Um dia chegou junto com minha correspondência uma intimação da
Polícia Federal. Estou lembrando disso porque neste ano teremos
eleições e os amigos e amigas precisam saber que - como dizia Maria
Nilce, citando Nina Chaves - “qualquer descuido pode ser fatal”.
Aquela notificação dava margens a se imaginar um caminhão de
coisas, mas nenhuma que fizesse o menor sentido. Por que diabos a
Polícia Federal estaria me intimando a comparecer para “prestar
esclarecimentos” tal dia e tal horário sob pena disso e daquilo?
Nunca roubei, nem trafiquei, não sou ordenador de despesas públicas,
muito menos o seria um corrupto descolado, dando corridinhas
excitadas agarrado a uma mala cheia de dinheiro. Só se me intimaram
como testemunha de alguma coisa, mas do quê?
Era fevereiro, uma quinta ou sexta-feira que coincidiu com o início
da mais grave crise de segurança pública que o Espírito Santo
atravessou, trivialmente conhecida nas ruas como “greve da Polícia
Militar”. Inúmeros relatos de assaltos começaram a aparecer em
minha pacata vizinhança, vandalismos tornaram-se comuns, cidadãos
“honestos” invadiram e saquearam lojas, centenas de pessoas foram
assassinadas, o caos tomou conta da cidade. Sair de casa começou a
ficar um negócio perigoso, mas eu estava agoniado com aquele
mistério e descobri que o único jeito de saber do que se tratava
era ir lá na sede da Polícia Federal perguntar... Faltavam ainda
duas semanas para minha “audiência”.
Na segunda-feira fomos eu e minha esposa até a sede da PF, onde,
infelizmente, pouca coisa haveríamos de descobrir com o escrivão e
a aura de mistério que rondava o negócio me deixou ainda mais
apreensivo. Continuei pedindo ajuda. Dias antes da audiência
descobri que era acusado de cometer crime eleitoral por,
supostamente, haver difamado o candidato Lelo Coimbra entre os meus
quase 5000 “amigos” do Facebook quando das eleições para
Prefeito de Vitória em 2016. Sou muito comedido em críticas a
pessoas e instituições e nas redes sociais sou muito mais;
desconfio quando falam de caras pelados no museu, não me interessa
se Pablo Vittar sabe cantar e, antes de soltar o verbo, estou sempre
me perguntando as razões de alguma coisa ter me incomodado. Não
havia a menor chance de algo que eu pudesse ter publicado no Facebook
ser razão para uma intimação policial.
NA AUDIÊNCIA: VERDADES REVELADAS!
Fico pensando no quanto é que um cara precisa estudar para passar
num concurso de delegado da Polícia Federal e desenvolver aquele
olhar de quem acha que de você “não resta a menor dúvida”... A
advogada que me acompanhou folheou o processo e disse com gravidade
que eu estava ali como “indiciado” mesmo, lá pelas tantas surgiu
no ar o nome “Vix Rocks”. Eu quase caí da cadeira: “Pera lá.
Isso aí não é Facebook não, é um grupo do WhatsApp”. O
delegado repetiu desconfiado: “grupo do whatsapp?” Então me
mostrou um “print” onde podia ver o número de meu telefone e
abaixo uma postagem da qual eu não me lembrava mostrando o Deputado
Lelo Coimbra com o Deputado Eduardo Cunha, ambos do PMDB, o último,
porém, condenado a mais de 15 anos de prisão na Operação Lava
Jato.
Imagem do site Folha Vitória, só a título de ilustração, não é
a postagem de que trata este texto:
http://midias.folhavitoria.com.br/files/2015/08/534750150-lelo-entrega-documento-a-eduardo-cunha.jpg
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O delegado explicou: alguém do grupo se ofendeu com aquela postagem
e – através dos advogados da coligação do então candidato a
Prefeito de Vitória - ofereceu denúncia ao Ministério Público que
enviou à Polícia Federal para investigar. E ali estava eu sentado
na Polícia Federal com a mais absoluta cara de tacho, por causa de
algum bom e velho “roqueiro” capixaba. A advogada relaxou e disse
que não era comum condenar ninguém em “crime eleitoral” por
postagem num grupo privado de poucas pessoas. Pelo menos agora eu
estava entendendo o que estava acontecendo... Era o rock, sempre
metendo a gente em encrencas. Quem mandou não fazer parte de um
grupo de pagode ou sertanejo universitário...
TRADICIONAL FAMÍLIA (DO ROCK) CAPIXABA
O “Vix Rocks” foi fundado faz uns dois ou três anos por
integrantes, em sua maioria, de diversas bandas de BRock e heavy
metal capixaba. Tem pouco mais de 40 participantes - em 2016 devia
ser menos ainda - dentre estes alguns de meus mais costumeiros
comparsas, com ficha corrida de mais de 30 anos de crimes contra as
regras musicais e as etiquetas sociais. Obviamente nem todos ali se
conhecem, tem os amigos dos amigos, membros de gerações diferentes
e alguns fãs de rock. Botar a boca no trombone para tentar
desentocar o autor da denúncia não me pareceu uma estratégia muito
inteligente, tinha que tentar descobrir por outros meios. Enquanto
isso, avisei ao moderador do grupo o baixo astral que estava rolando,
resolvi esperar para ver no que o processo ia dar e depois, confesso,
simplesmente esqueci.
O episódio aumentou o incômodo que eu já sentia com o caráter
radical de direita e conservador adotado pela maioria dos membros
daquela rede social que tinha o Rock‘n’Roll como premissa. Como
assim “roqueiro conservador”? Não era para ser a antítese da
caretice e questionar as hipocrisias da sociedade? Aliás, nada tenho
contra os radicais de direita ou até da esquerda: se Lula e
Bolsonaro aparentam serem forças antagônicas, suas intenções e
capacidades me parecem muito semelhantes. O detalhe é que da vez que
apareceu um roqueiro defendendo o PeTê o “drive” da
gritaria foi insano, mas a coisa não foi parar na delegacia. Então
descobri, da pior forma, que quando pega fogo na política capixaba o
buraco é mais embaixo. Vacilo é querer discutir a política local
onde a maioria passa o ano debatendo as prosopopéias do futebol
nacional, até mudaram o nome do grupo para Vix Rocks F.C.
Religião é outro assunto delicado para se discutir naquele grupo de
roqueiros, a única vez que me lembro rolou um pega-pra-capá danado.
Um participante resolveu divulgar pensamentos ateus ou agnósticos e
foi duramente chamado às falas por alguns católicos, suspeito, não
praticantes. Atitude incoerente para quem, ao mesmo tempo, diz que
tem “Sympathy for the devil”; admiradores de pérolas
sacras como “The Number of The Beast”, “Shout at the
Devil” e “Highway To Hell”. Eu acho complicado meter
no mesmo saco religião e satanismo como se fossem coisas fantásticas
de um mundo imaginário. Ou dorme com o ar-condicionado a mil por
hora; ou toma banho com a água pelando. Os dois, ao mesmo tempo, não
dá!
Um último aspecto bastante conservador a ser comentado, mas não
menos importante, é o moralismo hard rocker. No ano passado
ou retrasado um “roqueiro das antigas” chegou chutando o balde -
como se fosse “o maior rock” compartilhar as velhas
práticas ancestrais de acasalamento - postou logo uma saraivada de
fotos de muié pelada e vídeos de gente fazendo saliência... Daqui
a pouco tava uma gritaria danada! Alguns argumentaram que tinham
filhos pequenos que futucam o celular, o que até faz sentido, mas a
maioria se incomodou mesmo foi com o caráter impróprio das
postagens; ou seja, que aquele era um grupo “de família” e não
lugar para aquela baixaria. O indivíduo só não foi expulso porque
se retirou recitando mantras que não sei como é que o corretor
deixou passar: “fuck’ya all mother fuckers!”...
END IN THE AND... (MAIS DEUS É MAS)
No fundo a caretice de alguns “rebeldes sem calça” reformados
não era o meu problema principal, o problema é que por causa de
unzinho deles a Federal tava no meu pé. Situação tão
constrangedora que a versão local do Romeu Tumba até falou que eu
deveria o comunicar se fosse me ausentar da cidade! Liguei pro Berry,
que conhece melhor a outra galera do Vix Rocks, o cara parecia não
acreditar. Disse que nem sabe fazer um “print” e comentou: “a
sua postagem não tem comentário algum, é como se dissesse: olha só
que absurdo estão falando do Dr. Coimbra”. E a cronologia do
negócio? A postagem foi compartilhada em outubro, afinal “o
elevador” do candidato não subiu para comparecer ao segundo turno.
Em novembro foi lançado um livro sobre os 50 anos do Porto de
Tubarão, com texto de minha autoria, que contou com a presença do
referido Deputado Federal.
O Deputado Federal Lelo Coimbra, Joel Rangel, atual Diretor-geral
da
Assembleia Legislativa do Espírito Santo e uma amiga,
na noite de
lançamento do livro Tubarão da Ponta ao Porto...
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Ontem telefonei para a delegacia da Polícia Federal e me informaram
que o processo estava “arquivado”. Espero que encontrem coisa
mais consistente para investigar, como a denúncia da BBC de que
existe um exército de perfis falsos na Internet contratados para
influenciar eleições:
(http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42172146).
A reportagem cita nominalmente políticos capixabas como o governador
do Espírito Santo, Paulo Hartung, e o Senador Ricardo Ferraço. Com
a evidente importância que os meios digitais alcançaram no processo
eleitoral, não posso deixar de cogitar de que todo esse imbróglio
em que fui envolvido pode ser um “trabalho de formiguinha” dos
advogados da classe política para tentar inibir a atuação de
formadores de opinião, independentes ou não. Estamos em janeiro,
então não consegui falar com ninguém no Ministério Público, mas
me pergunto: qual o número de pessoas que passaram pelo
constrangimento de ter que ir prestar esclarecimentos à Polícia
Federal e, por pouco ou quase nada, foram indiciadas por crime
eleitoral?
Isso tudo aconteceu – é preciso ressaltar – durante a mais grave
crise de segurança pública que o Estado do Espírito Santo
atravessou.
E para provar que sou um bom repórter investigativo, também não
consegui descobrir quem foi o membro do Vix Rocks que teve a ideia
marota de me desferir aquela guitarrada nas costas. Os advogados que
contatei sempre desconversaram, aparentemente receosos do barraco que
ia dar. Quem sabe com esse texto o coelho não sai da cartola? Sei
que deve ser uma pessoa “do bem” e honesta - como eu gosto de
imaginar que sou - que se deixou levar pela piração das disputas
partidárias, como lembrou meu primo Everaldo em sua agro-sabedoria:
“eleições é tempo de vaca estranhar o bezerro”. Para bom
entendedor uma teta basta. O importante é saber que nesse ano em que
iremos escolher Presidente da República, Governador do Estado,
Senadores e Deputados Federais e Estaduais, não podemos ser
intimidados por jogadas de tapetão, mas, com inteligência continuar
a denunciar os maus políticos e filtrar com quem a gente compartilha
informações pelas redes sociais.
Um 2018 de Paz, Sabedoria “And Justice For All"!
Juca Magalhães está comemorando dez anos de “autuação” como Blogger
de A Letra Elektronica e é autor das obras “Da Capo”, “O Livro
do Pó” e “Tubarão da Ponta ao Porto, Vitória em
Transformação”.
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