Eu não sei, mas alguém
deve saber, onde começou a fama do baiano, enquanto indivíduo, ser o modelo preguiçoso
do Brasil. Sei “apenasmente” que um dos principais ícones desse jeitão
descansado sempre foi o mestre Dorival Caymmi, como bem relata Arnaldo Jabour:
“O letrista compositor e intérprete baiano era conhecido como pai da preguiça.
Passava 4/5 do dia deitado numa rede, bebendo, fumando e mastigando. Autêntico
marcha-lenta, levava 10 segundos para percorrer um espaço de três metros. Pois
mesmo assim e sem jamais ter feito exercício físico viveu 90 anos”.
Henrique Cazes, em seu
livro de causos musicais - “Suíte Gargalhadas” (Ed. José Olympio 2002) – conta que
a cantora Cristina Buarque, irmã do Chico, foi a Salvador para algumas
apresentações e depois da estréia tomou todas com os sambistas locais. No dia
seguinte, estendida na piscina do hotel, amargava uma rebordosa de fazer inveja
a Heleninha Roitman. Vendo os coqueiros em volta pensou: “água de coco é um
santo remédio pra ressaca”. Chamou um rapaz que lhe mandou o peculiar: “tem
não”. A cantora protestou: “Como assim? Olha esse monte de coqueiro!” E o rapaz
apenas respondeu: “Ô dona, peça não”...
Encerrados os
preâmbulos introdutórios, porque este é o tutorial de uma piada, passemos logo
aos “finalmentes”. Domingo passado, tive a honra de apresentar o espetáculo
Maria Maria em homenagem ao dia internacional da mulher no Theatro Carlos
Gomes. Para quem não sabe, essa é uma produção muito bacana, protagonizada por
várias cantoras e músicos da nossa praia capixaba e dirigida pela muito querida
Simône “Diva” Devens. A cada ano o espetáculo aborda a obra de um compositor da
nossa MPB e a bola da vez agora é o símbolo da baianidade conhecido por cantar
a Marina morena e outras mulheres. Vai guardando...
Baixei e saravei no Teatro
no final da passagem de som e fui aos bastidores me inteirar dos detalhes para
configurar o meu “script”. Lá me apresentaram a um rapaz muito solícito e
explicativo que só não me disse o que e como eu deveria falar, porque isso eu
já sabia, mas tem “gente que faz”. Ô se não tem... Em seguida me passou um
microfone sem fio já com a luzinha verde acesa e tudo mais. As coxias da
direita estavam tomadas por uma espécie de ala de baianas, algumas faziam
orações e aparentavam o nervosismo de quem está prestes a pisar num palco
importante. Quando finalmente soou o terceiro toque da campainha me dei como ok
entendido e nem testei o microfone, caminhei tranquilo e confiado até o centro
do palco...
A plateia estava quase
lotada, mesmo ainda na penumbra as pessoas já haviam percebido minha presença.
Logo veio de cima, do quarto ou quinto andar, um canhão de luz baixando em
minha direção e para provar a máxima de que tudo que pode dar errado dá, assim
que a luz banhou minha sonora silhueta, fui falar e o som não saiu. Sorri
amarelo ovo, dei aquele tapinha no microfone e nada. Olhei de lado, o
contra-regra desaparecera, mas não por muito tempo, logo havia um monte de
gente correndo pra lá e pra cá e nada do microfone ligar. Nesse meio tempo o
iluminador desligou o canhão de luz, aproveitei a deixa e fui saindo do palco de
mansinho, as baianas estavam solidárias...
Dos dois lados das
coxias os rapazes testavam outros microfones, o show contava com umas dez
cantoras e tudo tinha parado de funcionar! No meio da confa ouvi alguém perguntar
indignado: “Mas cadê o cara da mesa”? Pois é produção, no “house mix” não tinha
ninguém. O “engenheiro de som” devia ter saído para fumar um cigarrinho
justamente na hora do espetáculo começar e para impedir de algum futucador vir
estragar seu trabalho desligara até o cabo da parede. É curioso como é comum
acontecer desses desaparecimentos, não pode ser coincidência.
Depois do pânico e da
correria ligaram-se os microfones e volto eu para o palco pensando, o cara de
mesa deve ser baiano e foi nessa que me ocorreu a ideia de fazer uma pequena
brincadeira...
- Boa tarde pessoal.
Vocês viram que nós tivemos alguns problemas com o som, não é? – era possível ver
várias pessoas na plateia concordando com o óbvio - Pois sabem o que aconteceu?
– Pausa para criar suspense - É que o pessoal da produção descobriu que os
microfones estavam ligados no modo Dorival Caymmi...
Quase ninguém riu Lombardi!
Apenas uma sonora gargalhada ribombou lá de trás do teatro, era daquelas que o
cara ri mais forte ainda quando vê que riu sozinho. Deve ter sido meu amigo
Godinho, que vi de relance quando entrei apressado, querendo ser solidário com
o apresentador. A ousadia de fazer graça com o homenageado não colou, mas não chegou
a ser nenhum vexame. Emendei direto no texto e logo o palco estava repleto da
música do Caymmi e de alegorias baianas. Piada boa a gente não tem que explicar,
sabe? Mas quem sabe com essa pequena croniketa de domingo eu não consigo ao
menos iluminar um sorriso preguiçoso no canto dos lábios de vocês...
Juca Magalhães escreve
todo domingo para o blog A Letra Elektrônica, é autor do Livro do Pó e da
Biografia da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo, intitulada Da Capo. Também é
Mestre de Cerimônias da Prefeitura de Vitória e apresentador oficial de quatro
edições do Festival de Inverno de Domingos Martins.