jeito não gosto de fazer as pessoas esperarem por mim. Conheço pessoas que são diferentes disso: acham que o atraso valoriza, que a expectativa faz parte de um culto. Lembro especialmente de um cara – ainda vou escrever um livro sobre ele - que beirava a piração, tinha verdadeiro prazer em ver todos esperando por sua vagarosa pessoa. Outra vez um rábula me confessou que fazia todo mundo que ia a seu escritório esperar, mesmo que não estivesse fazendo nada, sempre fazia uns quinze minutos de cera até atender quem fosse, me disse que era importante fazer isso.


É incrível como dou voltas enormes pra chegar onde queria ir inicialmente... É foda, vou lembrando de coisas, de pessoas, juntando peças desse nosso quebra-moleiras diário, tentando dar a versão definitiva dos fatos, mesmo sabendo que isso não existe, que é impossível dizer o que é ou o que não foi. No DVD tá rolando Shine A Light com os Stones, eles e suas faces encarquilhadas, eles que me parecem o supra-sumo do roquenrou. Diferente dos filmes antigos da banda onde aparecia sempre muito reservado, Keith está sorridente e brincalhão, com um lenço meio esculhambado na cabeça e uns penduricalhos, parece um desses tiozinhos falastrões que a gente encontra de vez em quando em eventos de cultura. Pessoas ávidas para contar histórias e fazerem a gente ver o quanto elas conhecem coisas e são importantes, talvez sintam a morte que se aproxima...


Quando somos jovens não sentimos essa proximidade da morte, mas muitas vezes futucamos seu rabo. Foi numa segunda-feira ansiosa que recebi a notícia de que minha mãe – morta há vinte anos – havia nos enviado uma carta psicografada. Não relutei em a receber, fiquei realmente curioso. “O que será que minha mãe teria para me dizer após tanto tempo?” Levando-se em consideração que a carta tinha me chegado através de uma pessoa confiável e que seu conteúdo em nada lembrava minimamente aquela pessoa de personalidade icebérguica, fiquei contente com alguns aspectos do que aquela voz imaterial me dizia. Falava em sua imprudência e inviligancia e muitas vezes não damos valor a essas características caretas, desvalorizadas em nossa sociedade competitiva que tanto valoriza a coragem, a ousadia e a velocidade. Um grande amigo acaba de perder um irmão por conta disso, dessa forma como nos espatifamos de encontro à face do mundo. Talvez sejam essas coisas de agosto, mês difícil de atravessar sem essas avarias profundas...


Acabo de ler que Maurício de Oliveira que tem 85 anos sofreu um enfarte, mas está se recuperando bem, a nota ressalta que ele é o maior músico vivo do Espírito Santo... Tô pra te dizer que nesse nosso complicado mundo musical foram muito poucos como ele, espero que seu valor seja devidamente reconhecido agora e sempre. Tantas pessoas importantes daqui são solenemente ignoradas, nunca entendi porque deram o nome de Airton Senna para aquela ponte nova da Praia do Canto. Não que o conhecido piloto da Fórmula Um não mereça homenagens, mas não me lembro de tê-lo visto por aqui nem uma só vez, qual a sua relevância em nossa trajetória? Tantos dos nossos jazem esquecidos, não vou fazer uma lista...


Quando comecei a escrever esse texto eu queria falar de outra coisa, mas os últimos acontecimentos me deixaram à deriva, perseguido por esses pensamentos funestos. Viver é perigoso, viver não é fácil. Alguém disse que a vida não é para principiantes e hoje já começo a me considerar um veterano. Quer uma lição para pensar em casa? Quando você for derrubar coqueiros, tenha cuidado para que um de seus frutos não lhe caia pela cabeça.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ENTRE A COROA E A CARAPUÇA.

Uma homenagem a Rabelais, Lao Tsé e Pierre Dubois,

um texto inpirado nas idéias do sertanista Sydney Possuelo.


Amiguinho, amiguinho, tão cioso e preocupado com as aparências que até se esquece da essência das coisas e do que é fundamental. Que dor e que deleite é para você viver assim amiguinho, na pressão de um vulcão expelindo lava, especialmente em cima dos que o circundam na vã ilusão de o ajudar. Que belo espetáculo de sua natureza! Sempre em busca da velocidade vistosa de seu alazão, pena que seu trote alucinado é conseguido mais com esporadas violentas do que com afetuosas demonstrações de encorajamento.


A solidão do alto da montanha, o prazer ilusório de ser um déspota a quem ninguém quer esclarecer. Os animais irracionais são feitos para servir ao homem e estes aos reis, mas isso não seria motivo para os regentes tratarem seus súditos como às feras. Queima com escárnio e cinismo as orelhas de seus cavalheiros e dos servos mais fiéis, todos são incompetentes só te trazem problemas. Amiguinho, amiguinho, se tu continuardes assim logo só te falarão do céu e das estrelas, enquanto o chão arde em chamas queimando nossos pés! E essas aparências de nada mais te valerão.


Por que será que você, menino caprichoso, sempre se encontra furioso atrás de pequenos detalhes? Suas piadas azedas não divertem ninguém, em geral são recebidas como tapas na bunda de prostitutas ou sorrisos em fotos amareladas. Mas amiguinho, quero dizer, distinto e bem amado folgazão, sua opinião é tão importante para os que o cercam, que às vezes ela tem até o poder de curar feridas, pena que vossa alteza prefira usá-la como espinho. Por que perder tempo com mesquinharias, você que é tão plácido e benevolente, que assume gestos largos como um papa, que até os ventos comanda e que nem às fases da lua obedece?


Eis a solidão do alto da pirâmide, deuses pairando absolutos acima do bem e do mal. Eis porque Maria Antonieta mandou os pobres famintos de Paris comerem brioches. Lá do alto o sol a tudo vê e tudo ilumina, porém ele também queima e resseca aos que demasiado se expõem à sua luz. Terríveis cascos do seu alazão, voando baixo, levantando poeira; o pelo bem tratado, a sela e os arreios cintilantes ofuscando a visão. Mesquinho porque no fundo és um medíocre. Nasceste com a bunda voltada para a lua e um trono lhe caiu pela cabeça. Nada tens de importante além dele.


Importante somos nós que prestamos o verdadeiro testemunho de nosso tempo!


Quem era o Rei nos tempos de Homero amiguinho? Quem era o político mais influente na Rússia quando Dostoiewsky perdeu até as calças nas rodas de carteado? Quais os homens importantes que respiraram o mesmo ar de Dante e de Cervantes? Ninguém se lembra. E eu te digo: tão pouco irão lembrar de você também. Quando os jovens estiverem na escola lendo versos e os estudando para o vestibular, ninguém mais vai se lembrar de você. A não ser que algum artista importante o queira imortalizar, perigando eternizar somente a lembrança de seus caprichos fúteis.


É uma pena amiguinho não queria te dirigir palavras duras, mas sabe? Você bem que as merece receber. Então espero que aceite de bom grado, porque elas refletem a verdade. Não duvide, todos criticam duramente suas ações, enquanto você canta aos quatro ventos o saldo efêmero de suas próprias aventuras. Quer uma sugestão? Faça um dia como alguns imperadores romanos fizeram: disfarce-se de mendigo e vá para rua descobrir o que realmente pensam seus súditos desavisados. Mas não se entristeça, vaidosos cascos de seu alazão, apenas aprenda a aceitar... O verdadeiro mundo em que vivemos não é nada parecido com o que mostram as vistosas propagandas na televisão.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

QUEM NUNCA COMEU MELADO QUANDO COME SE INDIREITA

Essa semana mergulhei num puta revival de filmes de rock, se bem que alguns deles nem são tão antigões, mas me remetem às priscas eras dos anos oitenta e que se completa com outros filmes e informações que circulam por aí faz muito tempo.


Catei no Blog “Arapa Rock Motor” um filme do qual já tinha ouvido falar muito, visto algumas cenas, mas nunca parado pra debulhar: Ao Balanço das Horas (Rock Around The Clock - 1956). Uma historinha ingênua deliciosamente interpretada pelos branquelos espertos da época que resolveram enquadrar a música negra num pacotinho Hollywoodiano de danças ensaiadas e intriguinhas de mulher mal amada e engarrafar pra vender como a última Coca-cola do deserto.


O título do filme vem da mais famosa canção do arqui-dinossáurico Bill Halley e “Seus Cometas”, e tem fama de ser o causador do início da febre rock’n roll que tomaria conta do mundo nas décadas seguintes. Outros artistas aparecem na história, um cantor cubano, outras grupos dos quais não lembro o nome agora e a banda The Platters, num dos vários momentos imperdíveis, cantando a conhecidíssima Only You. Só o fato de descobrir a pronúncia correta do nome dessa banda já valeu a película, sempre falei “Dê Plêiters” e no filme se fala em alto e bom som: “Dê Pléters”.


Depois catei dois filmes dos Rolling Stones, Sympathy For The Devil (1968) que achei blasé e demasiado performático, apesar de - ou talvez por isso mesmo - feito pelo mitológico cineasta francês Jean-Luc Godard. Vi também o documentário Gimme Shelter (1970) sobre o festival de Altamont que comemora seus quarenta anos em dezembro. Foi uma confa daquelas boas de esquecer, mas o documentário é imperdível, obrigatório, animal! Pena que não se explique no filme de quem foi a idéia de jerico de contratar a mais temida e violenta gangue de motociclistas para cuidar da segurança daquela festa de malucos, mas os Hell’s Angels são apenas uma das inúmeras atrações.


A abundância de gente doidarássa de ácido e sabe-se-lá mais o quê era a tônica, não demorava muito e aparecia um maluco sem roupa. Foram quatro mortes e quatro nascimentos. O non sense é constante, os Hell’s Angels enfiam porrada até no cantor da banda Jefferson Airplane que se apresentava quando ainda era dia, depois que a noite cai o pau quebra com mais intensidade ainda. Finalmente os Stones entram no acanhado palquinho do festival e inciam uma apresentação marcada pela tragédia de um rapaz que seria morto à facadas por um dos violentos motoqueiros (não chamo de motociclistas de sacanagem mesmo) bem na frente das câmeras, no meio de todo mundo.


O clima era de hospício a céu aberto - coisa logo apelidada de contra-cultura - uma gordinha pelada tenta subir no palco, um dos próprios seguranças urra como uma fera ferida e começa a arrancar a roupa, um cão atravessa tranqüilamente o palco bem à frente de Mick Jagger que estava visivelmente chapado, como a imensa maioria dos presentes. Os médicos não davam conta de atender a quantidade de feridos e vítimas de bad trips que pipocavam aos montes. O engraçado é a hora em que o cantor dos Stones diz que sempre acontece alguma coisa entranha quando eles tocam a música Sympaty For The Devil. Queria o quê bocarudo? Que baixasse Jesus Cristo pra participar da esbórnia?


Tem uma hora nesse filme em que os Stones vão a Chicago gravar no lendário estúdio Chess Records, point musical importante que colocou no mundo as primeiras gravações de Chuck Berry, Etta James, Howlin Wolf e Muddy Waters, para quem não sabe, autor da canção Rolling Stone de onde Mick e Keith tiraram o nome da banda. Faz pouco tempo vi um filme muito bacana que aborda a trajetória desse estúdio e que se chama “Cadillac Records” (2008). Uma produção caprichada com Adrien Brody, no papel do empresário que cria o estúdio, e a cantora Beyoncé Knowles arrasando como Etta James. Imperdível também.


Outro cruzamento interessante de histórias que vem e vão é o filme “A Festa Nunca Termina” (24 Hour Party People - 2002) que aborda o florescer da cena musical de Manchester. O fio condutor são as desventuras do apresentador de TV e posteriormente empresário musical Tony Wilson, fundador da famosa casa noturna Hacienda onde praticamente se inicia a cultura Rave. Tony empresariou bandas como Joy Division, Happy Mondays e New Order, todas fundamentais no pós-punk e no surgimento da perna européia da onda New Wave.


A primeira metade do filme retrata a ascensão e queda do movimento de Manchester com o primeiro show do Sex Pistols na cidade para apenas 42 pessoas e o surgimento da banda Joy Division, cujo vocalista epilético e depressivo, Ian Curtis, cometeria suicídio em 1980, pontuando o fim daquela primeira fase. A história de Ian é retratada em outro filme obrigatório para quem se interessa por rock, chamado “Controle” (Control – 2007) onde também aparece a famosa cena do empresário assinando o contrato da banda com o próprio sangue.


Tony Wilson deve ter ficado muito feliz com esse filme, morreu de câncer em 2007 aos 57 anos, mas deixando sua história bem contada. Essas produções que falei, fora o ingênuo “Ao Balanço das Horas”, repetem direitinho a ultrapassada cartilha das drogas, sexo e roquenrou e nos mostram que, mais do que a efêmera “fame and fortune”, o preço pela busca da expressão artística é muito caro a se pagar quando o artista fica imprensado entre o mundo musical e o mundo real. Todos se divertem enquanto o artista sofre parindo suas obras, brilha muito forte, mas sua chama se extingue mais rápido do que as outras.


Logo no início dessa festa que nunca termina, Tony Wilson se compara com Ícaro e, realmente, essa pretensão mitológica do homem faz com que a história do rock se perpetue como um aviso: quem brinca com fogo pode se queimar. Fico muito feliz de hoje, graças à Internet, termos acesso democrático a tantas dessas produções artísticas importantes que influenciaram as gerações passadas. Por conta da ditadura muito da arte que se fazia no mundo simplesmente não chegou às nossas praias, mas nunca é tarde para ir lá e dar uma beiçada. Procure apenas não exagerar: pau que nasce torto quando come se lambuza. Hehehehe. Um abraço nação botocuda! Party on!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

FANTASMAGORIK


Um dia você vai ser velho. Talvez um dia, muito antes do que pensa, você vai entrar em seu quarto de dormir e sentir um cheiro que te lembra a infância. Sim, o cheiro mofado e triste das coisas antigas, como sonhos acordados e pensamentos adormecidos que você só sentia quando entrava no quarto da velha que olhava por você quando bem pequeno e que um dia te disse que quando morresse ia voltar para “puxar sua perna”. Por que diabos ela dizia isso?


O vento geme na janela e o amor encolhe dentro do coração, mas não é você, nunca mais será. Você sentiu aquele cheiro estranho que te remeteu ao passado e não era mais antigo: era novo e no presente do grego, nessa hora você soube: aquele cheiro era seu!


Andando pela rua apressado, um casal conversa na esquina, uma moça “bem formada”, especialmente na região dos quadris, gostosa é um adjetivo velho... E dessas coisas você não quer saber mais. O vento traz um perfume quando você passa por eles que conversam como se não existisse mais twitter, nem MSN e Orkut. Mas a dúvida logo te assalta. O cheiro é bom ou ruim? Se for dela é bom, mas e se for dele que exala aquele aroma? Não vai deixar de ser bom, nem tão pouco fará diferença, especialmente pro vento que geme na janela e pro amor que encolhe dentro do coração.


De noite, dormindo, sonhando ou não? Alguém puxa seu pé com força bem na altura da canela. Você não sabia que existe um fundo espiritual naquela história do calcanhar de Aquiles? Não, você não vai cair da cama, apenas acordar assustado e tentar entender o que não tem explicação, como o cheiro úmido que o tempo impregna nas coisas envelhecidas. Uma mão que te agarra forte e te despeja do mundo dos sonhos como se quisesse te levar junto sei lá pra onde! E para quê? Digamos que fosse mesmo aquela velhinha estúpida cumprindo sua promessa fantasmagórica. Que merda isso poderia significar? Vindo lá da porra do além, será que não haveria alguma coisa mais significante pra fazer ou pra dizer?


Você deve ter sido muito especial para aquela velha bruxa, povoou suas lembranças, ela precisava te ver, nem que fosse pra te assombrar pela última vez. Ah! Sim, e ela conseguiu! Aliás, isso também me faz pensar: quem você voltaria para puxar a perna depois de morto? Sim, posso pensar num número grande de opções, mas suspeito que já não haveria muita graça. Fantasma de merda! Nosso mundo está povoado dessas aparições e de seus atos incompreensíveis! É bem como os vivos. Quem há de entender as coisas que as pessoas fazem? Então por que depois de mortas haveriam de encontrar alguma coerência? Muitos acham que sim, talvez por respeito ou medo, sobretudo isso: o pavor da morte.


E por falar nisso, também existe o prazer em provocar medo! No caso dessa velha bem pode ter sido uma paranóia dessas... Sei de pessoas que ficam putas quando percebem que as outras não as temem, existe essa relação burguesa e otária entre o medo e o respeito, especialmente nesses demônios encarnados. Pensava nisso outro dia, em como pode ser difícil e cansativo conviver com gente de valores muito diferentes dos nossos. Pessoas que querem coisas que não queremos, que acham que deveríamos ser diferentes do que somos, que não sabem de nada e que, por isso mesmo, são capazes de tudo...


... E o prazer de incutir medo nas pessoas é só o que resta para se sentirem vivas...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

2º BLOGCAMP ES - TÁ CHEGANDO A HORA!


A equipe da Letra Elektrônica recebeu o convite e orgulhosamente anuncia sua presença no 2° BlobCampES desse nosso universo botocudo, também conhecido como Espírito Santo. Internautas e malucos por blogs - não necessariamente nessa ordem - estarão reunidos lá dando sua palinha perfunctória sobre as questões cibernéticas e de telemática atuais.

O encontro terá a participação de aproximadamente 200 pessoas de todo o país e acontecerá no centro de artes da Universidade Federal do Espírito Santo
. Começa no dia 20 de agosto e segue - em desabalada carreira - até o dia 22, sábado. Vai ter várias oficinas, mostras de video e documentário, e, obviamente, festinhas imperdíveis.

Nossa participação vai rolar durante uma blogsfera literária de prosa e verso, também chamada de desconferência, no dia 21 - sexta-feira - às 19 horas, de onde iremos em comboio e conluio para a Lama enxugar algumas garrafas de água que passarinho não bebe...


Nas próprias palavras da equipe realizadora do BlogCampES:


O objetivo é congregar experiência para demonstrar que a produção de mídia hoje não é mais um problema, mas sim, a distribuição massificada dessa cultura da rede. Para isso o evento contará com participações de agora conhecidas como “webcelebridades”, como:


Rafael Castro, capixaba e autor do blog Papo de Geek;

www.papodegeek.com, twitter - @rafacst


Henrique Antoun, professor da Escola de Comunicação da UFRJ;

governabilidade.blogspot.com, @antoun


Francisco Amálio Grijó, capixaba, professor e blogueiro literário;

ipsislitteris.opsblog.org;


Juca Magalhães, autor do blog “A Letra Elektrônica”;

(megamagalhaes.blogspot.com); @letraeletronica


Pedro Maia e Dé M, autores do blog “Babado Certo”

babadocerto.wordpress.com, que atende a comunidade LGBT capixaba, @babadocerto


Raphael Mendes, capixaba autor do blog

“Bobagento – besteira pouca é bogabem” www.bobagento.com, @bobagento


Ivo Neuman: capixaba autor do blog de humor

“Treta” www.treta.com.br, @treta @ivoneuman


Esses e outros, já que a programação ainda está aberta, fazendo valer a interatividade constante do evento.


Sugiro a vocês amigos internautas que garantam logo o seu lugar, dá uma passadinha no site do evento e depois me fala:


http://www.blogcampes.com.br/


quinta-feira, 6 de agosto de 2009

PASSATEMPO ENTRE UMAS E OUTRAS

Eita boteco tosco! O cinzeiro é uma latinha de cerveja cortada a dois dedos da base. Brahma, desde 1888. Coisas que a gente nunca lê. Bem perto do balcão onde estou sentado tem uma estufa com salgadinhos: coxinhas, pastéis fritos e assados, um quibe gordo que sozinho já valeria uma puta refeição...


Onde estou sentado fico bem de frente para as lingüiças.


Um rapaz veio e ligou o Jukebox, pelo menos serviu para afastar a atenção da televisão. Lingüiças gordas e oleosas, quase meia dúzia delas. A música escolhida é um axé, não faço idéia de quem seja o cantor: “simbora, simbora”. Não posso, ainda é cedo, peço outra cerveja.


Uma mulher me olha fixamente, não é uma paquera, parece intrigada: “que diabos esse tipo de cara tá fazendo por aqui?”. Um senhorzinho de cabelos brancos pede uma das lingüiças para o rapaz do bar que usa um jaleco branco por cima de uma camisa do Corinthians, parece um farmacêutico. Aquelas lingüiças deveriam ser vendidas com prescrição médica.


“Vou pegar uma das mais fresquinhas!”


Que adjetivo engraçado e, sobretudo inadequado. Me ofendi por elas. Aquelas lingüiças têm o aspecto visual bastante masculino de um desses pirús de morto que vemos em filmes de terror quando na hora da dissecação de um cadáver. “Fresquinhas...” O senhorzinho come a lingüiça com uma indizível expressão de tédio, olha para a TV e toma uma cerveja Skol em lata. Me lembrou alguém, me lembrou alguma coisa...


Já matei meia hora do tempo que estipulei para meu próximo compromisso...


Chegou um apressado casal de adolescentes, o rapaz usa um pequeno canudo transparente enfiado na orelha à título de brinco, deve ser para sorver segredos de liquidificador. Comem apressados, coxinha com Coca-cola. A sobremesa é um pacote daqueles biscoitos antigos que tem goiabada no recheio, putz, não consigo lembrar o nome. Também que diferença faz?


O Jukebox ataca de Brian Adams, não acho ruim, me remete ao passado, só que sem nenhum afeto. É como rever uma paisagem antiga que não traz lembranças relevantes. Falando nisso, a tal mulher já me adicionou à paisagem do boteco, é boa de copo também, o rapaz que a acompanha veste uma camiseta do “Colatina Fest Folia” vermelha com acabamento em azul... Agora falta quinze minutos, vou pedir a saidera...


Surge uma mulher do nada pedindo cinqüenta centavos para “comprar um pão de queijo na padaria”. Enquanto eu procurava as moedas no bolso da camisa ela me pergunta por um senhor de cabelos brancos. Digo que não sei e coloco cinco moedas de dez centavos em sua mão: quatro douradas e uma prateada. O jukebox toca Nazareth “Love Hurts”. É a vida... “Deus lhe pague moço.” Do jeito que surgiu desapareceu.


A trilha sonora dos momentos finais é “hoje a chapa vai esquentar!” Eita! Vou pedir a conta, já estou atrasado mais de cinco minutos! (...) Agora lascou tudo! Na seqüência entrou Nelson Gonçalves cantando uma canção em homenagem à Maria Bethânia, que lindo! Não consigo achar isso brega, já devo estar pra lá de doidão...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

RESGATANDO POETAS E ESCRITORES


Sexta passada terminou as comemorações do 68° aniversário da Biblioteca Pública Municipal de Vitória que tem o nome do escritor e homem público Adelpho Poli Monjardim. Nessa noite foram lançados três livros do patrono da biblioteca, na verdade dois foram relançados “O Espírito Santo na Lenda e no Folclore” e o romance “O Tesouro da Ilha de Trindade” e um inédito chega ao nosso público “O Militarismo na América Latina”. A iniciativa do lançamento foi da mestranda em literatura Eliane de Souza que resgatou essas obras e, conseqüentemente um pouco de nossa história e literatura, através da Lei Rubem Braga.


A anfitriã da noite foi a bibliotecária Eugênia Broseguini que está à frente da Biblioteca Municipal e recebeu a equipe de A Letra Elektrônica com enorme simpatia. O coordenador da Lei Rubem Braga, Leonardo Monjardim também estava lá representando a família, ele é sobrinho neto de Adelpho, que em sua época respondia pelo singelo apelido de “Bium”, descobri essa informação no livro “Personalidades do Espírito Santo” publicado em 1980 por Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães, o qual recomendo por ser uma das poucas fontes de pesquisa sobre as pessoas que ajudaram a construir nossa sociedade. Por essas e por outras fico “P” da vida quando dizem por aí que Maria Nilce vivia de falar mal das pessoas e hoje só é lembrada pelo escabroso crime que a vitimou.


Quem também prestigiou o lançamento foi o atual secretário de cultura de Vitória, Alcione Pinheiro, com quem conversei sobre o poeta Elmo Elton do qual falarei a seguir. Outra participante dessa iniciativa foi a Presidente de Honra do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Lea Brígida Rocha de Alvarenga Rosa. Pessoa muito querida que participou ativamente do lançamento do meu livro sobre a Orquestra Filarmônica do Espírito Santo e que aproveitou para me intimar a contribuir com a revista do Instituto. Na hora do lançamento a poetisa e escritora Kátia Bobbio declamou um poema de amor à cidade de Vitória. Quem não foi perdeu, os livros foram distribuídos gratuitamente.


O Secretário de Cultura de Vitória, Alcione Pinheiro, me deu notícias do acervo do escritor Elmo Elton que em breve será recatalogado e organizado para visitação pública, disse inclusive que chegou a freqüentar a casa do poetinha no final dos anos oitenta. Chegando em casa achei em minha biblioteca uma edição de seu último livro “Logradouros Antigos de Vitória” autografado para Maria Nilce Magalhães com uma bela caligrafia em abril de 1987. Em minha papelada encontrei também uma crônica da colunista do Jornal da Cidade falando da morte do poeta - hoje praticamente esquecido e ignorado pela maioria - com muita sensibilidade e carinho, a qual quero compartilhar com vocês:


SILÊNCIO ... UM POETA MORREU


Um poeta não poderia morrer assim, num dia de domingo de verão, às duas e meia da tarde. É como dizia Olavo Bilac: “nunca morrer assim, num dia assim, de sol assim...” Mas, assim estava escrito nas páginas de seu destino. Nosso poetinha, tão magrinho, tão delicado, tão amigo e prestativo! Quantas vezes o procurei pedindo uma colaboração para valorizar os meus cadernos especiais e ele prontamente me atendeu. Correto, leal, pontual, entregava-me a matéria pedida com a rapidez das águias.


Vitória não perdeu somente o seu maior poeta. Vitória perdeu um dos maiores historiadores, um dos maiores intelectuais, uma pessoa que dedicou sua vida às letras. Membro da Academia Espírito Santense de Letras, autor dos livros Marulhos, Heráldicos, Dona Saudade, Cantigas, Poemas, O Noivado de Bilac, Áurea Pires da Gama, Amélia de Oliveira, A Família de Alberto Oliveira, Poetas do Espírito Santo, Anchieta, Temas Capixabas, Trovadores Capixabas e Logradouros Antigos de Vitória.


Elmo Elton pretendia ainda lançar mais um livro, um estudo sobre a Academia de Letras Capixaba e a biografia dos seus acadêmicos. De sua maravilhosa coleção de antiguidades, objetos de arte, (O Secretario Alcione Pinheiro disse que o poeta tinha em sua coleção uma cadeira que fora do Padre Anchieta) tudo o que havia em seu apartamento, inclusive mais de dez mil livros, ele doou no ano passado para o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. No final de dezembro ele escreveu uma mensagem para eu enviar aos meus amigos que, por falta de tempo, não enviei e que agora publico para vocês. Foi o último trabalho de Elmo Elton para mim.


“O Natal está aí. Vamos comemorá-lo como nos anos anteriores, com alegria e redobrado amor, rogando ao Menino Jesus que o Ano Novo seja de todo favorável às nossas aspirações e atividades, agradecendo desde já, sua divina proteção, sem a qual nada conseguiremos de útil a nós mesmos e aos que nos são caros.”


Elmo Elton Morreu, mas na verdade os poetas e os artistas não morrem, porque eles se eternizam através de sua arte. Ele estará sempre vivo nos escritos que deixou.


Maria Nilce em 26 de janeiro de 1988