Faz um tempo, nem sei
quanto, assisti de passagem a uma discussão no ótimo Observatório da Imprensa
comandado por Alberto Dines. O assunto era os programas televisivos de cunho
supostamente jornalístico, mas que tratam descaradamente as notícias mais
escabrosas como um show de variedades, tudo pontuado com críticas, comentários
agressivos e frases de efeito. Apesar de soar francamente antiético do ponto de
vista do jornalismo sério, os programas desse gênero conquistaram o público e alcançam
grande audiência no horário do almoço e início da noite.
ESTILÃO DE PORRETE NA
MÃO
A título de indignação
e empatia com o sofrimento alheio, figuras histriônicas como o apresentador José
Luiz Datena, cobram Leis mais rigorosas e punições exemplares à bandidagem. Aos
berros reclamam de tudo, menos da polícia, geralmente retratada como mais uma vítima
do sistema. A mais enfática campanha atual desse pretenso “defensor da justiça”
e seus similares é a redução da maioridade penal, infelizmente, sempre calcado
em achismos e preconceitos sociais, maneira no mínimo irresponsável de se
abordar uma questão que merece ponderação profunda.
Antes do Datena
conquistar seu espaçozinho na mídia nacional – ou paralelamente - outras
figuras fizeram esse jogo sujo de encarnar um defensor dos “frascos e dos
comprimidos”, quando na verdade buscavam apenas um pretexto para legitimar a exposição
da frágil intimidade e a violência presente no cotidiano das pessoas simples.
Se você pensou no Ratinho pode crer que está com a razão. Brandindo um indefectível
porrete e dando uma de macho alfa, Carlos Roberto Massa fez fama e fortuna no
SBT. O estilo tragicômico do programa fez sucesso e foi imitado Brasil afora,
alternando pavorosos casos de incesto, estupro e homicídio com humor negro.
AS PALAVRAS LEVAM À
AÇÃO
Na esteira da
popularização destes programas pipoca outro fenômeno que pode ou não ter a ver:
o crescimento de linchamentos perpetrados por uma população cada vez mais
convencida da incapacidade dos poderes constituídos cuidarem da segurança. Essa
sensação de abandono à própria sorte é alimentada diariamente pelos bojudos
apresentadores televisivos que vociferam refrões como “Não pode! Cadê a
polícia?” ou então, um de seus prediletos, o sonoro “Cadeia neles!”. Sem falar
das inúmeras vezes em que comemoram a prisão de um suposto estuprador,
mencionando alegremente o seu provável e merecido destino como “noiva da cela”.
Paralelamente à
banalização da violência, livremente divulgada por esses programas, os
linchamentos começaram a pipocar pelo Brasil. No início da semana uma multidão
no bairro Vista da Serra II (Serra ES), espancou até a morte um menino de 17
anos porque suspeitavam ser um estuprador. O apresentador de um infame produto
local do gênero até mudou a direção de seu tradicional “Não pode!”, mas a
mensagem implícita de seu discurso e de mais uma galera pelo país é sempre o
mesmo “alguém tem que fazer alguma coisa”. O problema é a maneira como esse
discurso é interpretado pelas populações desfavorecidas que diariamente os
assistem eletrizadas.
CADA UM POR SI E DEUS
CONTRA
O movimento por
soluções violentas é comum também nas redes sociais vemos pessoas aparentemente
responsáveis apoiando barbáries ou mesmo divulgando frases e ideais fascistas.
Muita gente apóia, por exemplo, a, felizmente, improvável volta dos militares
ao poder. Recentemente circulou bastante no Facebook a foto de um homem que
teria sido violentado por mais de vinte na cadeia, era estuprador do próprio
enteado de um ano e pouco. A “Lei do retorno” perpetrada pelo invasivo “código
de ética” dos bandidos encarcerados foi relatada com requintes de crueldade e
compartilhada por varias pessoas íntegras como fora a própria expressão da
justiça.
Falando de jornalismo,
o cerne da questão ética é a maneira francamente hipócrita com que esses
apresentadores emulam difundir um clamor por justiça institucionalizada, promovendo
a denúncia pública de um Estado falido e corrupto, mas na verdade incutem na
população a sensação do “faça você mesmo”, ou como dito no filme Macunaíma: “agora
é cada um por si e Deus contra”. É o momento em que são feitas concessões à uma
suposta liberdade de expressão, entretanto, não se pode esquecer que o
exercício público de divulgação de informações não pode abrir mão de uma
responsabilidade que possuiu fingindo não saber que a tem.
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