“Em 1925, surgiu um novo e sério
problema: São Paulo passou por uma seca severa.”
Roniwalter Jatobá em “O Jovem
Monteiro Lobato”
Não é a primeira vez
que uma seca assola a terra da garoa e, Aqui no Deserto constatamos, o mesmo agora
preocupa o Espírito Santo. Não entendo bulufas do assunto, mas fico me
perguntando o que ocasionou aquela tragédia datando de quase um século. Porque
na grave estiagem atual já colocaram a culpa num bocado de coisas: na falta de
consciência ambiental dos “homens humanos”, nos desmatamentos e queimadas, na
poluição insana das fábricas e dos automóveis e, especialmente, na incompetência
dos tucanos e também no governo da Dilma.
A tragédia de 1925 foi
muito séria e, como agora, também ocasionou interrupções no fornecimento de
energia elétrica. Monteiro Lobato, que era um tremendo visionário, pioneiro do
setor livreiro no Brasil, quebrou de verde e amarelo:
“Aí, por causa da falta de água, a Light foi obrigada a racionar energia,
já que as geradoras da empresa eram hidrelétricas. Consequência: as máquinas da
editora não puderam funcionar. – Eu podia prever tudo no negócio, menos uma
seca do Ceará em São Paulo – lembraria Lobato. - Se durasse um mês, tudo
estaria salvo. Mas durou um ano. Verdadeira calamidade. E a editora, que estava
endividada, afundou de vez. A solução não poderia ser outra: pedi autofalência.”
Esse triste episódio vivido
pelo pai da literatura infantil brasileira dá um medo danado de que os
problemas causados por mais de um mês sem chuvas na Grande Vitória estarem
apenas começando.
Antes de prosseguir
vale lembrar aquela advertência atribuída a Che Guevara “um povo que não
conhece a sua história está fadado a repeti-la”, porque alertas relativos à dita
“questão hídrica” vem rolando desde há muito. Em 1972 na primeira edição da
revista “Espírito Santo Agora”, o mais célebre defensor do meio ambiente no
Espírito Santo, Augusto Ruschi, deu uma entrevista famosa na qual fez denúncias
contra os desmatamentos praticados pela então Aracruz Florestal, a poluição do
rio Formate pela Braspérola e o - até hoje insolúvel - problema do pó de
minério.
Aquelas pioneiras
ponderações ambientais foram rechaçadas veementemente pelo articulista Gutman
Uchoa de Mendonça, numa longa carta publicada na edição seguinte do periódico.
Colocando-se simplesmente na posição de assessor, provavelmente de alguma das
empresas mencionadas ou do Governo, Uchoa achou por bem dar ao futuro patrono
da ecologia no Brasil uma lição de biologia:
“Muitos brasileiros estão se impressionando muito com a questão relativa
à poluição e passaram a ver em tudo agente contaminador até o pó de minério que
levanta do carregamento dos navios e é levado pelo vento às residências. (...)
Nunca, em parte alguma do mundo o pó de minério foi agente poluidor como não o
são também os dejectos (sic) humanos lançados à maré de forma ordenada. (...) A
entrevista do sr. Augusto Ruschi é de um
primarismo lamentável e demonstra perfeitamente o quanto distante ele anda de um
problema que para se ter conhecimento não é preciso ser sábio ou coisa parecida
mas simplesmente observador, ler e aprender e ter uma noção do desenvolvimento
biológico que habita a natureza e que a torna num dos mais extraordinários
espetáculos.”
Pior foi o debate para
governador em 1994, no qual a possibilidade de escassez das reservas hídricas
era especificamente motivo de preocupação, mas também de discussões pitorescas.
De um lado o médico Vitor Buaiz, homem de postura comedida e educada, do outro
o candidato ultra-direita-popular Cabo Camata, um notório e assumido ignorante
nas acepções que o termo permite.
Antecipando o estilo
de apresentadores esporrentos como Ratinho – que apareceu pra fama no SBT em
1998 empunhando um porrete – Cabo Camata tinha como objeto fálico uma infame “vara
de gurubumba”. O pesquisador Ueber José de Oliveira tem um texto interessante
sobre esse pleito - publicado no volume 11 da revista Ágora de 2010 - no qual
cita Perly Cipriano para fornecer uma dimensão do fenômeno:
“Cabo Camata se lança candidato a governador (...) sem programa nenhum,
apenas dizendo que ia usar a gurugumba para combater os bandidos e os corruptos
e um tempo de televisão muito pequeno, mas ele bateu naquela mesma tecla da gurugumba,
um discurso seco, direto e teve a Polícia Militar como um grande cabo
eleitoral”.
Nessa brincadeira o candidato menos
provável foi para o segundo turno, desbancando pesos pesados da política como o
ex-governador Max Mauro e a atual senadora Rose de Freitas. Só para dar uma
ideia do nível do debate, Vitor Buaiz perguntou o que o adversário pretendia
fazer com relação à questão hídrica. Reagindo como quem “tá preparado”, o
candidato respondeu: “Você acha que eu não sei o que é esse negócio não? É
água!” E lá pelas tantas alertou os eleitores para uma questão social nada importante:
“Vocês sabiam que esse homem num come carne?! Se vocês chamarem ele pra um
churrasco na sua casa ele num vai comer não!”
Ainda bem que a gurugumba perdeu, mas
foi por pouco. Já o que aconteceu no governo de Vitor Buaiz... Bom, aí é outra
historia.
P.S. Dejair "Cabo" Camata faleceu no dia 26 de
março de 2000 com apenas 43 anos.
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