JUVENÍLIA VIII
Parti, parti, mas minha alma
Partida ficou também
Fagundes Varela
Era seis e meia de uma noite chuvosa de sexta-feira, o trânsito estava cada vez mais uma porcaria, especialmente na altura da Reta da Penha e se espalha por todos os cantos. Peguei a Leitão da Silva e fiquei agarrado meia hora, acabei chegando atrasado e, acreditem ou não, sou um cara pontual, detesto esperar e do mesmo jeito não gosto de fazer as pessoas esperarem por mim. Conheço pessoas que são diferentes disso: acham que o atraso valoriza, que a expectativa faz parte de um culto. Lembro especialmente de um cara – ainda vou escrever um livro sobre ele - que beirava a piração, tinha verdadeiro prazer em ver todos esperando por sua vagarosa pessoa. Outra vez um rábula me confessou que fazia todo mundo que ia a seu escritório esperar, mesmo que não estivesse fazendo nada, sempre fazia uns quinze minutos de cera até atender quem fosse, me disse que era importante fazer isso.
É incrível como dou voltas enormes pra chegar onde queria ir inicialmente... É foda, vou lembrando de coisas, de pessoas, juntando peças desse nosso quebra-moleiras diário, tentando dar a versão definitiva dos fatos, mesmo sabendo que isso não existe, que é impossível dizer o que é ou o que não foi. No DVD tá rolando Shine A Light com os Stones, eles e suas faces encarquilhadas, eles que me parecem o supra-sumo do roquenrou. Diferente dos filmes antigos da banda onde aparecia sempre muito reservado, Keith está sorridente e brincalhão, com um lenço meio esculhambado na cabeça e uns penduricalhos, parece um desses tiozinhos falastrões que a gente encontra de vez em quando em eventos de cultura. Pessoas ávidas para contar histórias e fazerem a gente ver o quanto elas conhecem coisas e são importantes, talvez sintam a morte que se aproxima...
Quando somos jovens não sentimos essa proximidade da morte, mas muitas vezes futucamos seu rabo. Foi numa segunda-feira ansiosa que recebi a notícia de que minha mãe – morta há vinte anos – havia nos enviado uma carta psicografada. Não relutei em a receber, fiquei realmente curioso. “O que será que minha mãe teria para me dizer após tanto tempo?” Levando-se em consideração que a carta tinha me chegado através de uma pessoa confiável e que seu conteúdo em nada lembrava minimamente aquela pessoa de personalidade icebérguica, fiquei contente com alguns aspectos do que aquela voz imaterial me dizia. Falava em sua imprudência e inviligancia e muitas vezes não damos valor a essas características caretas, desvalorizadas em nossa sociedade competitiva que tanto valoriza a coragem, a ousadia e a velocidade. Um grande amigo acaba de perder um irmão por conta disso, dessa forma como nos espatifamos de encontro à face do mundo. Talvez sejam essas coisas de agosto, mês difícil de atravessar sem essas avarias profundas...
Acabo de ler que Maurício de Oliveira que tem 85 anos sofreu um enfarte, mas está se recuperando bem, a nota ressalta que ele é o maior músico vivo do Espírito Santo... Tô pra te dizer que nesse nosso complicado mundo musical foram muito poucos como ele, espero que seu valor seja devidamente reconhecido agora e sempre. Tantas pessoas importantes daqui são solenemente ignoradas, nunca entendi porque deram o nome de Airton Senna para aquela ponte nova da Praia do Canto. Não que o conhecido piloto da Fórmula Um não mereça homenagens, mas não me lembro de tê-lo visto por aqui nem uma só vez, qual a sua relevância em nossa trajetória? Tantos dos nossos jazem esquecidos, não vou fazer uma lista...
Quando comecei a escrever esse texto eu queria falar de outra coisa, mas os últimos acontecimentos me deixaram à deriva, perseguido por esses pensamentos funestos. Viver é perigoso, viver não é fácil. Alguém disse que a vida não é para principiantes e hoje já começo a me considerar um veterano. Quer uma lição para pensar em casa? Quando você for derrubar coqueiros, tenha cuidado para que um de seus frutos não lhe caia pela cabeça.
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