Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 11/04/2005
Caro amigo Grilo Falante, não é que acabei vindo parar na Igreja Assembléia de Deus? Vim acompanhar o "Chefe" em uma visita a um evento tradicional dos evangélicos. Aqui estão reunidos pastores de todo o Espírito Santo alguns até de outros estados do Brasil, provavelmente aproveitando as férias de verão, afinal ninguém é de ferro, mas meus nervos são de aço. Como faz tempo que não te escrevo, e sei que estes assuntos de religião muito te interessam, resolvi então coisar-lho algumas parábolas a respeito:
Sessenta a setenta por cento do público é formado por negros e mestiços, a esmagadora maioria aparenta ser de origem humilde. Empunham grandes bíblias, aquelas de capas pretas com "fecho écler" (Zipper). Caminham animados e risonhos e falam maquinalmente, a título de comprimento: A Paz do Senhor. Sabe que uma vez eu tive uma agenda preta que também fechava com zipper? Daí que um dia sentei pra engraxar os sapatos do lado de fora do Centro da Praia com ela no colo e lá pelas tantas um cara me perguntou se aquilo era uma espada. Não entendi a pergunta, mesmo porque estava distraído e o sujeito falou apontando para a região da minha pélvis, onde realmente fica uma coisa que assim pode ser classificada. Demorou um tempo pra eu entender que o rapaz simplesmente perguntava se minha agenda era uma bíblia. Ora...
Vejo as pessoas sentadas em grandes bancos de madeira, espalhadas em um enorme salão. As mulheres de meia idade – que são maioria - ostentam expressões austeras e cabelos crespos espichados presos em rabo de cavalo. Vestem roupas caseiras de tecido fino e cores berrantes, sobretudo o vermelho e o verde limão. Os homens parecem ter saqueado algum brechó da esquina, vestem ternos completamente fora de seus padrões físicos, seja de altura, comprimento ou outro qualquer. E as combinações? Tem um rapaz bem do meu lado de terno azul marinho e camisa preta, também vejo muitas camisas verdes, vermelhas e, sobretudo, o goiaba, independente da cor do terno.
À direita fica o púlpito, na verdade um grande palco, na frente e no centro tem uma mesa enorme como as da igreja católica, com bíblia em cima e outras coisas. Atrás estão sentados os pastores presidentes, segundo me informaram os únicos que recebem salário e que são denominados "donos de campo". Aliás, quando um amigo falou: "esse que vai passando aí é dono de um campo lá em Terra Coisada". Eu pensei - vê só que cabeça de bagre a minha - que ele estivesse falando de alguém que investisse em lazer, tipo campo de futebol para aluguel, churrasco, enfim essas coisas. No fundo do palco estão colocadas várias cadeiras onde estão sentados, lado a lado, em duas fileiras os presidentes e as autoridades. Lá em cima a proporção racial é inversa à da platéia, são quase todos brancos, a começar pelo pastor que está pregando com um forte sotaque nordestino. Prega em pé com um microfone sem fio na mão, andando muito empolgado de um lado para o outro do palco. Alterna seu discurso com expressões do tipo "Aleluia!" e grandes modulações de dinâmica, às quais o público responde imediatamente em frenesi. A fala é metralhadôrica e o som não ajuda, a acústica muito menos, a ressonância embola tudo. Parece uma transmissão de partida de futebol em rádio AM, num final de tarde de domingo, quando você é jovem e sabe que vai ter que acordar cedo pra ir à escola e que a primeira aula é de matemática que você odeia. Um outro (des) crente que estava a meu lado falou que o pastor parecia um locutor de rodeio, no melhor - ou pior - estilo: Seguuuuuuura Jesus!!! Ou, Aleluuuuuia Peão!!!
Agora o pastor diminuiu o tom, fala – do que eu consigo entender – sobre os falsos e os verdadeiros adoradores. Tem um sujeito muito compenetrado que está bem ao meu lado com a mão esquerda no rosto, a outra segura com firmeza uma bíblia. De vez em quando grita "aleluia!" muito alto, enquanto levanta um dos braços em sinal de devoção, seu corpo se balança pra frente e para trás. Olho à minha volta, tem várias pessoas na mesma situação, num banco de madeira próximo três ou quatro homens se abraçam e oram fervorosos de olhos bem fechados. Seguram suas bíblias com uma mão e com a outra fazem uma saudação meio nazista, sacodem-se e gritam embolados, como numa peleja santa, um refrega espiritual!
A pregação já alcança mais de uma hora e o pastor está a mil, anda exaltado de um lado pra outro do palco, grita como um louco: servir e orar, servir e orar! (vai crescendo), servir e orar!! (cresce mais) servir e orar!!! (chega no auge): Aleluia!!!!
A multidão já se resumiu a uma massa enlouquecida, tudo é ruído, duas mil pessoas se esguelando. Uma carga invisível de energia corre solta pelo ar, sinto a cabeça tonteando frente à histeria coletiva. O pico da zoeira já se estabeleceu, o pastor está literalmente pulando no palco, instiga a multidão e sorri triunfante ante a resposta ensurdecedora. Vocifera que o Senhor Jesus vai se fazer presente ali naquele momento. A multidão se agita e resfolega que nem um cavalo bravio, ante a possibilidade de ver o improvável acontecer. Tenho a sensação que as coisas vão realmente escapar do controle. Por via das dúvidas vou me colocando mais próximo da saída...
No meio da platéia um rapazola começou a pular e se curvar batendo os braços abertos como se quisesse voar. Um sujeito de terno amarelo, ou bege, vem correndo em sua direção e o pega pelo braço, pensei com pena: vão por o menino pra fora. Mas que nada... Levaram o moleque pra cima do palco onde teve as mãos colocadas sobre a careca de um dos "presidentes" e começou a pular que nem um doido, dando pinotes no ar. A multidão lançava altos brados em uníssono, é impossível distinguir qualquer coisa mais, o culto virou um verdadeiro pandemônio.
Dois rapazes muito magros, de terno escuro, vêm então se postar embaixo do palco, cada um com um microfone na mão. - Esses aí vão cantar - Pensei. Passa um tempo, a gritaria permanece inalterada. A música começa abafada, mas logo o som cresce e dá pra reconhecer o ritmo: é um danado de um forrózinho sem vergonha! Nada mais adequado para terminar aquela fuzarca: uma cançoneta nordestina saudando Jesus e seu jegue. A cantoria era sinal claro que meu suplício estava terminando, o chefe me dispensou e foi-se embora apressado. Entrei no carro e rumei para casa aturdido, desencantado da vida e mentalmente currado.
O que mais me impressionou nessa curiosa experiência mística é que, apesar de ver aquelas pessoas desejando a “Paz do Senhor” para todos, coisa que automaticamente nos remete à quietude, silêncio e introspecção, na hora de rezar – clamar segundo o jargão deles – os caras gostam mesmo é de fazer barulho. Que calma, tranqüilidade e introspecção o quê? Daí fica difícil olhar para dentro de si e encontrar as perguntas que precisam de respostas, mas provavelmente aquelas pessoas sofridas querem mesmo é o contrário disso. Esquecer. Nem que seja só por alguns instantes. Esquecer de tudo.
Sessenta a setenta por cento do público é formado por negros e mestiços, a esmagadora maioria aparenta ser de origem humilde. Empunham grandes bíblias, aquelas de capas pretas com "fecho écler" (Zipper). Caminham animados e risonhos e falam maquinalmente, a título de comprimento: A Paz do Senhor. Sabe que uma vez eu tive uma agenda preta que também fechava com zipper? Daí que um dia sentei pra engraxar os sapatos do lado de fora do Centro da Praia com ela no colo e lá pelas tantas um cara me perguntou se aquilo era uma espada. Não entendi a pergunta, mesmo porque estava distraído e o sujeito falou apontando para a região da minha pélvis, onde realmente fica uma coisa que assim pode ser classificada. Demorou um tempo pra eu entender que o rapaz simplesmente perguntava se minha agenda era uma bíblia. Ora...
Vejo as pessoas sentadas em grandes bancos de madeira, espalhadas em um enorme salão. As mulheres de meia idade – que são maioria - ostentam expressões austeras e cabelos crespos espichados presos em rabo de cavalo. Vestem roupas caseiras de tecido fino e cores berrantes, sobretudo o vermelho e o verde limão. Os homens parecem ter saqueado algum brechó da esquina, vestem ternos completamente fora de seus padrões físicos, seja de altura, comprimento ou outro qualquer. E as combinações? Tem um rapaz bem do meu lado de terno azul marinho e camisa preta, também vejo muitas camisas verdes, vermelhas e, sobretudo, o goiaba, independente da cor do terno.
À direita fica o púlpito, na verdade um grande palco, na frente e no centro tem uma mesa enorme como as da igreja católica, com bíblia em cima e outras coisas. Atrás estão sentados os pastores presidentes, segundo me informaram os únicos que recebem salário e que são denominados "donos de campo". Aliás, quando um amigo falou: "esse que vai passando aí é dono de um campo lá em Terra Coisada". Eu pensei - vê só que cabeça de bagre a minha - que ele estivesse falando de alguém que investisse em lazer, tipo campo de futebol para aluguel, churrasco, enfim essas coisas. No fundo do palco estão colocadas várias cadeiras onde estão sentados, lado a lado, em duas fileiras os presidentes e as autoridades. Lá em cima a proporção racial é inversa à da platéia, são quase todos brancos, a começar pelo pastor que está pregando com um forte sotaque nordestino. Prega em pé com um microfone sem fio na mão, andando muito empolgado de um lado para o outro do palco. Alterna seu discurso com expressões do tipo "Aleluia!" e grandes modulações de dinâmica, às quais o público responde imediatamente em frenesi. A fala é metralhadôrica e o som não ajuda, a acústica muito menos, a ressonância embola tudo. Parece uma transmissão de partida de futebol em rádio AM, num final de tarde de domingo, quando você é jovem e sabe que vai ter que acordar cedo pra ir à escola e que a primeira aula é de matemática que você odeia. Um outro (des) crente que estava a meu lado falou que o pastor parecia um locutor de rodeio, no melhor - ou pior - estilo: Seguuuuuuura Jesus!!! Ou, Aleluuuuuia Peão!!!
Agora o pastor diminuiu o tom, fala – do que eu consigo entender – sobre os falsos e os verdadeiros adoradores. Tem um sujeito muito compenetrado que está bem ao meu lado com a mão esquerda no rosto, a outra segura com firmeza uma bíblia. De vez em quando grita "aleluia!" muito alto, enquanto levanta um dos braços em sinal de devoção, seu corpo se balança pra frente e para trás. Olho à minha volta, tem várias pessoas na mesma situação, num banco de madeira próximo três ou quatro homens se abraçam e oram fervorosos de olhos bem fechados. Seguram suas bíblias com uma mão e com a outra fazem uma saudação meio nazista, sacodem-se e gritam embolados, como numa peleja santa, um refrega espiritual!
A pregação já alcança mais de uma hora e o pastor está a mil, anda exaltado de um lado pra outro do palco, grita como um louco: servir e orar, servir e orar! (vai crescendo), servir e orar!! (cresce mais) servir e orar!!! (chega no auge): Aleluia!!!!
A multidão já se resumiu a uma massa enlouquecida, tudo é ruído, duas mil pessoas se esguelando. Uma carga invisível de energia corre solta pelo ar, sinto a cabeça tonteando frente à histeria coletiva. O pico da zoeira já se estabeleceu, o pastor está literalmente pulando no palco, instiga a multidão e sorri triunfante ante a resposta ensurdecedora. Vocifera que o Senhor Jesus vai se fazer presente ali naquele momento. A multidão se agita e resfolega que nem um cavalo bravio, ante a possibilidade de ver o improvável acontecer. Tenho a sensação que as coisas vão realmente escapar do controle. Por via das dúvidas vou me colocando mais próximo da saída...
No meio da platéia um rapazola começou a pular e se curvar batendo os braços abertos como se quisesse voar. Um sujeito de terno amarelo, ou bege, vem correndo em sua direção e o pega pelo braço, pensei com pena: vão por o menino pra fora. Mas que nada... Levaram o moleque pra cima do palco onde teve as mãos colocadas sobre a careca de um dos "presidentes" e começou a pular que nem um doido, dando pinotes no ar. A multidão lançava altos brados em uníssono, é impossível distinguir qualquer coisa mais, o culto virou um verdadeiro pandemônio.
Dois rapazes muito magros, de terno escuro, vêm então se postar embaixo do palco, cada um com um microfone na mão. - Esses aí vão cantar - Pensei. Passa um tempo, a gritaria permanece inalterada. A música começa abafada, mas logo o som cresce e dá pra reconhecer o ritmo: é um danado de um forrózinho sem vergonha! Nada mais adequado para terminar aquela fuzarca: uma cançoneta nordestina saudando Jesus e seu jegue. A cantoria era sinal claro que meu suplício estava terminando, o chefe me dispensou e foi-se embora apressado. Entrei no carro e rumei para casa aturdido, desencantado da vida e mentalmente currado.
O que mais me impressionou nessa curiosa experiência mística é que, apesar de ver aquelas pessoas desejando a “Paz do Senhor” para todos, coisa que automaticamente nos remete à quietude, silêncio e introspecção, na hora de rezar – clamar segundo o jargão deles – os caras gostam mesmo é de fazer barulho. Que calma, tranqüilidade e introspecção o quê? Daí fica difícil olhar para dentro de si e encontrar as perguntas que precisam de respostas, mas provavelmente aquelas pessoas sofridas querem mesmo é o contrário disso. Esquecer. Nem que seja só por alguns instantes. Esquecer de tudo.
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