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terça-feira, 27 de março de 2012

ENQUANTO SE PENSAR ASSIM, ASSIM VAI SER...

No último fim de semana (23 a 25 de março) aconteceu no Sesc Praia Formosa – Aracruz, o Primeiro Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais do Espírito Santo. O evento foi promovido pelo Instituto Sincades e realizado pela Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo com apoio do Arquivo Público Estadual. Foram seis comunidades reunidas com o objetivo de promover a elaboração de uma carta contendo, entre outras coisas as reivindicações específicas de cada grupo.

Um dos efeitos mais significativos e imediatos da realização do encontro foi a diminuição do estranhamento que era visível na fala de todos representantes entre estes: ciganos, quilombolas, pomeranos, pescadores artesanais, indígenas e comunidades de terreiro. Brasil de vários Brasis, gentes e costumes muito diferentes, etnocentrismo, preconceito, tudo foi visto, revisto e debatido entre os grupos e dentro destes também.   

A idéia de reunir essas vertentes em um mesmo ambiente provou ser mais do que interessante: demorou. Entre o grupo dos pomeranos, havia uma pessoa - apresentada como um estudioso - que mencionou e condenou o “estereótipo” criado em torno de sua cultura. Não nomeou, mas é fácil identificar a questão da língua, a religião, o casamento etc. É óbvio que “os pomeranos” são hoje muito mais do que isso, mas talvez não o seja para a mídia e até para um grupo muito grande deles mesmos.

Em Santa Maria de Jetibá – o município mais pomerano do Brasil -, fala-se muito em “produção cultural pomerana”. É interessante descobrir que alguns estudiosos, dentre os próprios descendentes, se incomodam com a maneira esteriotipada como são vistos. Talvez, porque existe uma diferença entre produção cultural e preservação de traços de uma cultura. Ambas são importantes, porém, dentro de uma idéia de produção cultural pressupõe-se “criação” de algo novo, é como a moda que é reflexa de seu tempo. Na abertura do segundo capítulo do livro “Fuga de Canaã” de Renato Pacheco, há a seguinte epígrafe:

“Não há (no Espírito Santo) comunidades aldeãs, e sim sítios isolados meia hora uns dos outros. Proprietários rurais, na maioria, e portadores de um patrimônio cultural relativamente pobre, os pomeranos se ajustaram a condições que sugeriam uma aproximação da organização econômica cabocla, pelo menos no que se refere às técnicas agrícolas.

Não é, portanto, a cultura pomerana que encontramos atualmente no Espírito Santo, mas apenas traços dessa cultura, quer dizer, aqueles que, por uma série de razões, resistiram ao processo de mudança cultural”.

(Emílio Willems, A aculturação dos alemães no Brasil, São Paulo, 1946, p.74,94 e 159).    

 Será que o pomerano vive de Schapps e Concertina em casamentos com trajes típicos e Casas Enxaimel?

É preciso entender que não existe, por exemplo, uma moda pomerana. Existem reproduções esmeradas de trajes típicos usados pelos antepassados e assim é com a música e tudo o mais. Esse grupo tem que considerar que o poder público ajudou a criar - junto com a mídia e outros - uma imagem de orgulho em torno da “cultura pomerana” que, apesar de importante, não valoriza, e por isso não busca instrumentos para o desenvolvimento e o surgimento de novos bens culturais, mas apenas a reprodução de um passado que as pessoas de hoje imaginam e acham que com isso estão cumprindo sua missão. A questão é: Será?

domingo, 18 de março de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: PRECONCEITO FUNCIONAL

Depois que fiz o texto sobre o documentário Os Pomeranos - postei em dois blogs, fiz uma chamada no Facebook, no Twitter e enviei por email para mais de mil e duzentos contatos - fui abordado por um sujeito irado (não no sentido de “muito legal” hoje usado pelos jovens) o cara estava indignado...

- Meu amigo como é que você publica um texto preconceituoso desses no seu blog? Sabia que você é muito lido? Tem que ter responsabilidade com o que escreve!

- Errr... – Fiquei sem ação, né? Por essa eu não esperava. - Não tive intenção de ofender ninguém amigo, muito menos os Pomeranos, povo que eu admiro.

- Quê pomeranos o quê? Eu to falando é do preconceito com os negros, aquela coisa de cabelo pixaim que você colocou lá!

- Ah tá... Pô, você quase me assustou. Aquilo é uma citação, você não viu as aspas?

- Citação o quê rapaz? Chamou de negro, de lábios grossos, só faltou falar que o cara era mascote do Framengo!

- O que eu quero dizer é que não fui eu que escrevi e, além do mais, o texto foi escrito em outra época. Reclama com a Gazeta, eles até ganharam um prêmio nacional...

- É o quê?

- Olha cara – Agora de saco cheio e a fim de dispensar o chato - não faço idéia de quem você seja, nem tenho culpa se você é analfabeto funcional.

- Você tá me chamando de analfabeto? – Indignado, muito indignado! Dava pra ver os miolos do cara fritando do outro lado da linha...

- Claro que não, mas evidentemente você não consegue interpretar o que lê. É curioso, antigamente você seria apenas classificado como burro, mas hoje, com essa coisa de politicamente correto, o mais adequado é analfabeto funcional mesmo...

- Você tá me chamando de burro, seu merdinha? Eu vou partir sua cara!

- Evidentemente, o argumento dos ignorantes é sempre esse o de partir pra porrada.

O misterioso heterônimo desligou furioso na mesma balada em que eu liguei o dane-se, pra não dizer outra coisa. Fiquei pensando como os tempos mudam e aquele jeitão preconceituoso “normal” de outras épocas hoje é tão mal visto. É um problema quando abrimos mão do humor negro (e isso é também preconceito). Ficamos menos bobocas, mas também bem menos gostosos, não é verdade? Bom domingo a todos...

sexta-feira, 16 de março de 2012

OS POMERANOS QUE VIERAM DE AVIÃO...

“Alguns anos atrás uma pomerana capixaba, loira de olhos azuis como todos de sua raça, conheceu um negro de cabelos pixaim, lábios grossos, pele e olhos negros. Meses depois ela entrou em pânico porque estava grávida. O menino nasceu mulato de olhos pretos e cabelo pixaim. Quando o marido chegou para conhecer o filho ela contou essa história: estava andando pela mata de repente encontrou um toco de árvore queimada, com o susto ficou grávida.”

Com apresentação de Maura Miranda e texto de Amylton de Almeida, assim começa o documentário que colocou em evidência para o Brasil os Pomeranos de Santa Maria de Jetibá, então um distrito do município de Santa Leopoldina. Parece estranho começar com uma piada, mas encontrar brasileiros que mal falam o português vivendo há mais de um século dentro do Espírito Santo, desperta espanto, uma óbvia curiosidade e alguma gozação. Uma história parecida já circulou pela Internet: um soldado Americano que passara um ano no Iraque reencontrou a esposa com um barrigão de seis meses. A moça explicou que engravidara ao assistir um filme pornô em 3D...

A então recém criada TV Gazeta empreendeu o documentário de 42 minutos que venceria o primeiro lugar no 1° Festival de Verão da Rede Globo. Filmado em 1977 e veiculado para todo Brasil no dia 2 de janeiro de 1978, Os Pomeranos é um raro registro de Santa Maria de Jetibá, cidade que se desenvolveu velozmente após terem chegado estradas asfaltadas, energia elétrica, e telefone. É até difícil acreditar, mas quando o documentário foi feito nada disso ainda havia por lá.

A equipe vencedora, que desbancou todas as outras retransmissoras da Rede Globo, recebeu um prêmio de 100 mil cruzeiros e quatro passagens para Nova Iorque. A direção geral ficou a cargo de Vladimir Godoy e a coordenação de Marcos Alencar, entre outros profissionais da época bastante conhecidos até hoje.

A Equipe realizadora de Os Pomeranos, né por nada não, mas o Marcos Alencar ficou a cara da Marly.
 O documentário abordou - e provavelmente - catalisou alguns ícones da cultura Pomerana como a cerimônia de casamento, a música de concertina e bandas de metais, a questão da língua, o aspecto religioso luterano e a dedicação do povo às lavouras que ainda fazem da região o principal fornecedor de hortigranjeiros para a Grande Vitória. Alguns registros valiosos estão eternizados como os depoimentos de figuras chave da região como Francisco Schwarz e Dalmácio Espíndula e até momentos pitorescos quando da entrevista de um colono com o seguinte diálogo:

- Ô Argeu você se lembra quando a sua família veio da Pomerânia pra cá?

- Não me alembro não.

- Mas nem de longe assim, você não tem recordação?

- De longe um pouco de recordação eu tenho, mas não muita. É pouca coisa.

- Você não sabe, ninguém nunca te informou nada quando é que eles vieram, alguma coisa?

- É... Isso eu sêo, de reformação como que eles vinham e tudo isso eu sêo sim.

- Como é que eles vieram pra cá?

- Eles vieram pra cá de avião.

- De avião é? – Nesse momento dá pra ver que o repórter (provavelmente Vladimir Godoy) está segurando o riso.

- De avião. – O pior é que o tal Argeo respondeu com toda segurança e peculiar simplicidade. Nesse momento não fica claro se a intenção era mostrar o isolamento do indivíduo ou, de novo, fazer piada com a ignorância do pomerano. Porém, esse tom desafinado com nossos tempos politicamente corretos, deve ter sido um gancho interessante para captar a audiência da época. Os Pomeranos é um documentário, por tudo isso, que deveria ser reapresentado nos dias atuais e até revisitado, comparando lugares e a trajetória das pessoas mostradas. Afinal, por mais que a região tenha mudado, as pessoas ainda estão por lá e, senão elas, estão seus filhos e netos que ficariam muito felizes de conhecer essas preciosas imagens.