Na crônica passada
andei falando (escrevendo?) de filmes que gostei recentemente, dois deles
guardaram uma mórbida semelhança que anda rodopiando minha cabeça. Com nove
indicações ao Oscar 2014, a história contada em “12 anos de escravidão” é
bastante contundente: diferente de outras histórias românticas como “Escrava Isaura” esta
deixa bem claro que os senhores de escravos e as pessoas à sua volta realmente
pensavam não estar lidando com seres humanos. Agiam como se os negros fossem
mais um cavalo, um touro ou outro grande animal da fazenda. Aliás, muito
provavelmente, tratavam seus cavalos com mais respeito e consideração.
Não me lembro antes de
ter sido mostrado de forma tão clara o escandaloso desprezo de pessoas teoricamente
“cultas” para com o sofrimento humano, simplesmente porque tinham o apoio da
Lei e dos costumes para assim não o considerar. Não era uma questão de
preconceito com o diferente, mas de enxergar o outro realmente como uma
ordem de existência diversa. Que diabos passava na cabeça
daquelas pessoas? E o pior é pensar que isso nem faz tanto tempo, lembro que por
volta dos anos 1970 o racismo era ainda bastante comum e tolerado.
Embutido nisso tudo
tem uma questão muito séria com relação aos animais que, afinal, também não
podem ser explorados ou maltratados ao bel-prazer de ninguém, embora isso tenha
sido muito comum em outras épocas e, infelizmente, ainda é hoje.
O filme “Fúria Animal”
(Blackfish) mostra de forma dramática a situação das “Orcas Assassinas” mantidas em
cativeiro nos parques do SeaWorld. Aparentemente pouca gente considera absurda
a escravidão daqueles gigantescos animais marinhos, apesar de reconhecerem aqueles
mamíferos como seres “bastante inteligentes”, multidões lotam os “espetáculos”
dos grandes aquários. Já faz tempo que entidades questionam os maus tratos contra
animais, os de circo especialmente. Porém, como era o caso dos escravos, não é
comum pensar que estes merecem a mesma consideração emprestada aos humanos. Só
para dar um exemplo, inúmeros bichos são sacrificados diariamente em escala
industrial para alimentar homens e mulheres adultos, velhos e crianças.
Portanto, apesar de
histórias tão diversas, de forma semelhante, a questão se resume em haver ou
não direito ao lucro através da exploração da vida: seja de pessoas ou animais.
A alguém sempre cabe realizar o serviço sujo da sociedade e o comércio de escravos
já foi uma atividade legal e respeitável, como ainda é hoje matar (inclusive
por diversão), vender ou manter animais em cativeiro. Faz pouco tempo vi
no Facebook a foto de um amigo orgulhoso e agradecido a Deus por ter matado um
bicho. Não se tratava de um ato corajoso de autodefesa contra uma jararaca na
floresta, uma onça faminta ou um tigre fugido do zoológico... Era só uma
história de pescaria. Pois (ora pois pois) a bravata foi “curtida” por quase
uma centena de pessoas.