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sábado, 8 de março de 2014

DIÁRIO DE BORDO SEM CENSURA



No final do ano passado era meu aniversário e cheguei à seguinte conclusão:

“Você sabe que está ficando velho quando faz trinta anos, trinta anos que tirou a carteira de motorista”.

O problema - como disse Indiana Jones - não são os anos: é a quilometragem. A idade pode trazer muita coisa, inclusive uma briga feia da sua pança contra a gravidade, mas nem sempre nos traz juízo, pelo contrário, pode nos tornar muito confiantes, o cara que tem certeza que sabe. E o mundo muda muito rápido, de repente, o que sabíamos ontem pode não servir ou se adequar mais à realidade.

No feriado de carnaval resolvemos por em prática uma ideia tida por muitos como inconsequente – porque a época é perigosa – e fazer uma longa viagem de carro. A sensação de estar na estrada traz lembranças peculiares, manias que não lembrava mais que tinha. Mesmo quem diz que não suporta matemática fica fazendo cálculos da hora que saiu versus a quantidade de quilômetros que vão passando. Uma criança dentro do carro ficaria perguntando se falta muito pra chegar, então me dou conta que tem um pirralho tagarelando dentro da minha cabeça...

Invento mapas e sigo roteiros de rali pra espantar o tédio, assumo o posto de piloto e navegador, conto minutos e elaboro cálculos de física no chutômetro fornecido pelas placas de quilometragem. Minha copilota, que também arrisca prognósticos de chegada, intercala longos cochilos com protestos mezzo-divertidos contra minha sanha flatulenta. Tudo vale pra passar o tempo...

Lá pelas tantas meu traseiro reclama e informa que mudei com os anos, lembro uma piada de Chico Anysio enquanto percebo que o fluxo da estrada também mudou. O tráfego aumentou como aumentaram as cidades e suas taxas demográficas, não admira que aconteçam tantos acidentes. A segurança da BR 262, o tamanho da pista e o trajeto são praticamente os mesmos de quando eu aprendi a dirigir.

Na manhã de sábado do carnaval, na altura do quilometro 180, passamos por uma grave colisão envolvendo três carros. Cinco pessoas perderam a vida naquela tragédia. O impacto de ver um corpo coberto por um plástico inibiu minha vontade de chegar logo. Porém, fui condescendente comigo mesmo. Existe uma espécie de convenção social que nos obriga a tentar sermos melhores e mais rápidos que os outros. Vai ver é por isso que alguns motoristas reagem indignados à ultrapassagem:

O indivíduo vem “lerdando” na sua frente e já viu você doido pra passar. Não deveria haver problema nenhum nisso, respeitados os limites de velocidade, mas alguns motoristas são sádicos ou tem problemas de auto-afirmação. Basta aparecer uma reta e você meter o nariz de lado que o infeliz passa a acelerar que nem um louco até conseguir impedir a sua passagem. Quando provou pra si mesmo que é melhor que você, o desgramado volta a trafegar no modo tartaruga.

Essa espécie de chato mal resolvido das estradas, desperta um espírito de porco no volante que é um dos maiores perigos de se viajar de carro. Fiquei pensando que deveria haver algum curso de boa educação para motoristas, mas gentileza não se aprende na escola, lá a gente se dá conta da Lei do mais forte e que o cara que leva vantagem em tudo é melhor que o medrosinho, o chamado “meia-roda”, o “vacilão”.

É um perigo danado quando o cara entra nessa onda de não se sentir um trouxa e digo que isso é assim porque o sentimento me acossa. É difícil ignorar aquele monte de gente voando baixo, fazendo ultrapassagens arriscadas e desaparecendo no horizonte. Ao invés da censura contra a evidente loucura humana vem o desejo de ser muito louco também, de não perder tempo - outro ativo excessivamente valorizado – de escapar do tédio de horas de viagem e isso tudo é o combustível das tragédias. 

Voltando para casa pensava no quanto a viagem tinha sido divertida e importante pra gente. Não devemos deixar o medo exagerado e a paranoia da mídia nos acuar em casa ou impedir de fazer o que queremos, basta tomar (muito!) cuidado e contar com a sorte. Passando a ponte onde tem aquela cachoeira, meti a terceira, pisei fundo e chamei de bonita a mãe do motorista de uma van que se meteu na minha frente justo na hora que começou a terceira faixa. Consciência e atitude são coisas diferentes...

Cheguei envolto em aforismos estradeiros, saltei do carro e espreguicei os músculos. Lembrei de novo da piada do Chico Anysio que dizia mais ou menos assim:

“Viajar de carro é um negócio curioso: a gente fica com as mãos no volante, passando um monte de marchas; um pé na embreagem, outro no acelerador e no freio; os olhos fixos na estrada. Enfim, o corpo todo trabalha pra caramba e no final quem fica cansada é a bunda que não fez porra nenhuma!”