A adrenalina de pisar no palco é como caminhar na corda bamba sem ser trapezista. As mãos ficam geladas e transpiram - como é estranha a mão que transpira! - nos esticamos, estendemos os braços até o chão e torcemos o pescoço. Parece que a energia liberada no ambiente - e que é diferente da vida, essa ordinária – vai se acumulando em certos pontos, certas partes e é preciso por pra circular, senão alguém explode alguma coisa dentro louca.
Memorizo a letra da canção, as primeiras três palavras: “eu tô perdido”. Não é lá um bom ponto de partida, mas é onde a letra começa e é muito importante evitar aquele apagão do “eu não sei mais como é que começa”. Fico a repetindo dentro da cabeça. Sorrio para alguém, comento alguma coisa e repito: “Eu tô perdido, sem pai nem mãe”. Cazuza sempre dava um jeito de falar da mãe.
A primeira música quase passou batida, a adrenalina subiu e estacionou. Não é bem nervoso o que sinto, é uma espécie de vibração duma onda diferente, parece que tem alguma coisa elétrica estalando pelo ar. Eu sento e me levanto, olho para o palco e penso: como é que a letra começa? A tensão vinha da dúvida e do estranhamento, até o dia anterior eu nem sabia aquelas palavras, pois agora ia lá cantar na cara dura para um teatro lotado.
Não tinha quase ninguém na então aglomerada coxia quando chegou a minha vez de cantar. Estava decidido a fazer uma participação sem exageros, mas com energia. Não queria deixar transparecer a ferrugem dos anos, como aquele tiozinho que as pessoas perguntam: e esse quem é? Por outro lado temia ser arrebatado pelo furor e a emoção e, sei lá, perder o controle, travar, cair duro. E isso quase aconteceu.
No final da música tinha um solinho de guitarra, daí, quase sem querer querendo, dei uns giros meio doidos e por pouco não consegui parar, pensei que fosse sair rodopiando, entrar em órbita, baixar o santo. Só parei quando quase me estabaquei, meu tornozelo bateu em alguma coisa no fundo do palco. Poderia até ter ficado famoso, ir parar nas videocacetadas.
A adrenalina não passou até agora. Lembro de Nick Fury me dizendo: Isso é droga, isso é droga! E é mesmo. Uma espécie de insanidade que faz o Rock ‘n’ Roll ser a parada mais pesada na música desde os anos cinqüenta. De lá voltei pra minha versão “Cara Comum” da vida. Não estou mais perdido, eu fui encontrado, um encontro com o passado, um encontro com outra possibilidade do “eu”. Talvez o mais jovem, como num parque de diversões, talvez o mais feliz... Sei lá.
Esse texto é baseado (opa!) em minha experiência durante a apresentação do projeto Um Canto Solidário 2010 no Theatro Carlos Gomes, Vitória – ES. E é dedicado a Cazuza, inclusive o Aguilar, Elaine Rowena, todo o elenco e a produção do espetáculo.
6 comentários:
Que papo de boiola é esse... foi a sua primeira experiência no ballet??? A primeira a gente nunca esquece.
Respect,
BeeBeee
Tem algum video?
Poxa queria muito ter ido, mas fiquei presa no serviço!!!
Saudades!
Luma
QUERIDO JUCA:
FOI UM GRANDE PRAZER TÊ-LO CONOSCO, REVÊ-LO NO PALCO FELIZ E PREENCHIDO: O BOM FILHO A CASA TORNA. ESSA SENSAÇÃO TAMBÉM É MINHA: MÃOS SUADAS, ESTÔMAGO EMBOLADO, BESOUROS MULTICORES GIRANDO EM VOLTA DA CABEÇA E A CERTEZA DO DESMAIO, DO ESQUECER DAS LETRAS , DO TERROR DE CAIR NO CHÃO BUSCANDO A INEXISTENTE SEGURANÇA: VOCÊ É UM ARTISTA, E O CANTOR ROCKER COBRA AS DANÇAS E BALADAS PRESAS EM TANTOS ANOS FORA DO SEU HABITAT. CANTE MAIS, SUE MAIS, SOFRA MAIS...
SEJA ABENÇOADO E MALDITAMENTE FELIZ. BEM VINDO NOVAMENTE À SUA TRIBO.
BEIJOS NO CORAÇÃO MUSICAL,
ROWENA
Quem disse que a experiência trás tranquilidade...? rsrsrs Vc mandou bem Coroné...
abração e até à próxima.
Reginaldo Secundo
Olá Juca, bom dia!
Muito bom seu texto, você me fez rir muito ontem quando o li.
A minha ansiedade, antes de entrar no palco, é tão grande que às vezes tenho a sensação de que estou prestes a pular num abismo e acabo me comportando como tal quando estou insegura com alguma coisa. Já pensei em parar de cantar por causa disso, mas ao mesmo tempo a paixão pela música é tão grande que eu prefiro viver esse risco.
Bem, só queria te parabenizar e dizer que é muito bom ler o que você escreve e que você foi muito bem no palco, valeu o pânico...rsrsr.
Um abraço, Andréa
Juca, bom dia. Lindo texto. É assim mesmo. A energia do palco é intraduzível, inexplicável. Ou "quase" isso, porque você conseguiu descrever essa emoção, essa adrenalina muito louca que toma conta da gente no ambiente mágico do palco.
Sinceramente, este texto merece publicação na Gazeta também.
Grande abraço
Jandyra Abranches
Só prá lembrar quem sou: eu fiz a abertura do espetáculo falando um trecho de uma entrevista do Cazuza.
P.s.: Você foi D+.
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