Na
primavera de 1978 o escritor José Carlos Oliveira (1934-1986) veio se esconder
em Vitória para tentar dar um tempo das esbórnias no Rio de Janeiro. Ficou
hospedado na residência oficial do Governador do Estado, seu dileto amigo Élcio
Álvares, por quem tinha grande respeito. Vide o que diz na página 103 de seu Diário Selvagem:
“Élcio se deitou na cama ao lado da
minha às 21h e percebi sua ansiedade. (...) ele morre de medo de voar. (...)
Decidido: se for só, irei com ele para lhe dar apoio moral. É o mínimo que
posso fazer por esse amigo que desde os 15 anos se mostra psicologicamente
cristalino. O bom e honrado rapaz (...) ele guarda as virtudes da adolescência
(...) cego e surdo à malícia, à perfídia, à natureza maligna do outro.
Desconheço de que maneira se esgueirou entre os demônios em Brasília e alcançou
o Palácio Anchieta contra toda expectativa.
Carlinhos
diz não saber, mas – pág. 122 - acabou fornecendo uma pista para responder esta
questão:
“Atenção: D.J.M., marido de M.N. e preterido pelo Élcio quando desejava
ser vice-governador, é agente do SNI ou DOPS ou DOI-Codi, ou tudo ao mesmo
tempo.”
Segundo
o casal dono do Jornal da Cidade (matutino extinto após o assassinato de Maria
Nilce em 1989), Élcio se “esgueirou entre os demônios de Brasília” através da
influência de Djalma Juarez Magalhães (O tal D.J.M.), com a promessa de apontá-lo como vice (Segundo artigo de Ueber José de Oliveira: o Presidente da República concedia a prerrogativa ao governador para pessoalmente escolher o seu Vice). Sabe-se-lá-porque Élcio Álvares "preteriu" o jornalista e acabou apontando Carlos Alberto Lindenberg "Carlito" Von Schilgen (1927-1992).
http://www.periodicos.ufes.br/dimensoes/article/viewFile/6160/4501
Maria Nilce deixou
um texto em que diz que nesse período Élcio “tinha tanta liberdade em sua casa
que até a porta da geladeira abria.” Entretanto, imediatamente após garantida a nomeação,
o novo “Governador Biônico” deu as costas ao casal do Jornal da Cidade. Numa jogada
clássica: seduziu, prometeu e depois: “bananas”. Ao contar a história vindo "do lado de lá" e mencionar o eufemismo
“preterido” Carlinhos trivialmente confirma esse fato. Mas será que Djalma
Juarez Magalhães tinha mesmo toda essa influência em Brasília?
D. J. M. E OS REVOLUCIONÁRIOS DE 1964
Autor
de dois bons romances - “Lama no Ventilador” (1973) e “O Anti-cristo” (1975),
disponíveis em sebos de várias partes do país - Djalma demonstrava admiração
pelos militares “revolucionários”, mas ele não era o único. Nascido em 1930,
filho de Fernando Haeckel de Magalhães - gráfico de alguns jornais do Rio de
Janeiro e da Revista Manchete – o escritor e os jovens daquela geração
acompanharam aflitos as notícias da 2º Grande Guerra, os feitos da Força
Expedicionária Brasileira, a tomada do Monte Castello, a vitória dos aliados. Nos
“anos dourados” que se seguiram aqueles Marechais e Generais patropis seriam
vistos como heróis nacionais, homens que encarnavam de fato o ideal de “morrer
pela pátria e viver sem razão”. Os longos anos de chumbo mudariam isso tudo...
Segundo
o jornalista Rogério Medeiros, o Jornal A Tribuna - do qual Djalma foi diretor
até o final da década de 1960 - foi o único de Vitória a apoiar o que o
exército chamava de “Revolução”, mas que até a Igreja Católica era favorável ao
golpe. Veja um trecho do que o jornalista do Século Diário diz sobre o assunto:
“Em que pese a contribuição da Igreja
em favor do golpe no Estado, o destaque maior era o jornalista Djalma Juarez
Magalhães, que dirigia, na época, o jornal "A Tribuna.”
Ao
apoiar a “revolução” Djalma mostrara idealismo, mas - como dizia Rogério
Medeiros - sua participação fora panfletária, o escritor e jornalista não era
membro do Exército; apenas acreditou que naquele momento o golpe era o melhor caminho
para o país. Rogério lembra que no dia seguinte toda a imprensa capixaba se
transformara: “A Gazeta virou golpista no dia dois de abril, tirou a direção (o
diretor era Eloy Nogueira da Silva), botou o General (Darcy Pacheco de Queiroz,
cunhado de Carlos Lindenberg) e tirou o Cariê”. Em Brasília, o alto comando
militar confiava em Djalma, portanto, sua opinião quanto ao futuro governador
de seu Estado, em alguma instância, deveria ser realmente relevante.
Maria
Nilce lembra, porém, que a maior desavença do casal com o governador não fora
por conta daquela jogada clichê de prometer mundos e fundos para depois fechar
a porta. Em seu quarto livro, intitulado Postais de Minha Vida, a colunista
conta que Djalma - nascido em Vitória, mas criado no Rio de Janeiro desde os
cinco anos – acreditara realmente nas promessas do “amigo” e ficara tão
decepcionado que até pensava em voltar para a “Cidade Maravilhosa”. Maria foi
procurar Élcio Álvares, tentava também entender o que acontecera e pedir sua
ajuda. Descobriu, porém, que o governador nada tinha a oferecer além do mesmo jogo
de sedução barata em troca de promessas vazias:
- Élcio, o Djalma está muito decepcionado com você, que lhe prometeu
mundos e fundos e agora passa todo o tempo a evitá-lo. Pede a ele Élcio para
não ir embora.
Abismada, vi Élcio colocar a mão em
cima de minha coxa esquerda e me dizer carinhosamente: - Deixa ele ir embora. Deixa ele ir que a partir do dia quinze de março
vou tomar conta de você, vou fazer de você a dona deste Estado, vou fazer do
Jornal da Cidade o maior jornal deste estado.
Fiquei lívida. Primeiro, porque tinha
Élcio Álvares como um irmão e aquele procedimento não era de um irmão. Segundo,
eu fiquei decepcionadíssima, pois tinha uma enorme admiração por ele e
constatei naquele instante estar diante de um canalha.
EXÉRCITO DO BEM - EXÉRCITO DO MAL
Voltemos
à afirmação de Carlinhos Oliveira, hospedado na casa de um Governador Biônico
do regime militar, de que um declarado opositor do governo seria um agente secreto
do SNI ou coisa que o valha. Como pode ser isso? Os fatos históricos mostram
que havia forças conflitantes dentro do exército, resta descobrir com clareza
quem era do bem e quem era do mal aqui no Espírito Santo. Os arquivos do Dops –
hoje disponíveis para consulta - mostram que o casal do Jornal da Cidade fora
constantemente monitorado pelos milicos capixabas. Rogério Medeiros conta que
Djalma, mais de uma vez, sofreu com a perseguição do exército:
Tinha uma briga de grupo. O Djalma
tinha criado uma situação adversa para ele no 38º BI. Atuava como fosse uma
liderança do movimento militar e se ligava em cima. E os caras daqui ficavam
putos porque ele não dava confiança. Djalma jogava lá em cima, então os caras
armaram para prender Djalma. Ditadura meu amigo...
Ungido pelos militares, após "preterir" Djalma e ser empossado, Maria Nilce conta que Élcio Álvares usou de sua influência para secar as fontes de renda do Jornal da Cidade e depois radicalizou ao tentar sem sucesso enquadrar o casal desafeto
na Lei de Segurança Nacional, o que poderia gerar prisão de até seis anos (!) Não satisfeito, "aquele bom e honrado rapaz", em duas ocasiões mandou apreender a edição
inteira do periódico causando-lhes grande prejuízo. O fato foi arrolado no
inquérito dos “investigadores” do Dops sobre Maria Nilce Magalhães:
É
digno de nota o fato dos infames “Arquivos Confidenciais do Dops” não trazerem realmente
uma investigação. São alguns tópicos reunindo os mesmos comentários maliciosos
que circulavam pelos botequins e salões de beleza de Vitória, no melhor (ou
pior) estilo “onde tem fumaça tem fogo”. O “espião” não apresenta um documento contundente
sequer, a não ser as notas debochadas publicadas pela colunista. Uma inclusive
que mostra o quanto o “medo mortal de voar” que atormentava o governador - mencionado
por Carlinhos - já fazia parte do folclore capixaba. Ho... Ho... Ho...
Talvez,
por conta dessas “investigações” mal enjambradas o governador nunca tenha
conseguido meter Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães na cadeia. E olha que
ele tentou. Na pior (ou melhor) das hipóteses os militares ajudaram do ponto de vista histórico na elaboração deste texto, porque, após atentados a bomba e outros atos
terroristas, muito pouca coisa do acervo do Jornal da Cidade chegou aos nossos
dias. Foi uma agradável surpresa encontrar aquelas notinhas irreverentes colecionadas
a título de “alta espionagem” e, ainda por cima, com a chancela de "confidencial". Para maiores informações com relação ao
desaparecimento do acervo do Jornal da Cidade acesse o link abaixo:
A LENDA DA MULHER CORAJOSA E
GUERREIRA
Pesa
ainda contra o governo Élcio Álvares o fato de que os donos do Jornal da Cidade
não seriam os únicos perseguidos durante seu mandato. Em sua coluna de O Globo
do dia nove de agosto de 2014, a jornalista Míriam Leitão afirma o seguinte: “o início
da minha vida profissional foi tumultuado pela perseguição da ditadura. No
Espírito Santo, fui demitida de um jornal por ordem do governador Élcio Álvares”.
O jornalista Rubinho Gomes escreveu um excelente artigo para o site Século
Diário, rememorando este fato em detalhes:
Élcio passou a interferir diretamente
na redação de A Tribuna. Foi quando ele exigiu da direção do jornal a demissão
da jornalista Miriam Leitão (que havia sido presa em 1972) e outros que ele
considerava "subversivos", como o estudante de Medicina Gustavo do
Vale, o jornalista Jô Amado, o catarinense Nei Duclós, dentre outros. É bom
lembrar que Miriam e Gustavo haviam sido presos naquele grupo acusado de
integrar uma célula do PCdoB e que foi vítima de bárbaras torturas no quartel
de Vila Velha do 38º Batalhão de Infantaria, fato que acaba de ganhar
repercussão nacional, após anos de silêncio.
Com
esse panorama fornecido por Rubinho é possível perceber que os responsáveis
pela repressão militar no Espírito Santo pertenciam ao 38º BI e seguiam ordens,
fora o alto comando, do próprio governador. É possível, portanto, inferir que a
“atenção” que Carlinhos dá ao fato de Djalma ser “agente do SNI ou DOPS ou
DOI-Codi, ou tudo ao mesmo tempo”, pudesse ser fruto de “contrainformação”
(fofoca em nível militar). Essa "informação" foi difundida pelos inimigos dos
donos do Jornal da Cidade com o propósito de enfraquecer a influência e a credibilidade
alcançada, especialmente por Maria Nilce, após ridicularizar impunemente o mandato inteiro daquele governador
biônico do Espírito Santo. Vide a conclusão do texto “Quatro
anos dentro de um túnel”:
Dos quatro anos do governo Élcio
Álvares eu obtive uma enorme lição de vida, ganhei o respeito e a admiração de
uma cidade inteira que não me viu dobrar os joelhos em momento algum. Saí desse
túnel escuro muito mais forte, com uma enorme experiência e no dia seguinte em
que Eurico Rezende assumiu o governo eu corri para a praia e como uma gaivota
feliz levantei voo gritando aos quatro ventos um enorme bom dia para minha
aurora que finalmente surgia.
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Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães |
NA PRÓXIMA POSTAGEM
Ainda com base nas memórias de Carlinhos Oliveira aprofundaremos este assunto investigando as “ligações perigosas” que podem ter contribuído para o surgimento do crime organizado no
Espírito Santo. Movimento brutal e sangrento – de estilo plata o plomo - que virou mainstream
na terra dos capixabas durante a década de 1990.