Quem se lembra do filme “Como Eliminar Seu Chefe”? Lançado em 1980, era uma comédia com Jane Fonda e uma cantora de country americana chamada Dolly Parton, a trilha tinha uma canção chamada “9 to 5” que estourou como um dos maiores hits da década perdida. Para quem não tem obrigação de saber, esse “nove às cinco” refere-se ao horário comercial de trabalho americano e que deve ser, sei lá, o que rola na gringolândia até hoje. Dr. Rock que morou lá me ajuda aí, por favor.
Nem quero saber como é que se estabeleceu aqui essa jornada de trabalho de 8 às 18, que nos diferencia dos gringos por essas duas horas de pausa para o almoço, sei que é uma coisa arcaica e que se virou contra aqueles a quem deveria beneficiar. O que acontece na prática é que a maioria dos trabalhadores, ao invés de oito, investem dez horas em suas funções, fora o tempo do deslocamento de casa para o trabalho e o inverso. Do jeito que a Grande Vitória se desenvolveu, a diversidade de ofertas de trabalho fez moradores de Cariacica trabalharem na Serra e os de Vila Velha em Vitória e assim por diante. Tenho uma amiga que vem e vai de Aracruz a Vitória para trabalhar todos os dias (!)
Raros são aqueles que teriam a oportunidade de ir em casa almoçar, descansar e retornar ao seu emprego para as quatro horas restantes de trabalho. Dentro os poucos que têm essa oportunidade estão os patrões e os grandes burocratas. Estes têm carro com motorista, geralmente moram perto do trabalho, raramente almoçam nos self-services que proliferam ao redor de seus negócios para dar baixa na fome de seus empregados. Alem de desfrutar dessa pausa, a – vamos dizer assim – “elite” sabe muito bem que seus trabalhadores não vão e isso também é bom para os negócios.
Esse intervalo de duas horas no almoço pode ter sido muito bacana no passado e ainda deve ser para os que moram nas cidades bem pequenas, que é menos da metade da população hoje do Espírito Santo. Para o trabalho de verdade ele é ruim: dispersa as pessoas e suas idéias, desperdiça energia - inclusive elétrica - e tempo. Se fizéssemos como os gringos os trabalhadores ganhariam duas horas de seus dias, chegariam um pouco mais tarde, sairiam um pouco mais cedo, produziriam mais e viveriam melhor.
Sei que tem gente que vai argumentar na lata que a cultura americana é totalmente diferente da nossa e que o “lunch” deles é um lanche mesmo e não um almoço e que o cidadão brazuca precisa parar tudo mesmo para bater aquele prato de feijão com pimenta e uma boa buchada. Eu até concordo, mas também pergunto: quem leva duas horas fazendo isso?
O que acontece na prática é que todos saem do escritório vão até o restaurante da esquina, se o cara estiver sozinho come em dez minutos, se encontrar um amigo pode levar uma meia hora. E depois vai ficar fazendo o quê? Batendo pernas pela rua? Se for no verão (e o calor aqui dura quase o ano inteiro) ninguém agüenta. Volta todo mundo para seu lugar de trabalho, onde geralmente tem um ar-condicionado e fica lá gastando energia ou engatando logo no trabalho, como fazem os funcionários bons, especialmente para seus empregadores.
A pior faceta que já vi dessa jornada arcaica está no serviço público, mas creio que aconteça em empresas particulares também. É uma e quinze da tarde, a funcionária do setor já voltou do almoço porque não tem coisa nenhuma pra fazer pela rua, senta em sua “mesa de trabalho” - porque não teria outro lugar - e fica lá sem fazer nada. Se aparece alguém com alguma demanda ela vai falar displicente: “Agora não. Estou no meu horário de almoço”. E o pior é que ela está certa, errado é esse sistema doido em que vivemos.
Outro problema desse nosso “horário comercial” é que tem empresas, especialmente de serviços, que se pautam por ele causando transtornos para aqueles a quem deveriam atender. Não sei como não quebram. O exemplo que vou dar vem da patroa, mas já aconteceu comigo também. O meu bairro, Bento Ferreira, em certos aspectos ainda vive isolado num passado bucólico - o que eu adoro - mas têm coisas que muito bem poderiam ser atualizadas.
Os salões de beleza, por exemplo, só abrem no horário comercial (!) Eu mesmo cortava o cabelo dando pequenas escapulidas do trabalho e uma vez perguntei pra dona do estabelecimento: mas me fala uma coisa: tem gente que vem aqui às oito horas da manhã? Não seria melhor abrir mais tarde e fechar depois do horário comercial para pegar o pessoal na folga? Pouco coisando para minha argumentação, a mulher disse que o salão bombava logo cedo. Pode até ser, mas minha mulher falou que no sábado o salão fica parecendo um saloon daqueles filmes de faroeste: um verdadeiro furdúncio.
As pessoas são livres para viver do jeito que acham melhor e mudam quando sentem que precisam, se isso não as incomoda por que será que eu vou. Mas acho curioso esse nosso povo, porque os trabalhadores comerciários, se não me engano, brigaram na justiça pelo direito de ter folga aos domingos acabando com esse negócio de supermercado e shopping funcionar, o que sem dúvida é um direito deles, mas para os outros trabalhadores que não têm tempo livre - entre outras coisas - por causa desse horário comercial defasado, é um problema de ordem prática.
Então vamos vivendo assim resolvendo problemas com outros problemas, dando e recebendo a ilusão de que está tudo certo, afinal, nesses tempos bicudos, quem tem um emprego tem que comemorar. Bem que eu queria morar pertinho de meu trabalho – se um dia voltar a ter algo parecido com um emprego fixo - e poder almoçar em casa como meus pais faziam, os filhos em volta – quando finalmente os tiver – depois sentar pra assistir ao telejornal, dar uma cochilada, acordar, tomar um cafezinho, dar um cheiro na patroa e voltar pra labuta. É bom ser romântico, mas não vejo a hora de entrar na modernidade. Agora é tudo ou nada: ou isso, ou o fim da cotação do café!
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