Lembro de ter
quadrinhos nas mãos antes ainda de aprender a ler, especialmente uma revista em
preto e branco do Homem Aranha, acho que foi a minha primeira. Meu pai a
comprou para mim numa banca que tinha na Reta da Penha, no mesmo lugar que tem uma
até hoje, em frente ao Boulevard da Praia, só que naquela época ali ficava a Maternidade
São José, do Dr. Arnaldo Ferreira. Pode até ser que papai estivesse na
banquinha fazendo hora comigo, olhando os jornais, por conta do nascimento de minha
irmã mais nova ou do filho de algum parente.
Nós morávamos numa
casinha de dois andares – o que as pessoas chamavam de “sobrado” - na Rua
Aleixo Netto pelo lado de Santa Lucia, onde hoje ainda funciona a clínica Pape
Praia. Moramos lá até os meus doze anos, ou seja, toda minha infância. Nossa
casa ficava quase na esquina com a Reta da Penha que na época era ainda
pavimentada com paralelepípedos e eu adorava essa palavra, gostava de repeti-la,
sílaba por sílaba: PA-RA-LE-LE-PÍ-PE-DO! Eu a achava grande e “sonora”.
Me vejo folheando a
revistinha, deitado no tapete felpudo do quarto onde papai costumava ouvir seus
discos. Meus pais gostavam de música de maneira diferente. Papai gostava de
curtir a música, mamãe gostava da música como curtição. Os balõezinhos me
intrigavam, minhas irmãs que já sabiam ler diziam que havia conversas ali e eu ficava
doido para entender. Havia movimento nos saltos que o Aranha dava, na teia que
ele lançava, na paixão que tinha pela Gwen Stacy. Lembro de não ter gostado
quando ele acabou casando com a Mary Jane, Gwen era loira e eu, que vivia num
mundo de morenas, achava as loiras o máximo.
Eu vivia tanto
agarrado com as revistas em quadrinhos – que os mais velhos chamavam de “Gibi”
– e queria tanto ser também um “super”, que os amigos de papai me chamavam de
“Super-Juca”. Quando alguém me chama assim, até hoje, quase saio voando e
arrebentando janelas. Fiz isso uma vez, tomei vários pontos na perna, foi um
rebu porque meus pais estavam viajando e quem me socorreu foi o Tio Chico, mais
conhecido como Doutor Tertuliano, pediatra de toda uma geração de capixabas.
Sábado passado fui a
um evento no centro da cidade e acabei passando na banca de revistas do Zenor,
uma espécie de sebo que fica atrás dos Correios, quase em frente da Estação
Porto. O cara me reconheceu, apesar dos anos que vão passando, e me chamou de
“menino” como sempre fez, ainda reclamou que eu estava sumido. Ah o tempo é um
sacana, um moleque, a gente quase nunca dá conta dele ou consegue fazer o que
se quer. Folheei as dezenas de opções que tinha lá: Vingadores, Homem-Coisa,
Super-Tudo.
Zenor estava para
fechar a banca, mas ficou satisfeito de ver um cliente antigo, sentou em seu
banquinho atrás do balcão e ficou “puxando conversa”. Disse que os tempos
estavam difíceis, que não entrava mais nem um menino ali para comprar um
Homem-Aranha, um Wolverine, um Batman que fosse! Para ele estão todos pela
Internet ou enfiados nos jogos de computador. Sorri solidário e surpreso com aquela
notícia triste, muito triste. O que seria do mundo sem a crença nos Super-Heróis?
Passei a mão numas
revistas dos Vingadores, uma série nova – pelo menos para mim – chamada “A
Essência do Medo” e comprei o arco com os primeiros oito números. Não fiz isso
só para animar o meu antigo fornecedor de aventuras inesquecíveis, nem o fiz pelos
velhos tempos que não voltam mais. Fiz, porque, lá pros lados do cemitério das
guitarras destruídas, aquele menino que o Zenor falou - e que me anda esquecido
em algum lugar - sente uma falta danada de mim também.
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