Vitorinha dos anos
oitenta, ilha maluca de gente metida a muderna. Fim da ditadura, morte de
Tancredo e a besta do Sarney que virou presidente. Bom, nem sei se o Sarney era
mesmo uma besta, mas na época eu achava. De besta aquele cara não deve ter é
nada. Besta somos nós, especialmente bestas éramos naquele tempo.
Eu respirava os ares
de uma cidade que não existe mais, porque o tempo passou. As ruas e esquinas, os
meninos e as meninas, uma incerta vida mansa. Eu queria ser tudo, achava que
podia tudo, tentava engolir o mundo e acordava de ressaca, muitas vezes sem
saber como tinha chegado, onde estava, ou quem era a garota do meu lado.
Sobrevivemos, aliás,
muitas vezes tenho a impressão que somos sobreviventes. Porque pessoas vão
ficando pelo caminho e aí descobrimos que a festa estava acabando, aliás,
naquela época Renato Russo disse que “o pra sempre, sempre acaba” e eu não
concordava, achava o cantor da Legião um cara meio besta também.
Eu queria alcançar o tempo,
ultrapassar minha sombra, amarrar o burro, mas meu próprio querer atrapalhava.
Saía para vagar de noite atrás de uma determinada paquera específica e acabava passando
o rodo noutra que tinha, aliás, um provérbio muito citado era: “se não tem tu, vai tu mesmo”.
A cabeça era povoada
de ilusões, grandes e pequenas, abismos e confusões; o bom era “ducaralho”, o
ruim uma “putamerda”. Detestava competição, achava que algo tinha que ser meu
por merecimento ou destino e que se pudesse ser de outro não merecia o trabalho.
Talvez fosse medo de perder, de falhar, daí perdia até sem disputar.
Com o tempo entendi umas
coisas, outras acho que jamais deve rolar: as pessoas que se vão em vida, a
crença religiosa em coisas materiais, o mundo real que, aliás, não sei mais se
existe de verdade. Contatei que a mentira tem pernas curtas e que muitas vezes
nos ajuda, o que atrapalha é persistir no erro.
Falando naquilo, um
dia aprendi que só a persistência e a disciplina nos levam a algum lugar sólido
e nos liberta da imaginação do que podia ser, mas... Depois de muito matutar
saquei que desenvolver habilidade leva tempo, descobri também que ninguém
nasceu sabendo nada e que, por outro lado, certas coisas não se aprendem.
Eu não podia andava e tentei
voar... Eu sei, foi John Lennon quem disse isso. Talvez estivesse fazendo um
balanço de expectativas como o que faço agora. Seguindo o pensamento musical,
hoje de manhã estava no banho e lembrando os discos que mais marcaram minha
infância e pré-adolescência, uma lista “top dez” com quase vinte:
1. Sweet “Sweet Fanny Adams” (1974)
Acho que foi o disco
que mais ouvi na infância, era rock glam ou glitter, meio farofa, mas as
músicas e os músicos eram muito bons. Os caras passam a impressão de que podiam
fazer muito mais do que estavam fazendo e que, o mais legal de tudo, aquilo era
apenas uma baita diversão.
2.
Rita Lee “Fruto Proibido” (1975)
Tenho saudade dos ares
que a gente respirava ao ouvir esse disco, aquela bateria datada, pra mim é o
melhor dos anos setenta.
3.
Bob Dylan “Desire” (1976)
Sempre adorei aquela
pegada folk da canção Hurricane, é
engraçado pensar que a gente não sabia da grande sacanagem que o Bob denunciava
na letra.
4.
Milton Nascimento e Lô Borges “Clube
da Esquina” (1972)
Esse é pra ouvir da
janela lateral do quarto de dormir... Acho que é o disco brasileiro que mais me
influenciou.
5.
Deep Purple “Stormbringer” (1974)
Como no caso do Black
Sabath e do Led Zeppelin, não é o disco mais famoso da banda, mas é o que tinha
lá em casa, fui abduzido pela osmose musical dos caras.
6. Led Zeppelin “Physical Graffiti” (1975)
Eu viajava naquela
capa com as janelinhas, lembro do disco ficando velho, da capa rasgando...
7. Genesis “Selling England By The Pound” (1973)
Tinha uma propaganda
na televisão com uma galera andando numa cachoeira e entrava o piano com Peter
Gabriel cantando citizens of hope &
glory time goes by - it's 'the time of your life... Por essas e por outras
o piano é meu instrumento favorito.
8.
The Rolling Stones “30 Greatest
Hits” (1976)
É uma panorâmica muito
boa dos Stones e eu ouvi bagarái, a música que mais ficou na minha cabeça desse
disco, sei-lá-por-que, é Dandelion, que me remetia a uma parada meio
misteriosa. Not Fade Away eu toco até hoje, inclusive em rodas de violão,
depois fui descobrir que era um cover do Buddy Holly.
9.
The Beatles “Album Azul 1967-1970” (1973)
Duas coisas marcaram
profundamente minha infância e adolescência e eu as absorvi à exaustão: a
música dos Beatles e as revistas do Asterix. Chegou uma hora que enjoei: parei
de ouvir, de tocar e de ler. Agora, chegando perto dos cinquentinha, me deu a
doida de reler tudo do Asterix e estou me esbaldando de novo com o humor deles.
10. Black Sabbath “Technical Ecstasy” (1976)
É o disco do Sabbath
que eu gosto, os outros, alguns muito mais famosos, não me fizeram tanto a
cabeça.
11. Billy Joel “The Stranger” (1977)
Uma coisa que eu adoro
na música dos anos setenta é a forma de compor grandes canções, com mudanças de
andamento, de clima, como é o caso de Scenes
From an Italian Restaurant e a maioria das canções desse outro disco que
vem abaixo.
12. Supertramp “Crime Of The Century” (1974)
Agora a gente tá
falando de piano. Esses dias eu peguei um show do Supertramp pra ver e estava
reparando que nunca, mas nunca mesmo, eles fazem um slide, o tal do “glissando”. Saca? Aquela compulsão
irresistível de escorregar os dedos pelas teclas? Rick Davies não cai nessa, o
cara é o melhor pianista do Rock’n’Roll...
13. The Who “Tommy” (1975)
Pode parecer incrível,
mas nessa época o Fantástico já existia, só que era com Cid Moreira e aquela
voz de além túmbalo e passou um videoclipe do Elton John tocando Pinball Wizzard. Pirei geral e mandei
logo um daqueles “pai compra esse disco
pra mim!?” Acho, aliás, que foi o primeiro disco que ganhei...
14. Primeira Trilha Sonora “O Sítio do
Pica Pau Amarelo” (1977)
As canções são tão boas que, curioso,
nunca tive coragem de tocar. Também, quem é que consegue reproduzir aquele
violão do João Bosco na música do Visconde? Adoro muito aquela música que fala
assim “Pêxe! Dêxeu te ver pêxe!” Suspeito hoje que fosse pura viagem de maconha,
bem no estilo dos anos setenta...
15. Trilha sonora do filme “Embalos de Sábado a Noite” (1977)
Quando ameacei entrar
na adolescência explodiu a onda Disco, então rolava Donna Summer, Village
People, Santa Esmeralda (credo!) e canções como “Love is in the air” e “I
Will Survive”. Lembro de uma música meio pesada chamada Like a Locomotion
que tocava muito nas noitadas do Clube Centenário que era perto de nossa casa. Mas
de todos o filme Saturday Night Fever
e sua trilha sonora mais-vendida-de-todos-os-tempos foi o que morou de aluguel
nos nossos ouvidos por mais tempo.
16. Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo
(1972)
Chico Buarque e Milton
Nascimento eram os “artistas” preferidos de mamãe. Pelo menos são os dois que
mais me lembro dela cantando e ouvindo. Papai gostava muito dos Demônios da
Garoa, mas não lembro qual disco tinha lá em casa. O velho comprava fita
cassete também, tinha uma dos Demônios que a gente ouvia indo para a praia em
Manguinhos. Aquela música da “laranja madura na beira da estrada” eu achava que
os caras cantavam “capixaba Zé contém
maribondo no pé”.
17. Simon And Garfunkel’s Greatest Hits
(1972)
No ano passado caiu no meu colo
a partitura de uma transcrição fiel, portanto difícil, do arranjo para piano de
Bridge Over Troubled Water. Toquei,
mal e porcamente, admito, numa apresentação do Algazarra. O Concerto no Central
Park é imperdível também, um tempo atrás descobri que foi filmado e pirei o cabeção...
Lembro de muitos
outros discos que não conseguiria identificar exatamente, mas que não me
marcaram tanto assim, tipo o “Frampton Comes Alive” ou os inevitáveis do “Rei” Roberto
Carlos. Tinha um álbum duplo de sucessos do início do Rock’n’Roll com Rock Around The Clock do Bill Halley e
outras do Elvis, The Everly Brothers, The Platters, Little Richards, Chuck
Berry e mais um monte.
É como se eu pudesse
ver agora alguns discos da coleção “Os Clássicos Mais Populares do Mundo”, com
uns gatinhos na capa, que papai ouvia super compenetrado olhando para o nada. Ele
gostava muito também de música “romântica”, especialmente francesa (Piaf e Charles
Aznavour) e italiana (Ornella Vanoni). Rolava muito aquela música “Love Is All” o cara tinha uma voz de
tenor rasgadássa que todo mundo achava foda. Mas foda mesmo, camarada, era ter
que escutar. E Zé fini!