Eu vivo
sempre no mundo da lua
Porque sou
aventureiro
Desde o meu
primeiro passo
Pro infinito
Guilherme
Arantes, Nosso Lindo Balão Azul
Desde pequeno sempre
tive costume de me entreter com histórias, começou com revistas em quadrinhos,
os chamados “gibis” – que, aliás, adoro até hoje – e por volta do final da infância
vieram os livros. Havia editoras que circulavam listas de suas publicações quando
eu estava no primário, foi assim que fiquei conhecendo “A Turma do Posto Quatro”.
Ainda lembro, especialmente, a deliciosa emoção quando chegava pelo correio o
pacote com os livros. Depois de ler um bocado, comecei a querer subverter a
lógica de consumidor e fornecedor; devia ter lá pelos dez, doze anos no máximo.
Como tinha mais
fantasia do que experiência de vida, enfiei em meu primeiro roteiro as coisas mais
bestas que me rodeavam. Imaginei um misterioso caso de sequestro – era muito
falado o do menino Carlinhos - em que eu e meus amiguinhos da época – Zeller, Flávinho,
Teba, sei lá mais quem – ajudávamos, nada mais nada menos, do que Didi e os
Trapalhões a resgatar o filho do primeiro que havia sido raptado. Daí a
confusão ia parar na fazenda Fundão dos Índios, onde a coisa virava faroeste e nossa
turma recebia o reforço de minhas irmãs e meus primos Felipe, Edilson e Everaldo.
Aquele meu primeiro
esforço literário foi escrito à caneta esferográfica em algum dos meus rabiscados
cadernos de escola – desenhar era outro hobby para espanar o tédio - e eu me
sentia feliz da vida de poder arrumar para aquelas linhas bem traçadas uma utilidade
mais nobre e divertida do que as aulas de caligrafia. Não pergunte por que me
aborrecia estudar ou porque eu detestava a escola; posso me considerar hoje um
cidadão de meia idade bem resolvido com isso e desajustado com o resto, mas
nunca consegui chegar a uma boa resposta. Aliás, cheguei sim, mas...
Um dia meu mundo caiu:
alguma das muito sensíveis e observadoras professoras nos espezinhou com a
informação – sei lá por que – de que os pequenos livros de bolso da Ediouro que
nós adorávamos não eram escritos por fedelhos bobocas como a gente. Apesar da
linguagem descolada e de toda fantasia, o autor era nada mais, nada menos, que
um adulto! Consequentemente, um sujeito careta e cheio de regras como ela
própria. A danada devia estar querendo enquadrar a molecada e deve ter saboreado minha expressão de decepção.
Apesar de tudo, dei um jeito da turma salvar o filho do Didi das garras dos malvados sequestradores piratas do Rio Fundão, não sem a ajuda de cowboys americanos, índios botocudos e da polícia que, como sempre, só chegava no final para prender os meliantes.
Apesar de tudo, dei um jeito da turma salvar o filho do Didi das garras dos malvados sequestradores piratas do Rio Fundão, não sem a ajuda de cowboys americanos, índios botocudos e da polícia que, como sempre, só chegava no final para prender os meliantes.
Numa de minhas tradicionais
pescarias nas manhãs de sábado pelos parcos sebos de Vitória dei de cara com um
daqueles livrinhos da Turma do Posto Quatro. Resolvi descobrir afinal quem era
aquele autor que eu ainda admirava e guardara na memória do coração.
Helio
do Soveral Rodrigues de Oliveira Trigo (1918-2001) tem até um blog muito bacana
o homenageando e o apresenta como “o maior escritor pop do Brasil”, a
iniciativa internéktica chama-se “Memorial Soveral” e é escrito por Dagomir
Marquezi, um especialista na obra desse autor hoje tão pouco lembrado. Soveral
era nascido em Portugal, mas emigrou com a família para o Rio de Janeiro ainda
criança e morou em Copacabana por aproximadamente sessenta anos. Começou na
imprensa e foi, por exemplo, o último repórter a entrevistar Noel Rosa. Veio a
falecer aos oitenta e dois anos em Brasília, cidade onde residiu no final da
vida para ficar perto da filha.
Foram
trinta e cinco volumes da Turma do Posto Quatro publicados entre 1973 e 1979 –
aliás, com o pseudônimo de Luiz do Santiago - o que prova que minhas contas
estavam certas: no final de 1979 eu era ainda um pirralho completando quatorze
anos. Mas Helio do Soveral escreveu também a série “Os Seis” com grande sucesso
e pseudônimo de Irani de Castro, além de zilhões novelas para o rádio, chanchadas
famosas, histórias em quadrinhos para as revistas Spektro e Pesadelo que eu também
lia avidamente. Enfim, como pode uma pessoa povoar incógnita tanto a nossa
vida? Fico pensando o quanto Soveral me influenciou para além daquela minha
primeira investida literária...
Essas
influências a que somos expostos, sugerem direções, resoluções e a infinita
busca por expressão. Ser original não é fácil, apenas o somos na medida em que
traduzimos antigas ideias numa linguagem atual, em contexto moderno. Não sei se
realmente criamos alguma coisa. Queremos o que a maioria honesta quer: viver
dignamente fazendo o que gostamos e nos identificamos. Eis a importância de
exercer a criatividade: buscar lá dentro quem você realmente é. Sem isso o povo
pira, vemos exemplos grotescos da loucura humana todos os dias.
Por
isso tantas pessoas dizem que não se deve abandonar os sonhos, porque só
alcançamos nossa essência quando transformamos sonhos em realidade. Não porque
sonhar seja algo assim tão transcendental, mas porque no processo dessa transformação
somos obrigados a amadurecer. Além do mais, e se estivermos mesmo todos ataviados
a sonhos dos quais não podemos despertar? Como numa prisão?
Pois,
(ora) nem mesmo Helio do Soveral conseguiu transformar todos os seus sonhos em
realidade, naquela que deve ser sua última entrevista, concedida à Dagomir
Marquezi e publicada na revista VIP de maio de 1998, com relação ao
reconhecimento público e financeiro é perguntado ao autor:
- E se você fosse americano?
- Ah, aí eu estaria vivendo num
palácio...
5 comentários:
Rapaz vc matou uma curiosidade antiga também Lia esses livrinhos, sempre comprava nos sebos da Praça Tiradentes junto com as revistas de faroeste Tex, legal saber o nome do autor vou olhar esse blog.
Valeu.
Marco Antonio Reis
Sabe que eu colecionei o Tex também Marcão? Uma vez pedi pelo correio o que me faltava da coleção, daí como demorou, pedi de novo. Acabei ficando na época com duas coleções que acabaram, posteriormente, revendidas para o Tina Tironi, médico e roqueiro histórica da banda Les Enfants... Mas, como eu sou meio doido com essas coisas, tenho ainda alguns números do Tex aqui, do Zagor também e alguns outros como o Histórias do Faroeste.
Grande abraço
Juca: adorei o post. De vez em quando (ou quase sempre) eu me sinto solitário nessa luta para não deixar o Soveral ser esquecido. Agora mesmo estou digitalizando toda a coleção KO Durban. Falei do seu post aqui: http://dmarqueziprod.blogspot.com.br/
Dagomir Marquezi
Muito bom o post, Juca... sem falar na pertinência de trazer à tona esse escritor. Achei fantástico... parabéns por disseminar informação/conhecimento/cultura...
Abraços
Rico
Que venha o KO Durban da era digital!!!
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