Saio de casa faltando
dez minutos. Na porta de casa o gato Simba me olha todo dia com a mesma questão:
“aonde você vai?” Boa pergunta. Coloco os óculos de sol na cabeça e às vezes
esqueço onde estão. Enquanto espero o elevador desembolo o fio e plugo o fone
no celular. Abro a tela e clico num ícone laranja no formato de um daqueles grandes
fones de ouvido. Tenho um desses, mas não dessa cor, obviamente.
Obviamente por quê?
Porque sim. Vá encher
o saco de outro. - O player de música (podia ser de outra coisa) oferece
algumas opções de reprodução, inclusive a aleatória que conheci recentemente. Gostei
desse negócio. É como uma rádio que só toca músicas que eu escolhi e não tem
propagandas, mas também não tem surpresas. Atirem no pianista!
Outro dia coloquei uma
gravação recente da Sinfonia Fantástica de Berlioz, música na qual não pensava
fazia tempo. Muitas vezes essa operação demora um pouco, ao sair na claridade da
rua quase não enxergo mais o visor. Cumprimento vizinhos, gente voltando da
“acadimia”, passeando com o cachorrinho, conde falando aos passarinhos.
Ganho a rua ouvindo a Killer
Queen, aquela que guarda Moet Chandon num armário bacaninha (onde foi parar o
trema nesse teclado?); ao dobrar a esquina aperto o passo, sinto um calo no pé esquerdo
e tenho aquela sensação chata da distância: falta sei-lá-quanto para chegar. Logo
estou submerso em pensamentos, olhos grudados no chão converso comigo sem fazer
agora a menor ideia do assunto...
Depois de uns três
minutos passava pela calçada do Senac e o dispositivo aleatório escolheu um
noturno de Chopin com Guiomar Novaes, peça que andei batucando uns tempos
atrás. De novo tenho a sensação de distância, espaço/tempo. Respiro e sinto que
ao pensar existo. Alguém pichou que a TEG é foda, que diabos é a TEG? Maldita
seção central, difícil fazer aquela sequência de oitavas! Cadê tempo para
estudar?
O vento sopra no
microfone - como será que faz para desligar essa bustrenga? (saudade dessa
palavra) - depois lembro que ouvir música com aqueles pequenos dispositivos
enfiados no ouvido não é a coisa mais saudável. Ao contrário de agradecer o
aviso do fabricante - a música alta pode ocasionar perda de audição - fico é
puto da vida. Dá vontade de ouvir no toco, mais alto até do que o volume máximo
oferece...
... Reconheço que sou
um pouco infantil, autoestragativo e buscador de limites. Como nessa relação
com os carros, os tais “chatomóveis”. Se não é seguro correr por aí que nem um
doido, por que os fabricam tão velozes e competitivos?
Agora vem o João com
seus para-pa-pá... Alguém dá um berro na plateia. “Ái meu Deus!”
Sete minutos e
cinquenta e pouco: Cheguei!