O mundo é cheio de
prazeres fugazes transformados em mercadoria, pequenas coisas empolgantes a
princípio e completamente insuportáveis minutos depois. Lembro de uma frase do
livro “O Melhor do Mau Humor” - aquela ótima compilação do Ruy Castro – atribuída
à escritora Erica Jong que fez fama com um romance erótico (termo que estava na
moda e agora soa caretásso) chamado “Medo de Voar”... Jong falava sobre a
experiência de ir ao cinema assistir filmes pornográficos e antes que essa
afirmação pareça muito estranha é preciso relembrar o período:
Em meados dos anos
1970, alguns “produtores” arriscaram grana e a reputação de atrizes semi-famosas
transformando pornografia em arte cinematográfica. A maioria era de “películas
softcore”, as tais eróticas, como o famoso Emanuelle (produção francesa de
1974, faturou uma fortuna ao redor do planeta), outras “hardcore” traziam o
pacote completo: nu frontal, sexo oral, penetração etc. É dessa época o
bastante escandaloso e divertido “O Diabo na Carne de Miss Jones” (1973) e, entre
muitos outros, talvez o mais presente na lembrança: “Garganta Profunda” (1972).
Pois é, em épocas
anteriores ao videocassete, DVD, internet e outras modernidades inclusivas
digitais pornográficas, as pessoas se arrumavam todas bunitinhas, sem nenhum
(com algum) pudor, e iam ao cinema ver uma hora e tanto da boa e velha
“sacanagem”, os tais filmes com “sexo explícito”. Imagine o que isso fazia com a
libido dos mais desavisados! Pois o efeito podia ser bastante inesperado, vide
a tal da frase da autora americana:
“Minha reação a filmes pornôs é a seguinte:
nos dez primeiros minutos, quero correr pra casa e trepar; depois de vinte
minutos, nunca mais quero trepar na vida.”
De uns anos pra cá vem
renascendo esse movimento de incluir sexo de verdade no cinema, os diretores
franceses e os italianos são recorrentes no enfoque natural das ditas “práticas
ancestrais de acasalamento” e o dinamarquês Lars Von Tries anda roubando a
cena. Desde a época do movimento Dogma 95, com o seu maluquíssimo “Os Idiotas”
(Idioterne, 1998) que Von Tries já ostentava os balangandãs de seus atores na
telona. Não parecia haver a intenção rasteira de chocar, pelo contrário, parecia
querer mostrar que o sexo é uma coisa banal. Não sei se é o que acontece na
primeira parte de seu comentado “Ninfomaníaca”, não tive ainda oportunidade de ver...
A atual abordagem
francesa parece pender para o naturalismo também. O que mais impressiona no
polêmico e ótimo filme “Azul é a cor mais quente” (2013), é a habilidade que o
diretor teve de transportar para a tela a urgência do desejo sexual entre as personagens
(é uma história de amor entre moças). Não há filme da desgastada, repetitiva e
lucrativa indústria pornográfica que seja capaz de rivalizar com o que se vê nessa
produção. A principal cena de sexo é realmente longa e explícita – na falta de
termo melhor - li em algum lugar que levaram mais de dez dias para filmar. Outra
característica interessante na cultura francesa, expressa em seu cinema, é a
maneira desafetada com que o homossexualismo vem sendo abordado.
No filme “Jovem e
Bela” (2013), no qual as transas são também bastante realistas, há uma passagem
em que a protagonista conversa com o irmão caçula e pergunta casualmente se ele
já tem namorada ou mesmo um namoradinho. É interessante notar que o menino não dá
a menor pelota ao ser aventada a possibilidade do caso homossexual. De maneira
bastante trivial é mostrado que para aqueles jovens o namorico entre indivíduos
do mesmo sexo é uma possibilidade. Aqui no Brasil as coisas ainda não são
vistas com tanta simplicidade, vide a enorme polêmica que um simples beijo gay
causou em uma novela boboca de televisão.
O sexo e o
homossexualismo foram temas bastante explorados no passado pelo viés da
polêmica, do bizarro, da comédia, na maioria das vezes com a intenção rasteira
de fazer escândalo e alavancar bilheteria. O mais interessante no atual momento
do cinema europeu é essa tentativa de colocar o ato sexual dentro da
articulação do discurso, como elemento da narrativa, crucial para entender a
história e desenvolver o drama. Especialmente em “Azul é a cor mais quente”, a
pegação das meninas funciona para ilustrar a construção das personagens e sua
relação afetiva. Sem esse "recurso” o impacto da história, a sensação de perda
e de rompimento, se reduziria bastante.
O cinema de arte, o chamado
filme alternativo, sempre atentou contra essas convenções
moralistas, mas nunca de forma tão realista e elaborada como a atual. Não são, obviamente,
produções que vão agradar a todos. Inclusive, é capaz de agradar a muitos pelas
razões erradas. Melhor deixar que as pessoas tenham a escolha de ver e pensar
sobre as verdades e as mentiras dentro das relações conjugais e que a força da pulsão
sexual está longe de ser retratada nos filmes pornográficos e seus esqueminhas
repetitivos. Esse movimento pode ser um sinal de amadurecimento social, do sexo
visto não mais pela simples ótica do prazer, mas da dor que pode nos consumir.
Vide, para encerrar, o que nos disse o genial Manuel Bandeira sobre o assunto:
“Vou-me embora p’ra
Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz.
Quero esquecer tudo:
- A dor de ser
homem...
Este anseio infinito e
vão
De possuir o que me
possui.”