No final do ano passado
era meu aniversário e cheguei à seguinte conclusão:
“Você sabe que está ficando velho
quando faz trinta anos, trinta anos que tirou a carteira de motorista”.
O problema - como
disse Indiana Jones - não são os anos: é a quilometragem. A idade pode trazer
muita coisa, inclusive uma briga feia da sua pança contra a gravidade, mas nem
sempre nos traz juízo, pelo contrário, pode nos tornar muito confiantes, o cara
que tem certeza que sabe. E o mundo muda muito rápido, de repente, o que sabíamos ontem
pode não servir ou se adequar mais à realidade.
No feriado de carnaval
resolvemos por em prática uma ideia tida por muitos como inconsequente – porque
a época é perigosa – e fazer uma longa viagem de carro. A sensação de estar na
estrada traz lembranças peculiares, manias que não lembrava mais que tinha. Mesmo
quem diz que não suporta matemática fica fazendo cálculos da hora que saiu
versus a quantidade de quilômetros que vão passando. Uma criança dentro do
carro ficaria perguntando se falta muito pra chegar, então me dou conta que tem
um pirralho tagarelando dentro da minha cabeça...
Invento mapas e sigo
roteiros de rali pra espantar o tédio, assumo o posto de piloto e navegador, conto
minutos e elaboro cálculos de física no chutômetro fornecido pelas placas de
quilometragem. Minha copilota, que também arrisca prognósticos de chegada, intercala
longos cochilos com protestos mezzo-divertidos contra minha sanha flatulenta. Tudo
vale pra passar o tempo...
Lá pelas tantas meu
traseiro reclama e informa que mudei com os anos, lembro uma piada de Chico
Anysio enquanto percebo que o fluxo da estrada também mudou. O tráfego aumentou
como aumentaram as cidades e suas taxas demográficas, não admira que aconteçam
tantos acidentes. A segurança da BR 262, o tamanho da pista e o trajeto são
praticamente os mesmos de quando eu aprendi a dirigir.
Na manhã de sábado do
carnaval, na altura do quilometro 180, passamos por uma grave colisão
envolvendo três carros. Cinco pessoas perderam a vida naquela tragédia. O
impacto de ver um corpo coberto por um plástico inibiu minha vontade de chegar
logo. Porém, fui condescendente comigo mesmo. Existe uma espécie de convenção
social que nos obriga a tentar sermos melhores e mais rápidos que os outros. Vai
ver é por isso que alguns motoristas reagem indignados à ultrapassagem:
O indivíduo vem
“lerdando” na sua frente e já viu você doido pra passar. Não deveria haver
problema nenhum nisso, respeitados os limites de velocidade, mas alguns motoristas
são sádicos ou tem problemas de auto-afirmação. Basta aparecer uma reta e você
meter o nariz de lado que o infeliz passa a acelerar que nem um louco até
conseguir impedir a sua passagem. Quando provou pra si mesmo que é melhor que
você, o desgramado volta a trafegar no modo tartaruga.
Essa espécie de chato
mal resolvido das estradas, desperta um espírito de porco no volante que é um dos
maiores perigos de se viajar de carro. Fiquei pensando que deveria haver algum
curso de boa educação para motoristas, mas gentileza não se aprende na escola, lá
a gente se dá conta da Lei do mais forte e que o cara que leva vantagem em tudo
é melhor que o medrosinho, o chamado “meia-roda”, o “vacilão”.
É um perigo danado quando
o cara entra nessa onda de não se sentir um trouxa e digo que isso é assim
porque o sentimento me acossa. É difícil ignorar aquele monte de gente voando
baixo, fazendo ultrapassagens arriscadas e desaparecendo no horizonte. Ao invés
da censura contra a evidente loucura humana vem o desejo de ser muito louco também,
de não perder tempo - outro ativo excessivamente valorizado – de escapar do
tédio de horas de viagem e isso tudo é o combustível das tragédias.
Voltando para casa pensava
no quanto a viagem tinha sido divertida e importante pra gente. Não devemos
deixar o medo exagerado e a paranoia da mídia nos acuar em casa ou impedir de
fazer o que queremos, basta tomar (muito!) cuidado e contar com a sorte. Passando
a ponte onde tem aquela cachoeira, meti a terceira, pisei fundo e chamei de bonita
a mãe do motorista de uma van que se meteu na minha frente justo na hora que começou
a terceira faixa. Consciência e atitude são coisas diferentes...
Cheguei envolto em aforismos
estradeiros, saltei do carro e espreguicei os músculos. Lembrei de novo da
piada do Chico Anysio que dizia mais ou menos assim:
“Viajar de carro é um negócio
curioso: a gente fica com as mãos no volante, passando um monte de marchas; um
pé na embreagem, outro no acelerador e no freio; os olhos fixos na estrada.
Enfim, o corpo todo trabalha pra caramba e no final quem fica cansada é a bunda
que não fez porra nenhuma!”