Já não falarei muito convosco, porque
vem o príncipe deste mundo, e ele nada tem em mim; mas, assim como o Pai me
ordenou, assim mesmo faço, para que o mundo saiba que eu amo o Pai.
Levantai-vos, vamo-nos daqui.
João 14; 30 e 31
Uma vez meu primo - tenho
mais de uns – entrou numas de me criticar por ser vegetariano, disse que não
comer carne era contra “as regras da natureza”. Disse que quando via um bife acebolado
fritando na chapa sua boca salivava que nem chafariz – se é que isso saliva - e
que a mesma coisa não acontecia com as frutas. Rebati que seu exemplo seria
válido se um dia sua boca inundasse ao ver vaquinhas pastando pelo campo e lhe
desse a doida de matar uma delas: pegar um pau e quebrar seu crânio, cortar sua
carne e assar no fogo. E comer...
De tempos em tempos
matuto aquela conversa. Uma das certezas que tive foi que se cada um precisasse
matar um animal para resolver sua fome o mundo seria bem mais estofado de
vegetarianos. Presenciar uma matança não é para qualquer um, mesmo a de um
animal que vai saciar algumas bocas famintas. No campo ou na cidade a carne
ainda é, vide o churrasco, um indicativo de status social. Isso é fruto da
organização das urbes e construção de valores subjetivos, quando certa moral
bíblica é tradicionalmente ignorada, afinal, um dos dez mandamentos é “Não
Matarás”.
Uma pessoa, qualquer
uma, para viver de matar tem que abrir mão de alguns escrúpulos burgueses e,
dentro desse processo chega a apenas duas opções: parar de matar, porque não dá
mais conta do assunto; ou continuar matando por necessidade de subsistência conseguindo
bloquear sentimentos como empatia e piedade. Talvez, em uma espécie de futuro
essas pessoas um dia sejam vistas como psicopatas ou monstros insensíveis. Mas
hoje não, são muito úteis à sociedade, certamente imprescindíveis.
Quanto mais a morte se
torna um negócio, mais brutal e desvalorizado se torna o respeito pela vida e,
pode ter certeza, qualquer forma de vida. Porém, mesmo sabendo disso, a
sociedade humana respeita e tolera aqueles que vivem de matar, porque têm uma
função específica e importante, exercem uma profissão ingrata que, apesar de
ter seu resultado desejado por muitos, não é muito edificante de se executar
socialmente falando. Aqueles que matam estão para a culinária como os lixeiros
estão para a cozinha...
Como dito, consumir
morte tem a ver com status social, é sinônimo de riqueza e, especialmente, de
poder. Afinal, a todos é ensinado desde cedo que só Deus pode tirar uma vida. Ainda
assim a sociedade consome morte, alguns de seus representantes mais bem
sucedidos chegaram à conclusão que “Abaixo de Deus é a gente quem manda” e resolveram
encurtar o prazo terreno de uns e outros. Problemas surgem dessa decisão: como
já vimos não são todos que dão conta de meter a mão na massa e mesmo que o
fossem: matar é trabalho sujo, coisa a se delegar. Especialmente porque é
preciso sempre evitar as conseqüências. Surge assim o paradoxo: matar é chique,
ser um assassino não. Para isso existem aqueles que assumem a profissão de
matar.
Continua na postagem
seguinte...
Um comentário:
Muito bom! O melhor de tudo é ver (pelo menos eu vi) que vc não está falando de vegetarianos e carnívoros...
Kika
Postar um comentário