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quinta-feira, 14 de março de 2013

BRIGA EM CASA DE BICHA!



 
Era um começo de noite de uma sexta-feira quando fui bater a campainha do apartamento de uma república de bichas da cidade para dar uns conselhos a um certo jornalistazinho que estava perturbando a minha vida dentro do Jornal da Cidade com ideias agitadoras...

A bicha dona da casa me recebeu sorridente, vestindo uma sunga preta e uma blusa vermelha amarradinha na cintura com os botões abertos deixando à mostra os fatais seios. Na sala, sentado, ouvindo Maria Bethânia cantar, estava o agitador e outra bicha que enrolava os cabelos com as pontas dos dedos.

Aos meus conselhos o agitador reagiu de maneira violenta e inesperada, atirando-me com os pés de encontro a uma estante cheia de cristais. Ao bater de encontro à estante peguei uma garrafa de cristal bico de jaca cheia de uísque e arremessei de encontro ao meu agressor. Possuída por uma cólera incontrolável, resolvi atirar em cima dele todos outros cristais que haviam na estante. A bicha dona da casa gritava:

- Meus cristais não! Pelo amor de Deus, meus cristais não! – Enquanto isso a outra bicha, a que enrolava os cabelos, se atracou comigo.

- Pelo amor de Deus Maria Nilce, você vai matar ele! - O agitador caído aos pés da poltrona, Maria Bethânia se esgoelando na eletrola cantando “Último Desejo” e a cachorrinha Naná lambendo o uísque esparramado no chão.

A porta da cozinha se abriu e apareceu outra bicha - a cozinheira “Florinda Fogão” - que veio “desapartar” a briga com uma panela e eu descalça, tirei o cinto da “pantalona” e disse:

- Em bicha eu bato de cinto!

Outra porta se abriu, mais uma bicha que vinha saindo do banheiro, apavorada com a gritaria, quando viu o rebu deixou a toalha cair e ficou nua em pelo. A loucura era tamanha que Frederico Fellini faria naquele momento o grande filme de sua vida.

Depois de tudo passado, só havia bicha caída pelo chão, de chilique, e a cozinheira trazendo água com açúcar para todo mundo (inclusive eu) que era bebida com violento tremor nas mãos.

E a cachorrinha Naná, cansada de lamber uísque, caiu de bêbada num canto da sala e dormiu o sono mais glorioso de sua vida.


Noite de Lançamento do livro Crônica de Uma Ilha Muito Doida, Maria Nilce no meio dos rapazes que não deixavam a menor dúvida, mais flores e baianas e pais de santo...
 
Algumas observações:

Texto originalmente publicado no livro “Crônica de Uma Ilha Muito Doida”, lançado por Maria Nilce Magalhães na Boate Mario’s no dia 22 de setembro de 1977. As famosas calças pantalonas “boca de sino” dos anos setenta acabariam eventualmente voltando à moda, comprovando as teorias do eterno retorno da diferença. O cristal “bico de jaca” é considerado hoje uma raridade kitsch e tem ainda seu mercado. A linda canção “Último Desejo” de Noel Rosa foi gravada em tom intimista por Maria Bethânia (Ah! Ela não se esgoela não...) em um disco só com canções do poeta da Vila, lançado em 1966.  

Autografando a Crônica de Uma Ilha Muito Doida Para Augusto Ruschi
 
A briga rememorada em crônica pela jornalista que seria assassinada em circunstâncias nebulosas mais de dez anos depois – sem que, obviamente, uma coisa tenha nada a ver com outra - mostra a tentativa de alcançar o nível de descrição satírica comum à época em que as pessoas ainda se divertiam lendo crônicas em jornal, especialmente os textos de Sergio Porto, Fernando Sabino, Luis Fernando Veríssimo e até Chico Anízio que lançou algumas coletâneas do gênero.

Maria Nilce, Djalma Juarez Magalhães e o perfil do famigerado gourmet Ferrinho


Ao pesquisar livros sobre história do jornalismo no Espírito Santo, a impressão que se tem é que muita gente preferiu esquecer (ou resolveu apagar da memória) que muitas das histórias contadas em tom de deboche por Maria Nilce em seus livros e em sua coluna diária, além de serem boas, eram muito lidas e populares. A descrição encontrada da obra produzida pela jornalista em seus mais de vinte anos de carreira é geralmente depreciativa e reprovadora, descartando a existência de qualquer traço de qualidade o que é estranho e carece de melhores considerações.

Festa de arromba na Boate Mario's o lançamento foi um sucesso


O fato pode ter a ver com os tempos bicudos que vieram após o assassinado da colunista, afinal, falar bem dela implicaria em se indispor com um poderoso grupo que tomou de assalto o Estado do Espírito Santo e que até os tempos atuais ainda goza de bastante prestígio e influência. Por outro lado, antes disso, uma das classes mais atacadas, ridicularizadas e reiteradamente desafiadas por Maria Nilce foi justamente a de seus colegas colunistas e jornalistas capixabas, porque ela os considerava uns “desfibrados” subservientes às pretensões de endinheirados de passado nebuloso.

Com o colega no colunismo social Luiz Eduardo Nascimento que, curiosamente, faleceria no mesmo dia que Maria Nilce. Foram amigos até o fim, a jornalista o visitou no hospital na véspera do crime que a vitimou.


A crítica feita por Maria Nilce ao tom do jornalismo capixaba não foi um fato isolado e mesmo hoje sites como o do Século Diário repetem   acusações semelhantes. Porém alguns jornalistas considerados importantes na imprensa capixaba realmente não concordavam com o tom ácido e iconoclasta de Maria Nilce, considerando seu trabalho vulgar e antiético. Colocando, porém, em uma balança a atuação da colunista e a resposta covarde do grupo que arquitetou seu assassinato, de maneira também antiética a maioria dos tais “grandes jornalistas” preferiram se omitir inteiramente. 

Difícil é determinar qual atitude foi pior...