Não basta ser bem intencionado: ser e
tornar-se um pianista é um trabalho solitário, que deve ser trilhado sozinho. Só
você mesmo poderá medir com sinceridade se tem talento e o quanto ficaria
infeliz se não praticasse sua arte; (...) Muitas carreiras fracassam. A minha
própria tem tido altos e baixos, então, se o destino não leva você para o
palco, você pode fazer outras coisas – lecionar, por exemplo. (...) E a
profissão não permite recuos. Na verdade, essa profissão precisa de todo bom
professor e intérprete, porque as melhores cabeças foram para o mundo do dinheiro.
João Carlos Martins
Desde que eu, Juca
Magalhães, e a professora Alice Nascimento tivemos a ideia de criar um blog
para divulgar as ações do projeto Canto na Escola, nunca tive ou, na verdade, não
me reservei a oportunidade de falar sobre a experiência musical de meu próprio
ponto de vista. Adotei no automático o papel de “blogueiro” com um indefectível
cacoete de jornalista e me excluí no automático de emitir opiniões pessoais,
com raras exceções, bem raras mesmo. Peço licença, portanto, aos nossos
parceiros e colaboradores pra entabular uma conversa, assim, mais informal.
No trabalho do blog
fiz entrevistas com a maioria dos professores do projeto, algumas destas nos
proporcionaram retorno e visibilidade, convite para eventos e apresentações,
possibilidade de novas parcerias, afinal, tudo dentro do objetivo maior de
nossa empreitada cibernética. Nossos entrevistados se descobriram “quase famosos”
ao verem divulgada sua história, outros sentiram aquele curioso estranhamento
perante a vida, como quem sonha que está nu e longe de casa ou quando ouvimos
nossa voz em uma gravação pela primeira vez. “Esse sou eu?”
Gosto muito de
presenciar essa sensação, gosto mais ainda de conversar sobre ela. Muita gente
pensa que sua vida é comum, trivial, eu ainda acho - e devagarzinho venho
provando - que cada um tem uma vida muito singular e coisas bonitas pra contar
para todos. No caso de nosso público alvo histórias de superação, de amor
incondicional à música, essa arte tão admirada e presente na vida de todos e
tão contrastantemente vista com preconceito quando levada a sério. Tudo isso
repassamos em nossas entrevistas.
Pois ontem, ou
anteontem, foi dia da música, mais ou menos exatamente (um oximoro para os
leigos) quando o sol entra na casa de sagitário. Dia que é dedicado à Santa
Cecília, uma mocinha de nome para mim adorável e que pouca gente fala ou sabe
da história, comparado, por exemplo, com São Jorge da Capadócia. Santa Cecília
é bairro aqui em Vitória e foi também nome de um cinema que ficava num prédio bonito
e antigo ali na esquina do Parque Moscoso, local posteriormente mal afamado e
dedicado à exibição de películas retratando casais de maneira não muito decente.
A Santa mesmo, aquela
que foi escolhida como a padroeira dos músicos, conta-se que quando estava
morrendo, cantou a Deus. Segundo a Wikipédia “não se tem muitas informações
sobre a sua vida. É provável que tenha sido martirizada entre 176 e 180, sob o
império de Marco Aurélio.” O texto continua dizendo que Cecília era filha de um
senador romano que a obrigou a casar com um rapaz chamado Valeriano. Cristã fervorosa
– o que na época era proibido pelo império – a moça converteu o marido e,
resumindo muito o drama, os dois foram condenados à morte e decapitados por se
negarem a renegar a religião.
Ponto bastante
interessante para fazermos um paralelo.
Como já dito, nas
várias entrevistas que fiz com jovens músicos profissionais, todos relatam que
os pais queriam que eles estudassem outra coisa. Monalisa Toledo os pais
queriam estudando petroquímica, Eduardo Lucas trocou o direito pelo trompete e
Elias Salvador deixou a mecânica para ser maestro de coros. Talvez seja
pertinente então nos perguntar: quantos outros bons músicos não poderiam estar
se dedicando à arte e “casaram obrigado” com uma profissão “normal” para
satisfazer a família? E quantos outros, em casos mais extremos, não foram
condenados a mortes simbólicas por não poderem exercer plenamente sua
capacidade cultural?
A vida dos músicos
envolve essas escolhas difíceis que, curiosamente, se harmonizam na tocante
história de fidelidade da menina Cecília e o seu amor pela fé cristã. Amigos,
ser músico não é um trabalho ou um emprego qualquer, é mesmo um sacerdócio. O
fato de alguns posarem de astros e debutarem doidarássos para deleite da mídia
em nada empalidece a seriedade dessa vocação. O dia em que se comemora a música
é talvez o momento mais propício para refletirmos sobre a fidelidade e o amor.
A música é uma pátria à qual temos grande honra em servir, não porque a
escolhemos, mas porque por ela fomos escolhidos... Ou como diria Milton Nascimento:
Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão
todo artista tem que ir a onde o povo está
Se for assim, assim será!
Cantando me disfarço e não me canso
de viver, nem de cantar
Imagem de Santa Cecília, óleo sobre tela, por Guido Reni em 1606 |
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Cec%C3%ADlia
DUBAL, David.
Conversas com João Carlos Martins. São Paulo. Editora Green Forest do Brasil,
1999.
Milton Nascimento, in "Nos Bailes da Vida".
Milton Nascimento, in "Nos Bailes da Vida".
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