Depois que parti para a
carreira solo da vida jamais pensei ter em casa algum animal de estimação. Não
tinha sequer opinião negativa ou positiva a respeito e Alice – em nossos quase
dez anos de relacionamento - de vez em quando dizia querer um gatinho. Eu até
aceitava a ideia enquanto coisa, mas soava distante como uma viagem a Europa ou
voar de parapente. O Rodrigo, colega de trabalho, tem dois gatos e dizia que o
legal é que, diferente do cachorro, o felídeo (Eita!) não dá trabalho nenhum.
Ouvi aquilo desconfiado
como um fedelho diante de um prato de buchada...
Breve eu descobriria mais
umas e outras coisas sobre os “pets”. Senão, vejamos: é importante, por
exemplo, a maneira como o bicho entra em cena. Nunca me passara pela cabeça,
mas tem gente que condena o comércio de animais de estimação, afinal, se trata
de uma vida e não de uma mercadoria. Então, quando esse personagem estreou no
final de nossa oitava temporada, uma das primeiras perguntas era se o gato fora
comprado ou adotado e rolava uma satisfa quando contávamos sua peluda saga...
Era uma vez uma família
que morava em Alvorada. Uma noite, em sua porta, apareceu um gatinho maltratado,
faminto e bastante machucado. O bicho parecia ter se metido em alguns arranca
rabos e passado maus bocados. Foi acolhido com um carinho danado, mas não podia
ser adotado, afinal, na casa moravam já outros dois gatos e perigava começar a
terceira guerra territorial. Começaram então uma campanha de adoção e as
fotogênicas imagens do bichano inundaram o telefone de Alice... Até que um dia
veio a decisão, dita com um pouco de receio: vamos pegar esse gato pra gente?
Primeiro registro do gato Simba em sua nova casa |
Confesso que não tinha
nada contra, mas, veja bem: muito menos tinha algo a favor...
Na hora do encontro
fomos recebidos por uma solene comitiva familiar, uma senhora e duas mocinhas,
era início da noite, dia 3 de agosto naquele ano em que a Dilma, o PT, o PMDB e
sei-lá-mais-o-quê quebraram o Brasil. O gato vinha no colo da matriarca e tive
impressão de que o bicho me olhou com desconfiança recíproca, se voltando bem para
o outro lado. A mais jovem comentou que o felino parecia um leão, na mesma hora
veio o nome na minha cabeça “Simba”! Mas não falei nada, afinal a adoção do
gato era iniciativa de Alice que a essa altura já acarinhava o bicho no colo...
Valente como os grandes
felinos de sua espécie, ao chegar em nosso apartamento o diabo do gato
imediatamente elegeu o fundo da máquina de lavar como trincheira e esconderijo
e de lá se limitou a vigiar nossos movimentos. Dava para ver apenas a pontinha
do focinho e os olhinhos amedrontados, do esconderijo só saía para comer a
ração. Mais tarde tomou coragem de explorar a casa, descobriu um buraco embaixo
do sofá na sala e ali passou a se encarapitar.
Foi com uma
dificuldade danada que o arrancamos do novo esconderijo para levar ao
veterinário no dia seguinte e lá, coitado, tomou vacina, teve as garras
aparadas e – last but not least – temperatura medida. Na volta para casa o
bicho estava amuado, pasmado e ligeiramente estuprado. Demonstrando raciocínio
inteligente, nem dentro do sofá se enfiou mais, construindo, aliás, uma curiosa
relação de causa e efeito.
Após conviver pela
primeira vez com um bicho dentro de casa, confesso, foi passando o
estranhamento e gostei muito, mas muito mais do que esperava. Quando dei por
mim já estávamos assistindo televisão juntos, fazendo videocassetadas e tirando
altos cochilos no sofá. Descobrimos depois, da pior maneira possível, que os
gatos dormem pra caramba de dia porque têm hábitos notúrnicos. Mas minha maior surpresa
foi constatar que o bicho se utiliza de uma forma de comunicação bastante clara
e eficaz.
Simba desfrutando a parte externa de seu esconderijo predileto |
Quando da adoção uma
das meninas falou que aquele era um bichinho muito obediente, gostava de
brincar e que se pedisse comida era só a gente dar. Pensei que fosse viagem.
Imagina, vai pedir comida como? Pois não é que pede? O gato mia e olha pra
gente, vai até a vasilha de comida, mia de novo e fica olhando pidão. Só falta
falar: “ô cara pega esse saco vermelho de ração e bota uma comidinha aí pra
mim”. Depois de alimentado fica numa satisfa doida e passa a realizar tocaias e
caçadas imaginárias da sala pro quarto, da cozinha pro banheiro, correndo e
derrapando pela casa.
Depois de umas semanas
senti o felino adaptado ao novo habitat como fora mesmo a sua selva, ao invés
de correr apavorado para se esconder passou a receber gente estranha com sua
curiosidade olfáctica característica. Demonstrou, inclusive, certa predileção
pelas visitas femininas... E essa é outra das coisas que aprendemos sobre os
animais de estimação: a onda de castrar. Honestamente, ainda não tivemos
coragem de mandar as bolas do nosso gatinho maluquinho pro cadafalso.
O dia em que Simba encontrou o seu lugar ao sol |
Alice ainda não
conseguia decidir como chamar o filho adotivo e o apelidou de Zebulom, filho de
Jacó, mas não sabe explicar por que, era uma espécie de piada pessoal. Como
quem não quer nada dei ideia de chamar o gato de Simba e uma hora pegou. Sinto agora
que sua denominação poderia ser outra, mais adulta. Do canto de seus olhos saem
traços que parecem maquiagem de egípcios, um treco sobrenatural. Hoje eu o
chamaria de Mister Crowley, Bubastis ou Bastet. No fim, o nome nem é tão
importante, o bacana foi a surpresa dessa nova alegria em nossas vidas.
Escrevi esse texto
como uma forma de registrar a adoção que realizamos com um receio danado e que depois
nos trouxe tantos momentos especiais. Escrevo agora mesmo com o Simba correndo pra lá e pra
cá. As pessoas que confiaram essa vida em nossas mãos tiveram medo também,
afinal, não nos conheciam, e o bicho homem – esse sim - é um danado ardiloso. As
feiras de adoções de cães e gatos acontecem regularmente, então, se você quer
adotar um animal e está na dúvida, eu digo: não perca mais nenhum segundo.
Simba posando para uma selfie com sua nova família |
A receita para sermos felizes e começarmos a
pensar em termos um mundo melhor e menos violento é cuidar que outros possam
ser felizes também...