Li faz pouco tempo que
a falta de assunto é um dos melhores temas para escrever e foi drama ou solução
para meus heróis de antigamente - ultimamente mais presentes - Rubem Braga e
Fernando Sabino. Gostaria mais de ler os outros de quem eles falam muito (como
Paulo Mendes Campos, Helio Pelegrino e o nosso Carlinhos Oliveira), mas, curiosamente,
não é nada fácil encontrar livros nas livrarias, especialmente quando estamos querendo
e quando estamos precisando é que não achamos mesmo.
Tanto Rubem Braga
quanto Fernando Sabino escreveram crônicas sobre as necessidades e as
dificuldades de se parar de fumar o danado do cigarro. Falam do vício como uma
antiga paixão, uma loucura obsessiva cheia de esses e não como um vício para o
qual hoje muita gente torce o nariz. Acho que ambas as crônicas foram escritas
em meados dos anos oitenta e, salvo engano a do Rubem vem do livro “Recado de
Primavera” e a do Sabino vem de “A Falta que Ela me Faz”.
É muito fácil criticar
um vício quando a pessoa nunca teve necessidade dele, é como padre fazendo
sermão sobre o amor conjugal, aconselha, analisa, mas não entende bem do
assunto... E, como diz o Góis, se entende não deveria. Reproduzo-lhos então uma
croniqueta de Fernando Sabino sobre esse miserê estranho e solidário do ofício
de escrever, só para emprestar uma dimensão da dor e da delícia que se
equilibravam diariamente os nossos cronistas.
ÉRAMOS três condenados
à crônica diária: Rubem no “Diário de Notícias”, Paulo (Mendes Campos) no “Diário
Carioca” e eu no “O Jornal”. Não raro um caso ou uma ideia, surgidos na mesa do
bar, servia de tema para mais de um de nós, às vezes para os três. Quando caiu
um edifício no Bairro Peixoto, por exemplo, três crônicas foram por coincidência
publicadas no dia seguinte, intituladas respectivamente: “Mas não cai?”, “Vai
Cair” e “Caiu”.
Até que um dia, numa
hora de aperto, Rubem perdeu a cerimônia:
- Será que você teria
aí uma crônica pequenininha para me emprestar?
Procurei nos meus
guardados e encontrei uma que talvez servisse: sobre um menino que me pediu um
cruzeiro para tomar uma sopa, foi seguido por mim até uma miserável casa de
pasto na Lapa: a sopa existia mesmo, e por aquele preço. Chamava-se “O Preço da
Sopa”. Rubem deu uma melhorada na história, trocou “casa de pasto” por “restaurante”,
elevou o preço para cinco cruzeiros, pôs o título mais simples de “A Sopa”.
Tempos mais tarde
chegou a minha vez – nada como se valer de um amigo nas horas difíceis:
- Uma crônica usada,
de que você não precisa mais, qualquer uma serve.
- Vou ver o que posso
fazer – prometeu ele.
Acabou me dando de
volta a da sopa.
- Logo esta? –
Protestei.
- As outras estão
muito gastas.
Sou pobre mas não sou
soberbo. Ajeitei a crônica como pude, toquei-lhe uns remendos, atualizei o
preço para dez cruzeiros e liquidei de um vez com ela, sob o título: “Esta Sopa
Vai Acabar”.
Fernando Sabino
Crônica "O Estranho Ofício de Escrever"
Livro "A Falta Que Ela Me Faz", Editora Record, 1980.
Um comentário:
Muito bom: tudo!
Esse texto nos dá a exata dimensão do objeto "linguagem" enquanto instrumento de sobrevivência. Vou arquivá-lo ,e mostrar aos mas (sic) iniciantes.
Abraço,Juca, e muito obrigado !
Marcos Tavares
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