Páginas

domingo, 13 de janeiro de 2013

INVISIBILIDADE EM EXPOSIÇÃO

Originalmente publicado no Caderno Pensar de A Gazeta no dia 12 de janeiro de 2013

“Insanidade: fazer a mesma coisa várias e várias vezes
e esperar resultados diferentes.”
Albert Einstein
Nos últimos meses de 2012 a Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo promoveu uma série de seminários sobre preservação do patrimônio histórico cultural. Como muita gente, eu ainda nem me tocara para a diversidade desses patrimônios; os monumentos geológicos, por exemplo. Um especialista na área, Everaldo Nunes explicou em sua palestra que para a geologia as praias são territórios instáveis e sua mutabilidade vista como coisa natural, “preservar” nem teria assim tanto sentido. Desculpem-me Everaldo e os geólogos se não os captei muito bem, mas como dizia Tom Jobim, adoro falar sobre coisas que não entendo. Quero é traçar uma paralela.
Nos seminários se abordou também os bens culturais imateriais como as bandas de música e outras manifestações populares. Alguém disse que lembrava o grupo do “Tio Fulano” que infelizmente não existia mais. Para os que se debruçam sobre as questões musicais, essa finitude é tão “corriqueira” como o desaparecimento das praias. Além de gravar, a forma tradicional de preservar música é escrever a partitura e transmitir o conhecimento aos que vão chegar, para que possam reproduzir aquela ideia e também desenvolver a linguagem própria de seu tempo, perpetuando o raciocínio lógico formador dessa tal imaterialidade. 


Juca Magalhães apresentando o Seminário em São Pedro do Itabapoana
 
A preservação da cultura musical através do ensino e transferência da prática parece o óbvio ululante que o Nelson Rodrigues falou, mas não é não. Só fui me tocar pra isso depois de me encontrar maduro e quando topei ensinar violão e guitarra para duas meninas do Algazarra Arte & Coral, viés de desenvolvimento dentro do grupo que vem ganhando força. Essa manifestação tão antiga em nossa cultura (um pequeno coro) é exemplo desse contraste: a exposição de sua invisibilidade; digo, a atenção carinhosa da mídia e das plateias e a relutância dos gestores públicos e privados quanto ao fomento e apoio continuado a manifestações do gênero.
                                                                                   
O Algazarra surgiu do esforço da regente Alice Nascimento que há mais de dez anos leciona música em projetos sociais. Muitas dessas iniciativas oferecem oficinas de música sem a pretensão de formar profissionais; servem para dar uma introdução e reforçar o bordão de “tirar as crianças da rua”. Nesse meio existia uma elite de jovens que queria mais; um dia, no final de 2010, pegaram Alice “de ladeira abaixo” e cobraram a própria criação que aconteceu no ano seguinte. O nome evoca gritaria e confusão, mas na verdade é sinônimo de alegria; foi escolhido pelos próprios 35 coristas num barulhento “brainstorming”.
 
Canto e criatividade são formas de sustentação do grupo: rifas, trabalho voluntário, apoio de padrinhos e cachês de apresentações ajudam a viabilizar essa Algazarra. O espaço de ensaio foi conseguido pelos meninos de Itararé junto ao Ailton, presidente da Associação de Moradores, que emprestou a sala. Em meio ao vizinho alarido das igrejas evangélicas, o grupo desenvolve um repertório entre clássico e popular, ganhou moral em apresentações importantes e, apesar da notória carência financeira, é frequentemente convidado para aparições gratuitas em ricas instituições comerciais e públicas – com uma ponta de ironia – especialmente no natal. Como explicar aos pais que seus filhos vão cantar de graça em um suntuoso “templo de consumo” quando mal têm dinheiro para se locomover de ônibus?
             
Esse descaso para com as ações culturais é fator notório de anomia e também escancara o pouco apreço quanto à seriedade da labuta musical. Segundo Robert King Merton na Wikipedia, “anomia é a incapacidade de atingir os fins culturais e quando ocorre devido à insuficiência dos meios institucionalizados gera conduta desviante. A teoria explica por que os membros das classes menos favorecidas cometem a maioria das infrações penais e crimes de motivação política, bem como comportamentos de evasão como o alcoolismo e a toxicodependência”. 
Buscando lugar para ensaiar o Algazarra abordou uma conhecida instituição de ensino de Itararé, cujos alunos de classe média e alta se queixavam na mídia da insegurança na região. Pensaram que seria lógico para os gestores topar interferir na comunidade apoiando uma ação que a beneficiaria. Não pediram ajuda financeira, só o empréstimo de uma sala duas vezes por semana. A resposta foi uma distante negativa. Exemplo de que não é fácil mudar e continuaremos fazendo apenas o que se convencionou fazer: reclamar. Enquanto isso, a areia das praias do nosso tempo vem sendo engolidas pela violência que ninguém quer encarar, porque no final a culpa é simplesmente do mar.
Kamilla Kaiser se apresentando com o grupo e o professor Juca Magalhães


Quer conhecer mais e ver o Algazarra em ação? Vão aí três links de videos: o primeiro é do especial de natal da Gazeta, que ficou muito divertido:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=JAX45efR8wY

o outro é o Algazarra representando o ES em Ipatinga, O mestre Rogério Coimbra quando viu esse video comentou no Facebook: "ainda existe uma esperança":

http://www.youtube.com/watch?v=lhjHlRz0FqA

O último é no CantarES desse ano, o grupo chutando o balde dos adultos, apresentando à capela uma música moderna de arrepiar.

http://www.youtube.com/watch?v=CvUBey0BVhk

Nenhum comentário: