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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A MÚSICA É A MINHA PÁTRIA

Não basta ser bem intencionado: ser e tornar-se um pianista é um trabalho solitário, que deve ser trilhado sozinho. Só você mesmo poderá medir com sinceridade se tem talento e o quanto ficaria infeliz se não praticasse sua arte; (...) Muitas carreiras fracassam. A minha própria tem tido altos e baixos, então, se o destino não leva você para o palco, você pode fazer outras coisas – lecionar, por exemplo. (...) E a profissão não permite recuos. Na verdade, essa profissão precisa de todo bom professor e intérprete, porque as melhores cabeças foram para o mundo do dinheiro.  
João Carlos Martins

Desde que eu, Juca Magalhães, e a professora Alice Nascimento tivemos a ideia de criar um blog para divulgar as ações do projeto Canto na Escola, nunca tive ou, na verdade, não me reservei a oportunidade de falar sobre a experiência musical de meu próprio ponto de vista. Adotei no automático o papel de “blogueiro” com um indefectível cacoete de jornalista e me excluí no automático de emitir opiniões pessoais, com raras exceções, bem raras mesmo. Peço licença, portanto, aos nossos parceiros e colaboradores pra entabular uma conversa, assim, mais informal.

No trabalho do blog fiz entrevistas com a maioria dos professores do projeto, algumas destas nos proporcionaram retorno e visibilidade, convite para eventos e apresentações, possibilidade de novas parcerias, afinal, tudo dentro do objetivo maior de nossa empreitada cibernética. Nossos entrevistados se descobriram “quase famosos” ao verem divulgada sua história, outros sentiram aquele curioso estranhamento perante a vida, como quem sonha que está nu e longe de casa ou quando ouvimos nossa voz em uma gravação pela primeira vez. “Esse sou eu?”

Gosto muito de presenciar essa sensação, gosto mais ainda de conversar sobre ela. Muita gente pensa que sua vida é comum, trivial, eu ainda acho - e devagarzinho venho provando - que cada um tem uma vida muito singular e coisas bonitas pra contar para todos. No caso de nosso público alvo histórias de superação, de amor incondicional à música, essa arte tão admirada e presente na vida de todos e tão contrastantemente vista com preconceito quando levada a sério. Tudo isso repassamos em nossas entrevistas.

Pois ontem, ou anteontem, foi dia da música, mais ou menos exatamente (um oximoro para os leigos) quando o sol entra na casa de sagitário. Dia que é dedicado à Santa Cecília, uma mocinha de nome para mim adorável e que pouca gente fala ou sabe da história, comparado, por exemplo, com São Jorge da Capadócia. Santa Cecília é bairro aqui em Vitória e foi também nome de um cinema que ficava num prédio bonito e antigo ali na esquina do Parque Moscoso, local posteriormente mal afamado e dedicado à exibição de películas retratando casais de maneira não muito decente.  

A Santa mesmo, aquela que foi escolhida como a padroeira dos músicos, conta-se que quando estava morrendo, cantou a Deus. Segundo a Wikipédia “não se tem muitas informações sobre a sua vida. É provável que tenha sido martirizada entre 176 e 180, sob o império de Marco Aurélio.” O texto continua dizendo que Cecília era filha de um senador romano que a obrigou a casar com um rapaz chamado Valeriano. Cristã fervorosa – o que na época era proibido pelo império – a moça converteu o marido e, resumindo muito o drama, os dois foram condenados à morte e decapitados por se negarem a renegar a religião.

Ponto bastante interessante para fazermos um paralelo.

Como já dito, nas várias entrevistas que fiz com jovens músicos profissionais, todos relatam que os pais queriam que eles estudassem outra coisa. Monalisa Toledo os pais queriam estudando petroquímica, Eduardo Lucas trocou o direito pelo trompete e Elias Salvador deixou a mecânica para ser maestro de coros. Talvez seja pertinente então nos perguntar: quantos outros bons músicos não poderiam estar se dedicando à arte e “casaram obrigado” com uma profissão “normal” para satisfazer a família? E quantos outros, em casos mais extremos, não foram condenados a mortes simbólicas por não poderem exercer plenamente sua capacidade cultural?

A vida dos músicos envolve essas escolhas difíceis que, curiosamente, se harmonizam na tocante história de fidelidade da menina Cecília e o seu amor pela fé cristã. Amigos, ser músico não é um trabalho ou um emprego qualquer, é mesmo um sacerdócio. O fato de alguns posarem de astros e debutarem doidarássos para deleite da mídia em nada empalidece a seriedade dessa vocação. O dia em que se comemora a música é talvez o momento mais propício para refletirmos sobre a fidelidade e o amor. A música é uma pátria à qual temos grande honra em servir, não porque a escolhemos, mas porque por ela fomos escolhidos... Ou como diria Milton Nascimento:

Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão
todo artista tem que ir a onde o povo está
Se for assim, assim será!
Cantando me disfarço e não me canso
de viver, nem de cantar


Imagem de Santa Cecília, óleo sobre tela, por Guido Reni em 1606

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Cec%C3%ADlia

DUBAL, David. Conversas com João Carlos Martins. São Paulo. Editora Green Forest do Brasil, 1999. 

Milton Nascimento, in "Nos Bailes da Vida".

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