- Tive com o Miranda hoje, disse que
tá arrependido do que fez... Tem mais de ano que eu tenho tentado fazer o
Mirosmar...
- Chega Francisco!
- Então fala pro seu filho que ele
vai fazer faxina! É isso que você quer? Fala pra ele! Ele vai fazer faxina!
Diálogo do Filme “2 Filhos de Francisco” (em 1:02:40)
Breno Silveira
Nessa cena do filme “2
Filhos de Francisco – A História de Zezé de Camargo e Luciano”, está retratada
uma das mais dramáticas questões sociais do Brasil: o que fazer para apoiar
nossas crianças talentosas? Percebemos por parte do Estado um esforço pela Educação
“para todos” e programas voltados para o assistencialismo, tanto que várias
ações estão obrigatoriamente focadas no atendimento de um determinado perfil de
“risco social”. Espremido entre a dita “classe alta” e os que vivem na linha da
extrema pobreza está o grande bolo de brasileiros. O que é feito deles? Para
estes são vendidos “sonhos”. Na propaganda do Governo muito do que deveria ser básico
é tratado assim: o sonho da casa própria, do primeiro emprego, do carro zero e
por aí vai.
Faz pouco tempo um
especialista disse na TV que nosso ensino é de má qualidade e que não temos
bons professores, enquanto outros reclamam no Facebook que nossos professores
não são valorizados e que os alunos não querem nada com nada. Eu, que voluntariamente
leciono música, percebo que uma parcela do problema é a histórica desigualdade
social causada pela concentração de renda e outra parte é o gigantesco “custo
Brasil” que sequestra do trabalhador brasileiro não só o salário, mas o tempo para
se dedicar ao estudo. Um grande contingente de estudantes, aos 14 anos, já
integra projetos – que de certo ponto de vista são até importantes - como o “Menor
Aprendiz”, mas a maioria segue a adolescência dividindo escola com o estágio e
outros empregos, fora isso têm a vida pra viver...
Todo mundo sabe que
para ser excelente em alguma profissão é preciso muita dedicação e
persistência, dois atributos que carecem de condição social. Com talento ou não,
um bom atleta, um cientista ou um bom músico precisam de tempo para estudar e descobrir seus limites, dar forma ao seu potencial. No Brasil essa
condição é negada aos jovens que não são ricos e a culpa é geralmente colocada
neles mesmos, acusados de preguiçosos, como o foram os escravos. Como já dito,
a esmagadora maioria das famílias brasileiras convive com um custo de vida dos
mais altos do planeta, vive no limite de seus recursos financeiros, de maneira
que o jovem, mal entrou na adolescência, é compelido a contribuir com o orçamento
da casa.
Vemos um esforço e um grande
investimento do Estado e dos “projetos sociais” voltados para o atendimento e a
recuperação da parcela desviante da sociedade como os criminosos ou os viciados
em drogas. Um psicólogo que militou bastante em projetos sociais estava me
dizendo que o número dessa população é pequeno comparado com a esmagadora
maioria que é formada por gente de bem, de trabalhadores e é nesse grande bolo
que temos inúmeros talentos desperdiçados. Então, o grande drama de quem ensina
é ver potenciais que não se desenvolvem, porque na hora em que deveriam estudar
estão trabalhando e só lhes resta estudar nos momentos que teriam para descansar.
Todo mundo sabe que
para o estudo render é preciso disposição e tempo: tempo para entrar no ritmo
do estudo, tempo e recursos para pesquisar, tempo para assimilar o que se
estudou. Dar condição para o jovem estudar deveria ser algo tratado como
prioridade, mas essa não é ainda a nossa realidade. É muito triste lidar com gênios
potenciais e perceber que o drama em suas vidas não é o perigo de se envolver
com drogas, prostituição ou criminalidade: é o destino do subemprego. É saber
que aquele vigia do supermercado poderia ser um ídolo do atletismo ou que
aquela tímida servente da lanchonete poderia estar tocando em alguma sinfônica.
Muito provavelmente, a
apatia dos alunos em sala de aula da qual os professores se queixam, seja
cansaço mesclado à indiferença; porque sabem que as chances de realizar seus
sonhos são mínimas. Os próprios professores vêm já de situação semelhante, são
pessoas que sentem que “mascaram”, que poderiam ter “brilhado” e ficaram pelo
meio do caminho, alguns falam desse sentimento com culpa. Mas essa culpa não pode
ser individual, porque parece que a sociedade brasileira se formou para dar sustentação
ao fracasso e ignorar o talento. Não é à toa que aqui todo empreendedor é visto
como um visionário, da mesma maneira que os pais dos meninos “Di Camargo” foi
visto como “maluco”. Querer vencer no Brasil é sinônimo de insanidade mental.
É claro que uma ação
voltada para um bolo maior da sociedade e não para uma pequena parcela em
situação de risco custa muito caro, portanto àqueles resta a opção de “se
virar”. Ironicamente, o fato de alguns sujeitos de notável persistência
conseguirem vencer acaba por reforçar o caráter onírico do que deveria ser
realidade e a ilusão de igualdade de condições de jogo para todos. Porém, nada seria
mais justo do que investir no talento dessa juventude sacrificada, que vive num
país em que os impostos batem na casa do trilhão à custa do esforço de milhões
de trabalhadores, de gente de bem que de noite compra sonhos na TV e de dia vive
a dura realidade.
Desigualdades sociais sempre
vão existir, o comunismo é uma utopia e, antes que alguém o diga, também acho
que todo trabalho honesto é digno e importante. Porém, é preciso pelo menos
tomarmos plena consciência da perversão social do Estado Brasileiro, porque
somos nós que podemos almejar virar esse jogo. Sobre esse assunto, recomendo a
leitura do texto sobre a vida na Holanda no link a seguir: http://caiobraz.com.br/da-relacao-direta-entre-ter-de-limpar-seu-banheiro-voce-mesmo-e-poder-abrir-sem-medo-um-mac-book-no-onibus/
É muito interessante e
esclarecedora também a palestra do professor de História da USP Leandro Karnal
sobre a vaidade, o orgulho e a ascensão do homem efêmero.
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