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domingo, 26 de agosto de 2012

CRÔNIKA DE DOMINGO: IDENTIDADE SECRETA


"A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude."
                                                                      Rochefoucauld

Tava falando de hipocrisia na Crônika anterior e, conversa vai conversa vem, lembrei do Carambola, uma das figuras mais divertidamente hipócritas que já conheci. Como já dizia o Grilo Falante, o rapaz “trabalhava a questão da diversidade sexual”, mas não assumia isso pra senhor ninguém, nem mesmo para a namoradinha que descolou no cursinho pra “dechavar”. Davam longos amassos apaixonados na arquibancada da quadra da escola, foram até advertidos para pegar leve na conduta indecente.

Carambola adorava usar o termo “dechavar”, era gíria de malandro da época e apesar de estar com uns trinta anos ainda adotava o estilo “garotão”. Era um cara enorme, marombado e boa pinta a ponto das mocinhas suspiravam à sua passagem, mas ele gostava mesmo era de trocar idea com a rapaziada. Circulava a bordo de um sonoro carrão importado - privilégio tirado a elite no passado - e dominava qualquer assunto de macho: desde futebol aos lançamentos “de sacanagem” recentes.

Dechavar, segundo o Dicionário Informal é “Termo usado para designar qualquer ação reparadora seguida a uma outra presumidamente inaceitável ou condenável, com o intuito de disfarçar ou despistar.” É ferramenta verbal dos hipócritas assumidos que nem o Carambola. Descobrimos isso quando ele contava suas últimas aventuras...

- Ontem de noite eu saí com um bróder meu. Fomos prum lugarzinho dechavado tomar umas cervejas...

- Ora Carambola, você não disse que não estava mais bebendo? – Sua resposta foi muito tranquilizadora.

- Num esquenta que ninguém me viu bebendo não. - Nem tampouco importava saber-se-lá-o-quê que rolava entre ele e o bróder-bofe, a ponto de irem procurar um “lugarzinho dechavado”pra se esconder (namorar?)...

Sempre em busca de uma explicação lógica para preservar a identidade secreta, Carambola dizia que o tal amigo era um “sócio”, mas não conseguia disfarçar o maior entusiasmo que demonstrava pelo rapaz do que pela namoradinha. Quando chegou o feriadão da semana santa deu-lhe uma doida, pegou o bofe (cujo?) e se pirulitou (e como!) pro sul da Bahia. Ao seu álibi de masculinidade restou o nobre consolo de estudar para o simulado e garantir a média de desconto na mensalidade.

De volta do feriadão, com a cara de pau que Deus lhe emprestou e a namorada saudosa novamente a tiracolo, Carambola levou as fotografias da viagem pra galera ver. Era um álbum escancaradamente romântico dele e o “sócio” na piscina da pousada, na intimidade do quarto, tomando drinques coloridos no barzinho, passando bronzeador na praia. A sequência menos levemente bandeirosa de todas era dos dois andando de moto nas dunas e nessa mesma é que a máscara caia:

- Rapaz, a gente andou tanto de moto que eu tô com a bunda toda doída até agora!    

sábado, 30 de junho de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: QUEM QUER MANTER A ORDEM?

Não sei se existe mais justiça,
Nem quando é pelas próprias mãos.
População enlouquecida,
Começa então o linchamento.
Não sei se tudo vai arder
Como algum líquido inflamável,
O que mais pode acontecer
Num país pobre e miserável?
E ainda pode se encontrar
Quem acredite no futuro...

Esse é um trecho da canção Desordem, do disco Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, da banda Titãs. Pode ser considerada antiga, foi lançada faz coisa de vinte e cinco anos. O problema é que é bastante atual, dá até medo de ser uma profecia porque nos momentos de convulsão social é pelo terror que a coisa finalmente se resolve. Na escola me ensinaram que os “selvagens” escolhiam os chefes de suas tribos pela lei do mais forte. Diziam que nas sociedades “primitivas” era alçado à liderança o guerreiro considerado mais apto a defender o grupo e assegurar sua segurança.

São vários e cada vez mais claros os indícios de que a população está de saco cheio do Estado Brasileiro que é omisso, comprometido e vem sitematicamente jogando contra. A máquina estatal é um reflexo distorcido desse tempo de egoísmo explícito, de lideranças e liderados medíocres, de especialistas que tentam resolver problemas criando outros piores. Essa semana comentavam na televisão o aumento no preço de vários serviços e o endividamento da população; a culpa nunca é de ninguém e a solução é “apertar o cinto”. Como os jornalistas sabem que é a maior parcela do povo mesmo que vai ter que “assumir a criança” ensinavam a fazer contas, controlar gastos e renegociar dívidas.

Crise é na Europa! O mundo alardeia e comemora um Brasil triunfante, enquanto isso: os supermercados deixaram de fornecer sacolas e para o cidadão comum restou pagar o pato do meio ambiente. Os malucos continuam fazendo barbaridades ao volante, mas o tiozinho que tomou um chope e fez bafômetro parou na cadeia. Somos auto-suficientes em produção de petróleo, mas a gasolina é cara e o governo acabou de aprovar um novo aumento. As ruas estão cada vez mais cobertas de estacionamentos “rotativos” e as avenidas de radares e as pontes e rodovias de mais e mais pedágios.

Existe um circo armado para gerar renda para o Estado que teoricamente deveria proteger a vida, mas não o faz. Deveriam então considerar a importância de um verniz de equilíbrio financeiro para a família brasileira e isso muito menos acontece. Num cenário destes a criminalidade acaba virando alternativa e aí todo mundo reclama: a polícia reclama que prende o bandido e a justiça solta, o judiciário reclama que não dá conta do número absurdo de processos e todos reclamam que as cadeias estão superlotadas. Então existe alguma coisa muito errada nesse circo e o pior é que agora não há mais quem consiga o desarmar, somente talvez com uma convulsão social ou uma revolução. E neste último mês ficou muito claro que aquela está mais próxima do que esta...

No dia 27 de junho passado, uma mulher (a pedagoga Mary Stela Camillato, 46 anos) deu barraco no escritório de um plano se saúde exigindo atendimento para o pai doente, disse até que estava armada; conseguiu o que queria, mas agora está sendo processada. Uma padaria foi assaltada sete vezes nesse mesmo mês em Santa Mônica - Vila Velha-ES - na última (25 de junho) os funcionários resolveram perseguir os assaltantes e um deles (o repositor de vendas Rodrigo Azevedo de Oliveira, 21 anos) foi morto a tiros por “traficantes”. Ora, passa direto na televisão especialistas em segurança dizendo que ninguém deve reagir a assalto. Tudo bem se fosse coisa rara, inusitada, mas sete vezes no mesmo mês! Depois do quinto assalto, imagina quantas vezes o rapaz já tinha ouvido a pergunta: “E você não fez nada?”

População indignada nas ruas de Vila Velha-ES. 
Errr. Frouxo se escreve com "x" minha gente...
Com o Estado preocupado em cobrar mais e retribuir menos vem o medo hoje, o pânico amanhã e finalmente o terror. Cenário ideal para a ascensão de ditadores, fascistas e psicopatas; afinal “navio que está afundando aporta em qualquer porto”. Foi o que fez a população de Planalto Serrano (no dia 26 de junho), no Espírito Santo. Com ajuda dos traficantes deram um basta na breve carreira de dois marginais que impunemente aterrorizavam o bairro fazia 15 dias. Elegeram o mais forte, e certamente mais presente, para defender sua tribo. A Polícia chegou a tempo de tentar conter a revolta e foram recebidos a pedradas, talvez os populares temessem ver seus anti-heróis irem presos.

Jardim Carapina, Serra-ES, população em pé de guerra.
No início da manhã do dia 05 de junho passado um grupo de estudantes foi protestar (de novo) contra o preço abusivo das passagens de ônibus e pararam o centro da cidade de Vitória-ES, talvez pensando: “nós podemos tudo, nós podemos mais!”. Do trânsito parado emergiu a tal “população enfurecida” e acabou com a manifestação à tapa, alguns declararam ter medo de perder o emprego por conta dum “bando de vagabundos”. Por causa da inércia do Estado, o ato de protestar não é mais percebido pelo povo como coisa importante. Todo mundo já entendeu que reclamar não resolve nada e isso tudo só potencializa aquela perigosa sensação de “cada um por si e Deus contra”... E esta vem crescendo em várias direções. Daí vale mesmo perguntar:

Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?

sábado, 23 de junho de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: VIRGINDADE POR UM FIO


 
Vou levá-la comigo pra jantar
Ela merece por alegrias que me dá

Supla – Mão Direita

O telefone tocou em off. Parecia início de peça de teatro ou algo assim. Ele podia ouvir do lado de fora do quarto o desgraçado se acabando de tocar. Se fosse numa peça o público ouviria também: as cortinas fechadas e o telefone tocando...

Ele é que não ia lá atender. Deveria, mas nenhum atacante jogando em sua posição teria ido.

Ela era jovem, mas ele também era. Ela era linda, mas ele não a amava. Ela era virgem e para ele isso não era nenhum problema. Nada. Ele não estava nem aí pra nada!

Estudavam arquitetura, mas não eram calculistas. Ele desprezava matemáticos! Gostava era de se atracar a seu corpo, rodar a ponta dos dedos pelos bicos dos seus seios e beijar a sua boca. Quanto beijo cabe um coração incipiente! Parece aquela sede que nem rio nem represa, nem mar nem oceano é capaz de aplacar.

Aplacar... Palavra engraçada. Não consigo pensar em outra melhor para descrever aquele sentimento. O que será que incipiente quer dizer exatamente?

Telefone desgraçado! Pensamos. Ele é que não ia lá atender. Estavam quase conseguindo fazer o que o desejo suplicava latejando no tal “músculo que sente” que o Cazuza falava e que a moral reprimia distante como aquele toque insistente dos infernos.

Como será que ela foi parar no quarto dele naquela tarde? Como era mesmo seu nome? Cristina? Cristiane? Era algo assim... Estavam quase em ponto de ebulição, quase! Um sarro alucinado por cima das roupas de cima e de baixo que iam saindo e chegando pros lados. Ele nem lembrava mais do telefone.

Foi quando estavam bem perto de acoplar espaçonaves que o pai apareceu. Furioso, como se realmente quisesse dar um susto tão grande quanto o que levou!

- Por que é que ninguém atende telefone nessa casa!? – Ele deu um salto acrobático de cima da garota.

Ficaram os três se medindo surpresos: do lado deles de um jeito e por certas razões, o lado paterno de outro e por outras. Depois de uns segundos de hesitação, o homem resmungou alguma coisa sobre o telefone e se mandou desconcertado.    

A garota correu pro banheiro do quarto e de lá foi embora sem dizer adeus. Quem manda ser burro e não trancar a porta?

A verdade é que nessas horas é preciso ser prático, afinal, o fato dela ter abandonado a causa não aquietou em nada a revolução vulcânica no músculo que sente.

Resolveu se trancar no banheiro também, no modo manual.

Na lixeira encontrou um bolinho de papel que ela usara para se limpar e porque em pânico quisera (quisera?) conferir se havia sangrado. Ficara no final a virgindade por um fio...

Ele levou o papel ao nariz enquanto se masturbava. Deixou se entorpecer na incongruência cômica do odor impuro que exalava duma boceta zero bala.

sábado, 16 de junho de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: QUESTÕES ENTRE ANIMAIS

MAIS FRASES QUE AINDA DETESTO OUVIR DE VEZ EM QUANDO:

Frase 1

- Dou um boi pra entrar numa briga e dou uma boiada para não sair.

Belicosa essa frase: questões entre animais. Não me deixa esquecer aquele tipo de pessoa que eu nunca gostaria de ser. Lembra também a fábula de um Rei orgulhoso que dizia admirar o conhecimento de certo sábio muito respeitado em seu reino. Tentou se aproximar do homem com todo tipo de propostas até que um dia, a troco de um bom dinheiro, o Rei o convenceu a o introduzir nos mistérios da sabedoria.

Depois de um tempo muito curto de estudo o monarca passou a destratar grosseiramente o mestre, da mesma maneira que fazia com os demais empregados de sua corte. O mais provável é que o Rei simplesmente quisesse se entranhar da sensação de que, ao contratar o sábio tão respeitado por todos, automaticamente, este se transformaria em um seu inferior. Depois, passou a fazer todo o tipo de indagações absurdas com relação aos ensinamentos e até queria sugerir conceitos que seu mestre, obviamente, nem levou em consideração.

O Rei era orgulhoso e não estava acostumado a ser contrariado, foi tomado pelo desejo bobo de vingança, afinal, a intimidação despótica era a única linguagem que conhecia e exercia bem. Quando entendeu que suas sugestões não seriam mesmo atendidas, nem por decreto real; mandou prender e anunciou a execução ao sábio.

Em seus próprios termos, o Rei imaginava ser um homem bom e justo, uma hora talvez fosse até se sentir um pouco culpado, mas não podia mais voltar atrás. No dia da execução, fez cena de vítima e confessou (segredou?) ao sábio que só era feliz entre os seus cavalos que o amavam e o respeitavam cegamente. Foi quando recebeu do homem a última lição:


- Ora, meu filho: o que acontece é que certos animais só podem ser felizes quando respeitados e obedecidos por outros animais.


Frase 2

- A mudança vai te fazer bem...

É a primeira frase da música Damaged Goods (Bens Avariados) da banda Gang Of Four. Um daqueles famosos conselhos “me engana que eu gosto”, ou seja: apesar de perder tudo o que ama e que precisa para ser feliz, no final você vai ver, vai ser bom. Ou, como dizem hoje: todo mundo precisa sair da sua “Zona de Conforto” e buscar aceitação e “sustentabilidade” numa espécie de Pollyana feelings.

Ouvi a música umas dez vezes de ontem pra hoje, isso só vai parar quando eu a aprender a tocar. É sempre assim. Mas não tenho tempo pra isso agora. Então vi um comentário em inglês, dum cara que dizia, traduzindo porcamente:

“A primeira vez que ouvi essa canção, eu tinha roubado umas cebolas no supermercado, porque não acho certo os caras não embalarem mais as nossas compras e me senti meio que no direito, saca? Enquanto esperava na fila para pagar por outras coisas comecei a chorar. A garota do caixa ficou tão comovida que me deu seu telefone, eu a convidei pra jantar naquela mesma noite e cozinhei fígado com as cebolas roubadas. Lá pelas tantas eu não conseguia mais conter o riso, tivemos uns cinco ataques de bobeira, fomos felizes naquela noite. Então, um certo dia, ela me deixou por outro cara que gostava de roubar diários...”

Segue o vídeo do Gang Of Four...


segunda-feira, 4 de junho de 2012

UM DIA DE CÃO DOIDÃO

Esse causo é baseado (e como!) em fatos reais, mas que aconteceram de verdade, mesmo...


Doideira e caretice são coisas que as pessoas acreditam: comportamentos sociais primitivos estabelecidos por determinadas classes sociais. Com as grandes variações, os encontros e desencontros da vida, os “diferentes” se esbarram: Romeu e Julieta; Queijo com goiabada. Doideira e caretice é puro etnocentrismo. Crenças culturais assumidas por um grupo e rejeitadas por outro, Clube da Luluzinha; socialmente falando são duas faces da mesma moeda, contrapartidas iguais: são uma e a mesma coisa.

É preciso admitir que os doidões tiram da manga histórias bem mais engraçadas do que as pessoas sisudas que fazem cara feia quando você senta num boteco pra tomar aquela cerveja gelada e espantar o calor. Querem o quê, bicho? Que o mundo se acabe em respeito e devoção, em sacrifício e arrependimento? Até têm o direito de pensar e agir como quiserem, o problema é querer obrigar o resto das pessoas a ser assim também...

No meio desse bolo que separa certinhos de desvairados tem um monte de gente que se considera normal, mas eu não sei não. De pertinho mesmo todo mundo tem uns belisquinhos a menos, precisa tomar um remedinho, fazer uma terapia...

É como essa coisa de combater maus tratos aos animais que rola no Facebook. Pode até parecer coisa de gente mais certinha, mas alguns de meus amigos mais doidões gostam muito de animais também. Vários que conheci tinham cachorros bastante ensinados e, por serem melhores amigos, sonhavam em compartilhar um baseado com o bicho. O Betão mesmo: soprava fumaça no focinho de sua cadela na esperança de ver a coitada viajando e ainda dava o resto do baseado pra ela comer. Quer maneira melhor de sumir com o flagrante? 


Acho que a Tekinha era um fox terrier, não sei bem, era um bicho assim. Grandinha, gordinha e muito brincalhona. Era o xodó na casa do Betão; garotão esperto, filhinho de papai, surfista e maconheiro: pacote básico completo. Um dia o maluco resolveu investir no mercado de bagulho e, sem ter lugar melhor pra esconder, enterrou a parada no quintal. Dentro de casa a mãe podia achar, o pai mandar internar e todo mundo ficar naquele “baixo astral” de tentar entender onde é que tinha errado.

Betão passava a ausência dos pais fumando maconha com os amigos, inclusive a Tekinha que ele carregava pra cima e pra baixo. O bicho acostumou com o cheiro da droga, associou com a inhaca do “dono” e a falta que sentia dele quando estava ausente acabou dando “pobrema”. Como todo mundo de sua idade Betão empurrava a escola com a barriga, em sua época não existia essa coisa do doidão estudioso. Nesse meio tempo, Tekinha corria solta pelo jardim ensolarado no final da manhã até que farejou o cheiro do rapaz.

- Eita! Mas cadê ele? - Cavucou a grama alucinada, rasgou o plástico com as garrinhas afiadas e comeu o bagulho todo que achou. Um quilo inteiro de maconha da boa!


A mãe de Betão preparava o almoço e achou estranho quando o bicho correu pra dentro da casa batendo as patas no chão com estardalhaço. Parou de repente na porta da cozinha fitando a dona com uma puta expressão alucinada e os olhos muito vermelhos: arfando, babando e balangando os orelhões. A mulher fez uma careta de estranheza. “Que foi Tekinha?” A cadela correu de volta pro jardim como se fugisse da polícia e rolou doidarássa pela grama.
 
Quando o rapaz chegou em casa viu o barraco armado. Tekinha, depois de correr e aprontar todo tipo de maluquice, devorou uma grande quantidade de ração e deu um apagão. Betão ficou puto da vida, mas ia fazer o quê? Virar piada da galera, virar lenda, mas para isso acontecer faltava encarar a fronteira final. Uma hora o bicho ia ter que devolver “o produto” à natureza. Conta a lenda que Betão e os seus comparsas meteram mesmo a mão na massa e fumaram daquilo tudo o que pintou...

domingo, 27 de maio de 2012

FRASES DOMINGUEIRAS: PORQUE DOMINGO É O DIA DA FAMÍLIA.

As três frases que eu mais detestava ouvir antes da maturidade:

Frase 1

- Diga-me com quem andas que te direi quem você é. 

Essa minha mãe adorava, especialmente pra esculhambar meus amigos porraloucas. Como se os dela, a maioria artistas e pessoas extravagantes, fossem algum modelo de comportamento social. Uma vez eu ia chegando em casa (quer dizer, na casa dela) para “ouvir um som” no meu quarto com duas “marias palco” fantasiadas de loiras e de aspecto geral – vá lá – bastante popular, se é que vocês vão me entendendo. Mamãe estava sentada na sala tomando um café e ao nos ver entrando com aquela ginga de quem não quer nada, mas vai fazer de tudo, falou:

- Parem aí mesmo e venham cá.

- Quê foi mãe?

- Aonde você pensa que vai com essas duas barangas?

Frase 2

- Quando chegar à minha idade você vai entender e vai me dar razão.

Era a preferida de papai, também a ouvi várias vezes da boca de sujeitos nem tão encanecidos assim, mas que exerciam alguma forma de poder ou posavam explicativos de detentores de algum saber. Era uma pala necessária porque, esgotado os argumentos lógicos sem conseguir me convencer, usavam o fato de terem mais idade para legitimar e impor uma opinião ou decisão com a qual eu não concordava.

Frase 3

- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. –

É o (di) lema do hipócrita assumido, pior que é ainda muito usada. Deveria estar escrita na entrada de todas as fábricas de fazer malucos que existem pelo mundo. Como se fosse adiantar vetar a quem quer que seja o direito de errar, aliás, é como diz no Evangelho de João: “não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade”. Citação feita, em tempo, apenas para ilustrar, passa longe de mim essa contradição de tanta gente televisiva e politiqueira cujo (cujo?) discurso “religioso” passa bem longe das ações práticas.

Obviamente, as frases que eu mais gostava eram: sabia que amanhã é feriado e não tem aula? Ou uma que era mais rara: aquela garota que você “tá a fim” disse que também tá doida pra “ficar com você”... Mas a que eu mais desejava ouvir, com uma toalha amarrada no pescoço a título de capa esvoaçante, nunca rolou:

- Meu filho: tome cuidado quando sair voando por aí...

sábado, 12 de maio de 2012

TEORIA DA CONTRADIÇÃO - PARTE II: O ESPÍRITO SANTO NO REAHAB!


Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, e nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira.

João 8:44

Vários matadores de aluguel fizeram fama e fortuna no Espírito Santo, por essas e por outras o capixaba ganhou status de cabra perigoso em determinadas regiões do país. Curiosamente, alguns desses bandidos gozavam de certo respeito social como fossem aqui um “Zeca Diabo”. Eram temidos, claro que eram, mas, estranhamente bem considerados por muita gente boa. Talvez destes o mais famoso seja o famigerado Zé Scardua, mas depois deles muitos outros fizeram “sucesso”, como outro Zé, o Sasso; assassino acusado da maioria dos crimes escabrosos dos anos oitenta. Morreu envenenado na cadeia em Linhares no dia 17 de setembro de 1992.

Zé Scárdua - Zeca Diabo numa versão capixaba? 


A demanda por trabalho da pistolagem vingou entre pessoas poderosas do Espírito Santo que não seriam automaticamente consideradas criminosas por ninguém, nem por eles mesmos. Porém, vez por outra rolava a necessidade de abandonar “de leve” o “fair play” e mostrar “aos pacatos o rumo do cemitério”. Uma hora era preciso desarticular um grupo opositor, ou vingar de pronto alguma questão que a justiça levaria anos para resolver, ou simplesmente silenciar e ocupar o espaço de algum concorrente. Porém, a logística dessas operações era coisa complicada e oportunizou o surgimento de especialistas em ações armadas, sedição, corrupção e algo mais.

Nesse inacreditável, porque pavoroso, cenário mercenário de faroeste caboclo despontou o delegado Claudio Guerra, cara que tinha um Grupo de Operações Especiais só pra chamar de seu. Posava de poderoso entre os poderosos e morava em um sonoro apartamento “de um por andar” no ponto mais valorizado do bairro nobre da cidade de Vitória. Curiosamente, não há notícia de alguém ter se perguntado como é que um delegado que – até onde era seguro saber - vivia com o salário da Policia Civil, morava nas mesmas condições que os cidadãos mais ricos do Espírito Santo. Esse assunto não era da conta de ninguém.

Os homens de bem não costumam se meter na vida dos outros: fazem vista grossa e até censuram opositores que ameaçam abalar a paz dos poderosos. Basta lembrar o culto, a pompa e a circunstância em torno do bicheiro José Carlos Gratz, cujas ligações com contravenções piores dificilmente poderiam ser ignoradas pelas autoridades civis e militares da cidade. Foi eleito deputado e alçado à presidência da Assembléia, cultuado a ponto de comemorar o aniversário na boate Zoom em Camburi numa espécie de beija-mão escandaloso no qual se ajoelhou a seus pés boa parte do Pib capixaba; mais de cinco mil pessoas era o número que se comentava na ocasião.

Gratz, na época que era "locomotiva" do volúvel Jet Set  dos capixabas

O material sobre os feitos do delegado Claudio Guerra e de José Carlos Gratz é farto, não estou falando nenhuma novidade escabrosa aqui, basta uma pesquisa rasteira pela Internet e jornais antigos para acessar um variado perfil barra-pesada dessas pessoas e de outras da dita “alta sociedade capixaba”. Foi só quando a situação se tornou insustentável e o estado francamente ingovernável é que foi pedido socorro a uma força tarefa federal para resolver a questão. O Espírito Santo é assim: de vez em quando parece que sua máquina precisa ser internada numa clínica de reabilitação para se desintoxicar. 

Guerra em foto publicada no site da CBN sobre desvios de dízimo na Assembléia de Deus (!)
Apesar do passado sangrento e covarde, porque se especializou em atuar armado contra pessoas indefesas, o delegado Claudio Guerra, hoje está por aí: livre, leve e solto; posando circunspecto e risonho de bíblia debaixo do braço. Como se não bastasse ainda resolveu contar suas estripulias mais famosas num livro de memórias do tempo em que matava a mando da ditadura e sempre que tem oportunidade, menciona (orgulhoso?) que atuou para a elite capixaba também. Uma destas suas afirmações mais polêmicas recentes envolve o conhecido empresário e deputado federal Camilo Cola. Segue detalhe da reportagem publicada no IG:

Clique na Imagem para aumentar

É nesse ponto que voltamos à triste história da menina Araceli, porque como foi dito, uma das mais funestas características do crime de mando no Espírito Santo é a criminalização da vítima. A prática é útil para bagunçar a investigação, ouriçar a mídia e manipular a opinião pública contra o morto. Isso intimida os familiares que, por vergonha da própria impotência – quando percebem que o estado está jogando contra - se afastam com medo, se omitem. E ainda são criticados por isso, como fez o jornalista Zé Maria Batista. Poucos são os que têm a iniciativa de ir para a rua com um cartaz na mão e “dar barraco”, porque imaginam que o máximo que conseguirão é exposição na mídia que sabe que a baixaria é o que mais capta a atenção do público e descaradamente transforma tragédia e sofrimento em show na hora do almoço.

Esse público, aliás, parece ter necessidade de se convencer que um crime bárbaro atinge apenas aos que de alguma forma mereceram ou procuraram. E isso não é assim! Existe gente ruim em nosso meio e elas têm que ser punidas!! Ou será que uma menina de menos de dez anos merecia ser estuprada e morta por um bando de malucos porque não tinha dinheiro para bancar uma passagem de ônibus para casa? Mesmo que sua mãe fosse traficante e envolvesse a menina no leva e trás, será que é certo dizer que foi pouco o que aconteceu? Não vou nem comentar a acusação contra Camilo Cola, acho bom Claudio Guerra conseguir provar o que disse, mas e a grave acusação de extorsão contra o jornalista Jeveaux? Quem vai o defender?

A mesma acusação de desonestidade é sempre feita contra vítimas de crimes do gênero. A jornalista Maria Nilce, que nada tinha a ver com o assunto, foi denegrida – de passagem - em uma medíocre carta anônima que divulgava fofocas e graves acusações contra o judiciário capixaba. A mesma coisa já foi dita com relação ao arquiteto Bebeto Viváqua, executado ao meio dia numa rua movimentada de Jardim da Penha, durante um suposto assalto cujo caso foi “solucionado” pela equipe de Claudio Guerra na época em que tudo ainda estava sob seu controle. Matavam, “investigavam” e prosperavam a olhos vistos. Hoje parece que Guerra se arrependeu dos crimes cometidos, encontrou Jesus e, como vimos acima, está levando seu know how para a Assembléia de Deus.  


Trecho da "infame" carta anônima

E só para arrematar: o julgamento dos dois últimos acusados no crime que vitimou a jornalista Maria Nilce Magalhães em 05 de julho de 1989 (!), estava marcado para essa semana, mas foi adiado para o início de junho deste ano. Um dos réus trocou de advogado e este pediu um tempo para preparar sua defesa. Agradecemos todo apoio manifestado até agora, hoje mesmo fomos surpreendidos pelo telefonema do prefeito Ronaldo Resende, de Oliveira em Minas Gerais. 

Vamos sempre lutar e denunciar essas calúnias rasteiras, para que toda a verdade desses crimes venha à tona; para que um dia se faça justiça às famílias - como a minha - que sofrem com essas mentiras que maculam a dignidade de nossos entes queridos; para que, finalmente, possam descansar, eles sim, na santa paz de Deus.  

sexta-feira, 11 de maio de 2012

TEORIA DA CONTRADIÇÃO: MATAR É CHIQUE - SER ASSASSINO NÃO...

Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo, e ele nada tem em mim; mas, assim como o Pai me ordenou, assim mesmo faço, para que o mundo saiba que eu amo o Pai. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

João 14; 30 e 31

Uma vez meu primo - tenho mais de uns – entrou numas de me criticar por ser vegetariano, disse que não comer carne era contra “as regras da natureza”. Disse que quando via um bife acebolado fritando na chapa sua boca salivava que nem chafariz – se é que isso saliva - e que a mesma coisa não acontecia com as frutas. Rebati que seu exemplo seria válido se um dia sua boca inundasse ao ver vaquinhas pastando pelo campo e lhe desse a doida de matar uma delas: pegar um pau e quebrar seu crânio, cortar sua carne e assar no fogo. E comer...

De tempos em tempos matuto aquela conversa. Uma das certezas que tive foi que se cada um precisasse matar um animal para resolver sua fome o mundo seria bem mais estofado de vegetarianos. Presenciar uma matança não é para qualquer um, mesmo a de um animal que vai saciar algumas bocas famintas. No campo ou na cidade a carne ainda é, vide o churrasco, um indicativo de status social. Isso é fruto da organização das urbes e construção de valores subjetivos, quando certa moral bíblica é tradicionalmente ignorada, afinal, um dos dez mandamentos é “Não Matarás”.

Uma pessoa, qualquer uma, para viver de matar tem que abrir mão de alguns escrúpulos burgueses e, dentro desse processo chega a apenas duas opções: parar de matar, porque não dá mais conta do assunto; ou continuar matando por necessidade de subsistência conseguindo bloquear sentimentos como empatia e piedade. Talvez, em uma espécie de futuro essas pessoas um dia sejam vistas como psicopatas ou monstros insensíveis. Mas hoje não, são muito úteis à sociedade, certamente imprescindíveis.

Quanto mais a morte se torna um negócio, mais brutal e desvalorizado se torna o respeito pela vida e, pode ter certeza, qualquer forma de vida. Porém, mesmo sabendo disso, a sociedade humana respeita e tolera aqueles que vivem de matar, porque têm uma função específica e importante, exercem uma profissão ingrata que, apesar de ter seu resultado desejado por muitos, não é muito edificante de se executar socialmente falando. Aqueles que matam estão para a culinária como os lixeiros estão para a cozinha...

Como dito, consumir morte tem a ver com status social, é sinônimo de riqueza e, especialmente, de poder. Afinal, a todos é ensinado desde cedo que só Deus pode tirar uma vida. Ainda assim a sociedade consome morte, alguns de seus representantes mais bem sucedidos chegaram à conclusão que “Abaixo de Deus é a gente quem manda” e resolveram encurtar o prazo terreno de uns e outros. Problemas surgem dessa decisão: como já vimos não são todos que dão conta de meter a mão na massa e mesmo que o fossem: matar é trabalho sujo, coisa a se delegar. Especialmente porque é preciso sempre evitar as conseqüências. Surge assim o paradoxo: matar é chique, ser um assassino não. Para isso existem aqueles que assumem a profissão de matar.

Continua na postagem seguinte...