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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O ACASO NÃO TEM PREÇO


Ele gosta de, vez ou outra, cavalgar à rédea solta. O cavalo fica meio confuso, não entende para onde ir, mas a liberdade quando recente tem mesmo dessas coisas. Quando fica assim tem o costume de se deixar levar pelos pensamentos: separa aqueles que vêm do passado e que os outros chamam de lembranças, daqueles que tem a ver com coisas a serem feitas no futuro ou que seria bom se acontecessem um dia.

Pensou em fazer uma pesquisa inútil sobre qual das duas práticas seria a mais comum, verificar em qual das duas as pessoas costumam mais se perder, se afundar. Chegou à conclusão que seria bobagem, tremenda perda de tempo. Como aquelas pessoas que gostam de ficar conversando sobre o que fariam se ganhassem na loteria. Ou aquelas outras que falam com saudades de tempos e coisas do passado.

O futuro nos reserva incógnitas, por isso uns são tão cautelosos, ciosos da imagem que imaginam ter que construir junto às pessoas. O que eles não sabem, nem sequer percebem é que o verniz é ainda pior, é como guardar lascas do mármore usado numa estátua para se fazer de importante. E todo mundo sabe, tanto das lascas, quanto do verniz. Mas insistem. Sua presença só é notada por conta de carros e roupas. Arre!

A rédea solta o levou justamente para onde não queria: charco de pensamentos negativos e críticas corrosivas. Sentou de cabeça baixa, para que as pessoas não percebessem o seu riso, poderia ser interpretado como escárnio ou imaturidade. Daí veio a frase dita ao acaso, porém em público: “manda quem obedece”.

É verdade, pensou se encolhendo na cadeira: por isso o mundo é assim lotado de servos e escravos e tem tão poucos libertos. A liberdade não é uma opção lógica, muito menos segura, ela vem de contra a maré. Muito mal vistas nesse mundo são as pessoas realmente livres e isso é curioso... Não deveria ser o contrário?

Lembrou do novo Conan, um filme fraco. É curioso como erros bobos podem realmente estragar grandes obras em potencial. Nas produções essas falhas vêm geralmente de pitacos de quem coloca dinheiro. A pessoa em certas posições de comando se dá ao direito de impor gostos pessoais, escalar atores, alterar o roteiro. A partir de argumentos muito lógicos em busca de segurança no sucesso a verdadeira arte é abandonada... E o problema é que arte não tem lógica e a galera se vinga...

Desse novo Conan O Bárbaro vieram inúmeras considerações comparativas com o primeiro, aquela questão do “enigma do aço”. Lembrou do aspecto da imaturidade e novamente achou melhor deixar pra lá. Fez como o ditado dito assim tão simplesmente e obedeceu. “Meu cavalo não tem direção”. Pensou. “Por que iria eu querer impor direção ao mundo?” Não mais, nem pensar. Eu vivo “Ao Deus dará”...

sábado, 27 de agosto de 2011

O ÚLTIMO CRIME CONTRA O JORNAL DA CIDADE


Há quase trinta anos teve início a lenta destruição da memória do Jornal da Cidade, um “matutino” diário que tinha como carro chefe a coluna de Maria Nilce (1941-1989) e os artigos de análise política de Djalma Juarez Magalhães (1930-2008). Apesar de não primar muito pela qualidade gráfica o Jornal era bastante popular, certamente em função da maneira “irreverente” que a jornalista - vitimada num dos mais escabrosos crimes de mando perpetrado no Espírito Santo – escrevia, expondo e criticando figurões e figurinhas da dita “alta sociedade capixaba”.

O Jornal da Cidade começou sua trajetória em 1972 e esta haveria de durar vinte anos, em suas páginas colaboraram inúmeros jornalistas como Elimar Guimarães, Willis de Faria, Xerxes Gusmão Netto, Carmélia Maria de Souza, Amylton de Almeida, Rogério Medeiros, Cezar Viola, Geraldo Bulau, o fotógrafo Antonio Moreira, enfim, a lista é grande. Todos estes cronistas em intensa atividade naquele período histórico deixaram importantes impressões pessoais para o entendimento e o sutil retorno aos ares que se respirava naquela época. Infelizmente hoje tudo isso está perdido.

A primeira parte do arquivo do Jornal da Cidade foi implodida em um atentado a bomba na madrugada do dia 13 de setembro de 1983. O crime foi investigado pela polícia federal e até hoje sua autoria permanece um mistério. A bomba de fabricação caseira demoliu a sala onde ficavam guardados os jornais antigos, a cozinha da casa onde funcionava a redação do Jornal e uma parte do escritório de Djalma Juarez Magalhães. Como o atentado aconteceu por volta de duas da manhã não houve vítimas, exceto um sabiá cuja gaiola ficava na cozinha e não resistiu aos ferimentos.

 
A explosão foi bastante noticiada, sobretudo por sua violência que rachou o asfalto em frente a casa onde funcionava a redação do jornal na rua Graciano Neves, centro de Vitória, e estilhaçou vidros de janelas de casas do entorno e de prédios até o oitavo andar. Embora hoje possa parecer estranho, atentados do gênero não eram incomuns na época. Em 1981 a mesma coisa já tinha acontecido com o arquivo do jornal A Tribuna e da mesma maneira nada haveria de ser apurado pelas autoridades competentes.

Perplexo o editor do Jornal da Cidade, Djalma Juarez Magalhães, disse não saber a quem imputar o atentado, mas não excluiu na ocasião o presidente do Banestes, Carlos Guilherme Lima, dado atritos causados por críticas e denúncias feitas à sua administração. Na reportagem de A Gazeta o escritor explica que: “enviamos documentos para os serviços de segurança, tanto na esfera estadual quanto federal, onde damos ciência das tentativas de agressões que temos sido vítimas por parte dele.”
 
Muito antes de ser largamente denunciado como um dos principais integrantes do crime organizado capixaba, as declarações do então presidente do Banco do Estado do Espírito Santo – publicadas na mesma página de A Gazeta - soam como fina ironia: “Não conheço, nunca li esse jornal, tomei conhecimento de sua existência hoje pelo noticiário local, estou trabalhando com a preocupação de dar lucros ao Banestes. Sou contra qualquer tipo de violência, descarto meu envolvimento nesse atentado.”

Afirmar que não conhecia o Jornal da Cidade e, especialmente, Maria Nilce na Vitória daquela época era uma provocação muito maior do que dizer, como foi posteriormente, que a briga que havia com o banco era porque a jornalista estava tentando coagir o presidente a conceder anúncios e assinaturas para o jornal, coisa que alguns acreditam e afirmam até hoje.

Sem conseguir manter a pose por muito tempo, o “empresário” passou a alternar o discurso de funcionário padrão com agressão verbal: “Soube serem os proprietários do jornal gente vigarista e que poderia praticar esse vandalismo para tirar proveito próprio. Sou uma pessoa trabalhando para o Espírito Santo e tenho maiores afinidades com a situação econômico-financeira do Banestes, de bombas não entendo nada.”      

Após mais de vinte anos as autoridades federais chegaram à conclusão de que as pioneiras denúncias do Jornal da Cidade podiam mesmo ter um fundo de verdade, basta ver o breve panorama fornecido pela reportagem abaixo publicada em 13 de dezembro de 2002 no site http://notícias.terra.com.br:

“A Justiça Federal determinou hoje o afastamento da diretoria do Banco do Estado do Espírito Santo. A decisão é para evitar o desaparecimento de provas ligadas ao processo do empresário Carlos Guilherme Lima, preso ontem em Vitória. Há suspeita de administração fraudulenta na direção do banco e desvio de dinheiro público em benefício do empresário. Acusado de vários crimes, como desvio e lavagem de dinheiro, fraude em licitações públicas, formação de quadrilha, desvio de recursos federais e ocultação de bens, entre outros, o megaempresário Carlos Guilherme Lima foi preso hoje pela missão especial que investiga as atividades do crime organizado no Espírito Santo. A prisão preventiva foi decretada pela Justiça federal por entender que, em liberdade, ele representava um sério risco à sociedade.”  

Quando do assassinato de Maria Nilce a redação do Jornal da Cidade funcionava numa loja na Avenida Cezar Hilal e lá ficavam guardados “os jornais antigos”, como eram trivialmente chamados pelos próprios funcionários. O então invisível crime organizado era tido por “certos segmentos” como “invenção de algumas pessoas de esquerda” e nos tristes - política e socialmente falando - anos noventa seus principais atores reinariam absolutos sendo apontado em investigações o ex-deputado José Carlos Gratz como principal figura pública, ainda que outros indivíduos fossem eventualmente citados como os verdadeiros comandantes.

Após a inevitável derrocada do Jornal da Cidade em 1992 todo o acervo de jornais que estava arquivado em sua redação foi doado à Biblioteca Pública Estadual. Nada mais natural que o principal repositório de informações do Estado cuidasse e zelasse pela preservação do periódico que, inclusive, era fonte de pistas para a investigação da morte de Maria Nilce, afinal, em suas últimas colunas vinham sendo publicadas notas anunciando denúncias escabrosas contra poderosos antigos desafetos.

Numa decisão ainda nebulosa, tomada por alguém da própria biblioteca, em algum lugar entre o final de 2005 e o momento presente o único acervo do Jornal da Cidade de que se tinha notícia foi “descartado”. A antiga diretora da instituição Rita Cássia Maia foi interpelada por meio de uma mensagem eletrônica encaminhada também para várias autoridades e jornalistas e não deu qualquer resposta. Explicado seria que a mesma fora exonerada naquele dia - há algumas semanas - e, em seu silêncio, parece ter optado por deixar o abacaxi para a sucessora descascar.  

Apesar de ser funcionária antiga da Biblioteca Estadual a bibliotecária Nadia Alcure estava trabalhando a alguns anos na Faculdade de Música e quando voltou não conseguiu mais encontrar o acervo do Jornal da Cidade, a única coisa que disse poder afirmar a essa reportagem foi: “eu não estava aqui, infelizmente não sei o que aconteceu”. Denise, a bibliotecária responsável pelo setor de Hemeroteca, que cuida da organização de periódicos e revistas, disse lembrar do acervo, mas que por trabalhar no andar de cima, simplesmente não faz idéia de como pode ter desaparecido todo o Jornal da Cidade.

É provável, mas não comprovado, que o “descarte” do acervo do jornal tenha acontecido durante o período de reforma da Biblioteca Pública Estadual, quando, em função de modernizações e mudanças no espaço, muita coisa foi jogada fora como velharia. Enquanto edições antigas do Diário Oficial foram acolhidas pelo DIO, outras como de A Gazeta foram microfilmadas, o que nos leva a perguntar: por que essa preocupação em preservar um jornal já bem documentado pela própria empresa e jogar no lixo coleções únicas?

Talvez não tenha nada a ver, mas pode ser que isso venha um pouco do desprezo urdido e muito bem difundido pelos inimigos de Maria Nilce por tudo o que dissesse respeito a seu trabalho e à sua pessoa. A jornalista, após sua morte, só foi lembrada na mídia pelas polêmicas e por seu covarde assassinato. Poucos foram os que ousaram vir a público para defender ou fornecer uma visão pelo menos imparcial da trajetória de Maria como foi o caso de Carlos Benevides, Pedro Maia e Marcus machado, entre outros. Para denegrir não dá pra citar aqui, a lista seria grande demais.

Algumas pessoas que a própria Maria considerava como “amigos” estranhamente passaram a negar a ligação - talvez por medo, talvez por interesses financeiros - passando até a atacar publicamente a jornalista, difundindo a idéia - que persiste até hoje - de que: Maria Nilce falava demais, morreu porque provocou, procurou. Criminalizando a vítima, denegrindo sua memória e humilhando seus familiares e verdadeiros amigos. Foi o caso da imperdoável charge feita por Milson Henriques e publicada em A Gazeta no dia 12 de julho de 1989, uma semana após o crime.

 
Para quem não se lembra, Maria Nilce foi morta dentro de um ônibus tentando fugir de um dos dois pistoleiros que perpetraram sua morte na manhã de 05 de julho de 1989. Na charge vemos uma mulher passando a roleta de um ônibus vestindo uma camiseta com várias frases que, como no caso do ex-presidente do Banestes, oscilavam entre “pacifistas” e simplesmente rancorosas, especialmente a última: “Cuidado! Tudo na vida é troco. Você recebe o que dá.”

Este texto tem o intuito de denunciar e de divulgar publicamente mais um crime cometido contra o patrimônio histórico do Espírito Santo e de externar toda a indignação dos familiares de Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães e dos herdeiros de seus inúmeros colaboradores, muitos destes já falecidos, cujos textos diários agora sabemos perdidos para sempre. Seja lá o que aconteceu com o acervo do Jornal da Cidade - tenho agora poucas esperanças de voltar a ter notícias deste - espero apenas obter um dia uma justificativa plausível por parte do Secretário de Estado da Cultura e da direção da Biblioteca Estadual do Estado do Espírito Santo.   

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

IVAN LINS DIZ QUE LUAN SANTANA É GAY!

O que diferencia jovens de pessoas mais maduras são os pequenos detalhes, coisas bobas que se pesca no discurso, no entremeio das conversas. Eu como todo bom sagitariano sem o menor desconfiômetro tenho costume de dar foras com relação a essas coisas da vaidade com os anos que vão se acumulando em perdas e danos que vão se acumulando, enfim. Chamo os amigos, por exemplo, de “velhinho”, não tem nada de mais nisso, porém quando o faço com aqueles que têm mais de setenta rola um incerto desconforto social. Não se pode chamar um amigo desse naipe de “velhinho”. Tem que chamar de “meu garoto”.

Aliás, foi o Dodão quem me contou sobre esse negócio: disse que Luan Santana - que todo mundo hoje adora odiar, o que é uma injustiça com a Suzana Vieira – se apresentou no Criança Esperança e cantou a música “Um Novo Tempo” junto com o próprio “mala” do Ivan Lins. Não! Não me pergunte o que é que o velho Dodas - aquele metaleiro industrial realmente convicto - estava fazendo assistindo esse programa e ainda mais com a dupla supracitada (cujo?)

Mas aí disse que depois de Luan (Meteoro da Paixão) SentaMariaPintaEBorda assassinar aos berros grandiloqüentes mais uma canção brasileira (João Pimenta. Sic.) se desdobrou em elogios prenhes (cujo?) de orgulho por ter se apresentado junto com o “mala” do Ivan Lins. Esse, por sua feita-lho-por-que-quero-quero-tanto, disse – à título de elogio – que o referido cantor não é gay, e sim seria, em suas próprias palavras dele mesmo: “Um menino de ouro”. Dodão estava encafifado com uma pulga atrás dos dreads:

- Ué cara, todo mundo sabe que quando a gente diz que o cara “é um menino de ouro” a gente tá dizendo que ele é gay... Não é possível que Ivan Lins não soubesse.

- Como assim velhinho?

- Gay ué – como se eu tivesse obrigação de saber inclusive que ele assiste o Criança Esperança – menino de ouro é todo aquele que “se derreter dá um anel”. Após as tradicionais gargalhadas, veio a pergunta que não queria mais se calar:

- Será que o Ivan “mala” Lins, falou de propósito? - Isso (nós) nunca saberemos...

Me lembrou também de seu Edvaldo Calmon que eu não sei se era com V ou com W. Um senhorzinho que escrevia no Jornal da Cidade. Eu era criança ou pré-adolescente e lembro do seu Edvaldo dizendo que gostaria de ser jovem de novo, mas com a mesma cabeça que tinha já entrada nos anos. Um dia desses – durante ensaio da Enceradeira Eléktrica para mais um show secreto que será adiado com certeza - peguei meu velho amigo dizendo a mesma coisa. São os sinais dos tempos, entrando no amarelo para nunca mais voltar...

sábado, 20 de agosto de 2011

1983?

Acabei de dizer que pesquisar o passado é para mim uma compulsão, mas não é bem isso, não é bem assim. Às vezes é simplesmente uma obrigação com minha própria história, um dever de casa que tenho que fazer. São questões pessoais que preciso me apropriar para tentar entender a partir da realidade e não da memória que, em casos como o do meu saudoso pai, por exemplo, vinham sempre conectadas com uma certa fantasia.

Estava tentando – ainda estou – localizar um ponto geográfico do tempo e resolvi pesquisar a partir dos vestígios da memória que tinha. Minha família havia viajado, então deveria ser um feriado prolongado. Era férias e fazia calor, então devia ser início de ano, mas nem isso agora é certo. Fomos de carro e Danny Boy havia gravado para mim uma fita da banda Queen que eu só conhecia por causa da propaganda com a música Bicycle Race e do Greatest Hits I que trazia Love of My Life.

Eu tinha ganhado um Walk Man moderno e metido a besta, ouvia nele Beatles sem parar, porque o João Lennon havia morrido o que ocasionou uma nova onda daquela banda do Edu Henning que alguns de vocês devem bem conhecer. A partir dessas memórias pude dar um chute com relação ao ano: 1983. Danny teimou em gravar um monte de músicas do Queen que eu não conhecia e que estava certo em dizer que eu deveria conhecer: Father to Son é uma das que mais gosto até hoje.

Passamos por Petrópolis, papai fez uma tremenda barbeiragem e mamãe deu um piti danado. Nós do banco de trás que não havíamos entendido a razão do escândalo ficamos putos com Dona Maria que, afinal, se alterava com tanta freqüência que, hoje suspeito, precisasse da coisa pra viver. O papai era meio barbeirão mesmo e apesar de tudo voltamos inteiros para casa, mas por aqui as coisas não andavam tão bem assim: era sobre isso que eu pesquisava em 90 edições de A Gazeta de 1983.

As notícias são tão parecidas com as de hoje... É impressionante como inúmeras tragédias acontecem todos os dias, pessoas morrendo de forma violenta, de várias maneiras: acidentes de carro, briga de gangues, marido alcoolizado esfaqueia mulher, pescador se afoga e por aí vai... Fico pensando no que foi feito dessa gente, da dor dos que ficaram. Era época do famoso bandido Edmilson Cândido do Rosário, uma espécie de inimigo numero um da sociedade que, curiosamente, não era da política.

Ouvíamos discos de vinil, alguns eram raridades que quando emprestados evaporavam nas mãos do incerto paradeiro. Emprestar discos pra Muralha#, por exemplo, era algo muito perigoso. Sem saber dizer não para ninguém o cara costumava emprestar discos e coisas que já tinha pegado emprestado de outras pessoas, em pouco tempo não sabia mais dizer o que é que estava com quem. É como o fato que agora estou pesquisando, o paradeiro incerto, o desaparecimento, a muito provável destruição do único acervo do Jornal da Cidade. Continua na semana que vem...

terça-feira, 16 de agosto de 2011

AURORA GORDON - NÃO FICOU SÓ NISSO NÃO

Eu não sou alienado nem nada, pelo menos gosto de me considerar um sujeito antenado que nem o Chapolim Colorado, mas, ainda assim – diferente de algumas personas – eu não sei de tudo. Antes que eu me esqueça: graças a Deus. Não passeio pelo Shopping para ficar por dentro das novas tendências e até desconfio que aquele não seja o local mais adequado para se fazer esse tipo de pesquisa. Sou um admirador do passado, das memórias, de conversar com pessoas sobre coisas antigas e de escrever sobre elas.

Daí que fiquei muito surpreso, dessa vez a surpresa foi agradável, quando fiquei sabendo do projeto do Murilo Abreu sobre a música capixaba dos anos setenta. Na época eu era guri, até achei um texto do Afonso naquele ótimo livro Escritos de Vitória falando que a banda dele, Os Mamíferos talvez, ensaiava na rua Madeira de Freitas na Praia do Canto, pedaço, aliás, que era antigamente conhecido como Praia Comprida, yeah, a nossa Long Beach.

Eu estava já enguitarrado quando ouvi o som da banda ensaiando numa casa de esquina ali na Rua da Igreja com a Madeira de Freitas, mas não sei se era a banda do Afonso Abreu - embora muita gente já me chame de “senhor”, não acho que eu estivesse tão consciente das coisas naquela época. Mais pra baixo daquela rua (Eugênio Neto?) morava o baterista escovão e acho que era ele, Paulinho Embratel (porque vivia no ar) e mais sei lá quem fazendo um som pesadão.  



O projeto reúne uma galera de peso e se chama Aurora Gordon, referência a uma figura mítica lá das grimpas do passado e de quem, infelizmente, pouco me lembro, acho que era um mulher “da vida”, sei lá. Tinha cada figura naquela época, lembro da Salomé, por exemplo, cujo (cujo?) nome real era Demócrito, ou algo assim. Como pode um cara com esse nome virar simplesmente Salomé? Mas podia. Com Ph exclusive...

Murilo mandou então um convite aqui pra Lektra e repasso pra vocês recomendando a parada com força e com vontade: é um show amanhã (17 de agosto) no Carlos Gomes, oito e meia da night e o ingresso é vinte real (sic). Só pra não ficar pra trás mando junto uma imagem que encontrei dessa rapaziada roqueira das antigas que “transava música” e terá amanhã esse resgate justo e maneiro.  Mario Rui: demorou cara, mas não ficou só nisso não...


Clique na imagem para aumentar e constatar o porque da Rita Lee dizer que roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido...

O MEDO DO MEDÍOCRE DIANTE DO GÊNIO

A primeira vez que me lembro de ter visto um comentário diretamente ligado às improbabilidades do sucesso foi no filme “Buena Vista Social Club”. O guitarrista Ry Cooder tocava - literalmente - o projeto e disse que, enquanto o fazia, não tinha a menor idéia se obteria algum sucesso. Spielberg uma vez disse a mesma coisa de Tubarão, que quando o filme estourou nas bilheterias ele estava já envolvido com a produção seguinte e não costumava pensar sobre o resultado do público.

Woody Allen é um cara que deve ter ficado muito surpreso com o sucesso de seu filme Meia Noite em Paris. E eu também me pergunto das razões para tanto frisson, afinal gostei muito mais de Vicky Christina Barcelona. Obviamente o filme não é ruim, mas parece pouco quando comparado, por exemplo, com “Poucas e Boas” que é até parecido no clima nostálgico e traz Sean Penn numa de suas melhores performances como um talentoso, narcisista e cleptomaníaco guitarrista de Jazz.

A impressão que tenho é que as pessoas gostaram desse filme do Woody pelas razões erradas, como foi exatamente no caso do Buena Vista Social Club que assisti no Cine Metrópolis e pude testemunhar um grupo de tiazinhas animadas cantado “Quiças” e aplaudindo no final como se estivessem no show daqueles músicos empobrecidos e relegados ao descaso pela ditadura de seu país. Buena Vista é um filme glorioso, mas é triste também. Algo assim se passa em “Meia Noite em Paris”.

O mais curioso nesse filme do Woody são as piadas repetidas, as auto-referências. A situação com os sogros é muito parecida com um dos quadros de seu filme “Tudo Que Você Queria Saber Sobre Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar”. Essa nova película não passa de uma viagem intelectualóide e sentimental a Paris, é romântico “ma non trepa”, o sucesso que fez junto a um público maior, talvez, se deve a aspectos “pedantes” que temos em nossa personalidade que nos fazem sentir inteligentes quando confrontados com as referências clássicas de pintura e literatura que abundam no filme.

É como aquela coisa de muita gente que volta do exterior se sentir um poliglota, saca? Quando na verdade o que assimilaram foi um fugaz "verniz de cultura" e, não sei por que, isso me incomodou. Talvez seja porque o Woody resolveu brincar com essa coisa do gringo deslumbrado passeando em Paris e eu vi isso muito dentro de casa e no meio em que fui criado. Ao invés de achar graça me senti triste, Meia Noite em Paris é um recado mal criado ao “bom gosto” consumista das pessoas ricas e foram justamente essas pessoas que o adoraram.

É também a constatação do valor que todos damos ao passado, agora que está morto e imutável, que pode ser manipulado, não responde, não contesta as tuas convicções. Por isso tanta gente no presente se acha no direito de falar em nome de grandes autores e isso é outra crítica recorrente na obra de Woody Allen, talvez ele já esteja começando a se perguntar sobre o que será o amanhã, inclusive de suas próprias idéias. Então, enquanto idealizamos figuras do passado espezinhamos as do presente, simplesmente porque os grandes nos lembram que somos pequenos.

E não há esse nanico que queira viver na terra dos gigantes. Ou há? "Off With Their Heads! Off With Their Heads!"

sábado, 6 de agosto de 2011

PASSANDO O FRIO COM UMA BRUSCHETTA QUENTINHA

Fazia um frio danado em Domingos Martins, agora deve estar ainda pior, eu sou um daqueles caras que ficou famoso por agüentar e gostar do calor na mesma medida em que as temperaturas geladas me deixam com tremeliques bate queixo de Aborígenes Lessa. Não é que eu não goste do frio, acho até bom pra variar do tradicional bafo escaldante de Vitória, mas no final tenho que admitir: eu não suporto bem essa parada.

“Coisa de pobre!” Comentou um rapazinho muderno que vestia um longo sobretudo cinza chiquérrimo e um estrondoso tênis amarelo laranjada artificial, cuja (cuja?) cor torna-se interessante quando dita com sotaque de quem usa dentadura: lharanjhada. A mais de cem metros de distância dava pra sentir seu perfume. Nada discreta, a bunita. Não liguei pra provocação, até acho interessante, afinal as pessoas entram para a estória, inclusive esta, da maneira que conseguem, não é verdade?

Chegou uma hora que meus pés começaram a doer em algum lugar lá por dentro dos ossos, talvez também pelo cansaço de ir e vir pra cá e prá lá desde o meio dia e eram já três da manhã. Fora de casa, fora da rotina, sem hora direito pra comer ou dormir a cabeça entrou numas de não desligar mais, daí você não descansa e no dia seguinte tem tudo outra vez, quer dizer, é diferente, mas o tempo e o frio: germânicos que nem nazistas, eles não negociam cara.

A chuva começou a cair no sábado e não nos ajudou em nada, embora os lavradores estivessem achando bom: já reparou que tudo que pode ser ruim também pode beneficiar alguém e vice-versa? Eu nem levara um guarda-chuvas, não pensei que fosse precisar, não conseguia me lembrar de ter visto chuva em Domingos Martins em outra ocasião. E agora estavam lá aquelas nuvens vagas e difusas repousando preguiçosas sobre a mata das montanhas que circundam a cidade.

Fui tomar uma cerveja longe da galera, não queria ser um mau exemplo pra ninguém, nem tampouco passar a madrugada naquela friaca completamente de careta. Comprei um latão de Skol quase fora da muvuca e, apesar de ser o único - fora os seguranças - que vestia terno, duas moças locais puxaram conversa comigo. Logo danaram a reclamar da programação dizendo que não era interessante pros jovens. Daí argumentei: mas o que vocês queriam? O Rest-argh-t? Não souberam me dizer. Ah! O vinho cru das montanhas, a sombra das raparigas em flor...

Na Pousada Azul, onde eu estava muito bem hospedado toda manhã rolava uma “bruschetta”. Pode rir. Quem não acharia o nome desse quitute engraçado? Aliás, a cena inteira era propícia a piadas. No café da manhã, um frio do cacete, vinha Dona Lucinda, aquela mãezona, falar: Juca você quer comer uma bruschetta quentinha? Well Boris, considere que minha mulher tinha ficado lá em casa né? Portanto, como me negar a comer uma bruschetta quentinha na pousada da Dona Lucinda? É como dizia Rita Lee: Ninguém é de ferro, mas meus nervos são de aço...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

DEPOIS DO FESTIVAL

No domingo passado terminou o 18° Festival de Inverno de Domingos Martins, ficaram boas historias e algumas constatações ponderadas. O fechamento do Hotel Imperador é praticamente um crime de lesa patrimônio turístico e cultural do Espírito Santo. O amigo Paulo Fonseca da empresa de turismo Etérea, disse de uma pesquisa onde a cidade de Domingos Martins é apontada como o destino número dois de turistas no Espírito Santo, perdendo só pra capital Vitória. Se fosse uma aposta eu teria marcado Guarapari e me cambado, como diria Tom Zé, aliás, mais Zé do que Tom.

Daí que o comércio local resolveu aproveitar para faturar de maneira canhestra. Tô eu vendo uma galera circulando com grandes taças de vinho pra lá e para cá. “Muito chique esse pessoal daqui hein?” Pensei com meus botones, mas no dia seguinte encontro o amigo Eustáquio Palhares que revelou a verdade: a taça era compulsória, a garrafa de vinho custava, vamos dizer uns vinte reais, mas só era vendida com a taça e esta custava mais sete. Por essas e por outras nossa equipe ficou local do boteco Galeto de Prata, um abraço pro Foguinho e pro Guimarães, vulgo Formiga.

Salvo raras exceções não rolou baixaria durante o festival, o que é certamente uma das explicações para a mídia não ter dado tanta importância ao evento. Uma das tais exceções veio inesperadamente do palco principal. Um senhor da prefeitura me contou constrangido que o cantor Emilio Santiago, soltou um tremendo palavrão durante sua apresentação: “Quando a gente ouviu naquelas caixonas de som - “Baralho! (pra não dizer outra coisa) O som tá muito alto!” - minha mulher quase caiu da cadeira... O cantor carioca parece que de suave tem só a voz, sua equipe deu um piti danado e acaba que sua participação foi das mais sem graça da programação.

Já Monarco mostrou porque é conhecido como a realeza do samba, seu show foi uma saraivada das mais lindas canções do gênero “de raiz”. Acompanhado por quatro senhorezinhos da famosa Velha Guarda da Portela, o show do sambista de 77 anos encantou a todos. No final não teria bis, mas acho que convencido por Edilson Barbosa, diretor da Fames, Monarco voltou e atacou seu samba "Coração em Desalinho" que é tema da novela Insensato Coração, não sem antes comentar satisfeito que cada vez que a música toca na Globo, bate um “cascalho” em sua conta.  

Convencido a voltar, o difícil depois foi fazer Monarco parar outra vez. Um dos músicos que tocava sete cordas chamou discretamente um dos rapazes da produção e falou: “pede pra ele parar senão a gente não sai daqui hoje.” E lá foi o cara puxar, também discretamente, a barra da calça do velho sambista que já não sabe o que é freio de mão há muito tempo, enquanto isso algumas pessoas do público se indignavam ou achavam engraçado, pensando ser alguma espécie de gafe ou combinação.

A tônica do festival foram as apresentações de qualidade e as gratas surpresas como, por exemplo, o som da empresa Loudness que realizou prodígios. Por exemplo: a orquestra Capella Bydgostiensis (ê nome desgraçado) formada por músicos poloneses, sentou e tocou de pronto. Eu nunca vi nada parecido, eles nem sequer checaram a afinação no palco. Posicionaram-se e sentaram o dedo – sem querer desmerecer ninguém - enquanto grupos muito menores de instrumentistas levaram quase uma hora para ajustar o som... Rapaz e como os polacos tocaram! Me senti uma “vaca profana” cantada por um Caetano em ter que falar alguma coisa depois daquele concerto.

O quinteto Fabiano Mayer fez uma linda homenagem ao violonista Maurício de Oliveira que teria completado 86 anos no último dia 17 de julho, receberam no palco o Tião, filho de Maurício, que aproveitou para mostrar uma música chamada “Cadência” de Juventino Maciel que o maior músico do Espírito Santo, em seus últimos dias, sempre pedia para o filho tocar. Isso tudo aconteceu no sábado, sem dúvida o dia mais emocionante do Festival, embora, musicalmente falando, a disputa se torne difícil de comparar com a noite de abertura que teve nossa orquestra com Wagner Tiso, Leci Brandão e Amaro Lima.

Em 2012 tem mais Festival de Inverno de Domingos Martins, inclusive, o tema do ano que vem dá o que pensar aos mais musicalizados, afinal, homenagear-se-á (Íça!) o compositor francês Claude Debussy, conhecido como impressionista e o nosso “Rei do Baião” Luiz Gonzaga que dispensa apresentações. Em outubro teremos, organizado pelo Instituto Todos os Cantos e com cobertura da Letra Elektrônica, o II Festival de Coros Infantis da Serra com patrocínio da Lei Chico Prego e da empresa ArcelorMittal Tubarão. Maiores informações em breve, quem viver não se arrependerá por esperar.