Quando eu era criança houve uma infestação de piolhos daquelas em minha escola, eu mesmo parecia ter sangue doce presses insetos, vivia coçando a cabeça como se perseguido por questões intermináveis. Mamãe ficava doida com o problema, brigava comigo e minhas irmãs como se tivéssemos alguma culpa, enchia nossas cabeças com um pó chamado Neocid, que vinha numa latinha redonda e chata como as de cera de sapato e depois tapava com lenços. Com tudo eu me divertia, fazia de conta que estava fantasiado de pirata e saia correndo pela casa brandindo uma daquelas espadas de plástico.
Mas alguns pais encaravam o problema de forma radical e insensível, simplesmente mandavam raspar a cabeça dos filhos, como quem hoje reseta o HD do computador pra se livrar de algum vírus. E como raspar cabeça, usar lenço e ficar se coçando não eram coisas muito agradáveis, era na prática uma coisa embaraçosa, a infestação logo virou um tabu entre os alunos, ninguém queria ser acusado de "estar com piolho" ou disseminando o problema. Então veio aquela aula de ciências...
Nossa professora queria fazer um experimento científico com a turma e pediu para que nos aproximássemos de sua mesa de trabalho, lá na frente da sala de aula. O Ruy era um menino orelhudo e muito risonho que gostava de puxar o saco da professora, seu pai era um desses radicais que mandara raspar a cabeça do menino logo que fora informado do problema, mas um grande tufo de cabelo fora deixado bem acima da testa, como uma franja, sabe-se-lá por que.
Pos essas razões do destino a nada perspicaz professora tinha intenção de nos brindar com uma interessante demonstração prática de energia estática. Quando nos acercamos da mesa a moça já tinha reunido uma pequena quantidade de papel picado em cima de uma cartolina branca e estava munida de um grande pente de cabelos, um calafrio percorreu todo o grupo. Olhando à sua volta a moça falou de maneira amigável e jovial:
- Olha gente, para poder fazer essa experiência, eu vou precisar da colaboração de um de vocês. – todos se olhavam em pânico - Então? Ninguém quer ajudar a tia? – Claro que não né? Eu que estava bem atrás vendo que alguém ia se dar mal fui chegando mais pra frente e quase me ferrei, porque na mesma balada a professora passou a mão no braço de Ruyzinho que estava do meu lado e decretou:
- Vamos lá Ruyzinho, você que é o meu braço direito, vem pra cá. – Quem mandou ser puxa-saco? A mulher pegou o garoto pelo braço e foi metendo o pente naquele franjão esquisito. A experiência era daquelas de passar o pente no cabelo e depois puxar os papeizinhos picados com a energia estática que se formava com a fricção ou algo assim, mas o que surpreendeu todos foi o aparecimento de um enorme, gordo e asqueroso piolho.
O inseto bateu com um estrondo imaginário na folha branca de papel se debatendo em câmera lenta com as perninhas pra cima. Imediatamente todas as crianças saíram correndo para o fundo da classe gritando como se acabassem de se deparar com o próprio Conde Drácula. Junto da mesa ficaram a professora e o atordoado Ruyzinho que, não sei se em função da vergonha ou do pânico, não moveu um pé do lugar em que estava.
Apesar de também estar infestado por piolhos, como todos os meus colegas, eu também corri pro fundo da sala e fiquei lá fazendo a cena de apavorado. Depois me senti envergonhado, porque era sacanagem o que estávamos fazendo com um colega de classe. Anos depois descobri que nossa reação não era única na sociedade e que até tinha um nome super pomposo: Hipocrisia.
Pois bem: a morte da menina Eloá, ao invés de abrir um espaço pra reflexão, nos proporcionou um grande show de hipocrisia social. Só fui me dar conta disso quando assisti ao Jornal Hoje do dia 20 de outubro, no qual a dupla de âncoras (Sandra Annenberg e Evaristo Costa) recebeu o psiquiatra Raul Gorayeb com a intenção de opinar sobre os acontecimentos funestos daquela semana.
Costumeiramente os jornalistas da Globo adotam uma postura pseudo-ética em relação aos fatos, como se tentassem pairar acima do sensacionalismo repetitivo das concorrentes, como se fossem mais sérios e íntegros que seus colegas. Mas a verdade é que todos buscam a mesma coisa: as conclusões rasteiras em torno da questão enquanto esperam a chegada da próxima notícia escabrosa. Aprofundar pra quê?
Foram pegos de surpresa quando, ao invés de reforçar o lugar comum armado pela emissora, o psiquiatra começou a propor um debate mais amplo da questão, segue então trechos da entrevista:
Raul Gorayeb: ... A sociedade exige que os jovens aprendam a ter prazer e sucesso a qualquer custo, não importa o preço que se pague. Hoje em dia você é instigado a não aceitar falhas, perdas, insucessos, e reagir muitas vezes de uma forma bombástica quando as coisas não estão indo bem. Onde ficou, no nosso processo educacional, o lugar para que as pessoas aceitem que a vida também é feito de insucessos e problemas?
JH: Sandra Annenberg - (interrompendo de maneira abrupta e incisiva) Desculpa doutor, mas o senhor está querendo dizer então que ele (Lindemberg - o assassino da menina) é uma vítima do sistema, o senhor. o coloca como vítima?
Raul Gorayeb: (sem perder a calma, nem se abalar) Eu não o coloco como vítima, mas todos nós somos frutos de uma sociedade, a palavra vítima tem um desvio meio moralista (Meio? A jornalista bem que podia ter ficado quieta não é?). Somos frutos de uma sociedade na medida em que somos educados por ela os valores que a gente recebe são os que a sociedade difunde e se te ensinam que você tem que ter prazer a qualquer custo, quando você está insatisfeito você tem que encontrar uma maneira de não ficar mal na fita.
O Programa teve uns três blocos, sempre com o psiquiatra. No intervalo de um destes foi exibida uma reportagem intitulada, se não me engano: Meninas que namoram homens mais velhos. Será que isso pode ser um problema? - Era algo assim, uma reportagem moralista, tendenciosa e sensacionalista; tentava fazer um link com a pedofilia – o atual vilão mundial - para explicar o que aconteceu. Uma jogada digna da dupla dinâmica Datena e Magno Malta, fiquei surpreso de ver algo do gênero num telejornal da Globo, daí seguiram perguntando:
Mas alguns pais encaravam o problema de forma radical e insensível, simplesmente mandavam raspar a cabeça dos filhos, como quem hoje reseta o HD do computador pra se livrar de algum vírus. E como raspar cabeça, usar lenço e ficar se coçando não eram coisas muito agradáveis, era na prática uma coisa embaraçosa, a infestação logo virou um tabu entre os alunos, ninguém queria ser acusado de "estar com piolho" ou disseminando o problema. Então veio aquela aula de ciências...
Nossa professora queria fazer um experimento científico com a turma e pediu para que nos aproximássemos de sua mesa de trabalho, lá na frente da sala de aula. O Ruy era um menino orelhudo e muito risonho que gostava de puxar o saco da professora, seu pai era um desses radicais que mandara raspar a cabeça do menino logo que fora informado do problema, mas um grande tufo de cabelo fora deixado bem acima da testa, como uma franja, sabe-se-lá por que.
Pos essas razões do destino a nada perspicaz professora tinha intenção de nos brindar com uma interessante demonstração prática de energia estática. Quando nos acercamos da mesa a moça já tinha reunido uma pequena quantidade de papel picado em cima de uma cartolina branca e estava munida de um grande pente de cabelos, um calafrio percorreu todo o grupo. Olhando à sua volta a moça falou de maneira amigável e jovial:
- Olha gente, para poder fazer essa experiência, eu vou precisar da colaboração de um de vocês. – todos se olhavam em pânico - Então? Ninguém quer ajudar a tia? – Claro que não né? Eu que estava bem atrás vendo que alguém ia se dar mal fui chegando mais pra frente e quase me ferrei, porque na mesma balada a professora passou a mão no braço de Ruyzinho que estava do meu lado e decretou:
- Vamos lá Ruyzinho, você que é o meu braço direito, vem pra cá. – Quem mandou ser puxa-saco? A mulher pegou o garoto pelo braço e foi metendo o pente naquele franjão esquisito. A experiência era daquelas de passar o pente no cabelo e depois puxar os papeizinhos picados com a energia estática que se formava com a fricção ou algo assim, mas o que surpreendeu todos foi o aparecimento de um enorme, gordo e asqueroso piolho.
O inseto bateu com um estrondo imaginário na folha branca de papel se debatendo em câmera lenta com as perninhas pra cima. Imediatamente todas as crianças saíram correndo para o fundo da classe gritando como se acabassem de se deparar com o próprio Conde Drácula. Junto da mesa ficaram a professora e o atordoado Ruyzinho que, não sei se em função da vergonha ou do pânico, não moveu um pé do lugar em que estava.
Apesar de também estar infestado por piolhos, como todos os meus colegas, eu também corri pro fundo da sala e fiquei lá fazendo a cena de apavorado. Depois me senti envergonhado, porque era sacanagem o que estávamos fazendo com um colega de classe. Anos depois descobri que nossa reação não era única na sociedade e que até tinha um nome super pomposo: Hipocrisia.
Pois bem: a morte da menina Eloá, ao invés de abrir um espaço pra reflexão, nos proporcionou um grande show de hipocrisia social. Só fui me dar conta disso quando assisti ao Jornal Hoje do dia 20 de outubro, no qual a dupla de âncoras (Sandra Annenberg e Evaristo Costa) recebeu o psiquiatra Raul Gorayeb com a intenção de opinar sobre os acontecimentos funestos daquela semana.
Costumeiramente os jornalistas da Globo adotam uma postura pseudo-ética em relação aos fatos, como se tentassem pairar acima do sensacionalismo repetitivo das concorrentes, como se fossem mais sérios e íntegros que seus colegas. Mas a verdade é que todos buscam a mesma coisa: as conclusões rasteiras em torno da questão enquanto esperam a chegada da próxima notícia escabrosa. Aprofundar pra quê?
Foram pegos de surpresa quando, ao invés de reforçar o lugar comum armado pela emissora, o psiquiatra começou a propor um debate mais amplo da questão, segue então trechos da entrevista:
Raul Gorayeb: ... A sociedade exige que os jovens aprendam a ter prazer e sucesso a qualquer custo, não importa o preço que se pague. Hoje em dia você é instigado a não aceitar falhas, perdas, insucessos, e reagir muitas vezes de uma forma bombástica quando as coisas não estão indo bem. Onde ficou, no nosso processo educacional, o lugar para que as pessoas aceitem que a vida também é feito de insucessos e problemas?
JH: Sandra Annenberg - (interrompendo de maneira abrupta e incisiva) Desculpa doutor, mas o senhor está querendo dizer então que ele (Lindemberg - o assassino da menina) é uma vítima do sistema, o senhor. o coloca como vítima?
Raul Gorayeb: (sem perder a calma, nem se abalar) Eu não o coloco como vítima, mas todos nós somos frutos de uma sociedade, a palavra vítima tem um desvio meio moralista (Meio? A jornalista bem que podia ter ficado quieta não é?). Somos frutos de uma sociedade na medida em que somos educados por ela os valores que a gente recebe são os que a sociedade difunde e se te ensinam que você tem que ter prazer a qualquer custo, quando você está insatisfeito você tem que encontrar uma maneira de não ficar mal na fita.
O Programa teve uns três blocos, sempre com o psiquiatra. No intervalo de um destes foi exibida uma reportagem intitulada, se não me engano: Meninas que namoram homens mais velhos. Será que isso pode ser um problema? - Era algo assim, uma reportagem moralista, tendenciosa e sensacionalista; tentava fazer um link com a pedofilia – o atual vilão mundial - para explicar o que aconteceu. Uma jogada digna da dupla dinâmica Datena e Magno Malta, fiquei surpreso de ver algo do gênero num telejornal da Globo, daí seguiram perguntando:
JH: Eloá começou a namorar Lindemberg aos 12 anos. Não é cedo demais para começar um namoro sério?
Raul Gorayeb: É difícil estabelecer fórmulas. Cada pessoa é de um jeito. É evidente que, quando mais jovens, a diferença de idade fala mais alto, mas se a gente tivesse falando de uma mulher de trinta e de um homem de 45 a diferença era maior e não seria tão marcante. (Dá-lhe professor! Mas a jornalista não desistia).
JH: Sandra Annenberg: Mas uma criança ainda não está formada e pode haver uma relação de desequilíbrio, de manipulação pelo homem mais velho, não?
Raul Gorayeb: Mas outra coisa em que a gente tem que pensar é que empurramos os jovens para uma maturidade precoce, para a atividade sexual, (e a putaria nas novelas da Rede Globo? Agora querem pagar de moralistas?) como se, sem isso, a pessoa não pudesse entrar no circulo das pessoas importantes. (Alguém aí já parou pra ler a letra de um desses Funks que a molecada adora?)
JH: O que devem fazer os pais que têm filhas adolescentes namorando homens mais velhos? Devem proibir?
Raul Gorayeb: Para relembrar uma tragédia artística temos a história de Romeu e Julieta, na qual se vê que a influência dos pais pode ser boa, mas também pode ser catastrófica. O que os pais têm que dar aos filhos condições para identificar por conta própria o que é bom ou não para eles mesmos, mas nunca fazer a escolha no lugar dos filhos, fazer por eles o dever de casa ou escolher os namorados, por exemplo.
JH: Evaristo: Mas vão orientar.
Raul Gorayeb: Orientar e dar condições é uma coisa, mas decidir no lugar de é outra, mesmo porque assim você não ajuda o sujeito a aprender a tomar decisões, tem que haver uma liberdade, um espaço, para poder errar e para poder corrigir o erro. A intransigência é o maior problema nessas horas.
O que me irritou nesse programa da Globo não foi só a maneira moralista com que trataram o tema, mas a maneira como ignoraram a possibilidade de o discutir de outra maneira, deliberadamente desprezando algumas verdades humanas que lutam por vir à tona. Muitas são as conseqüências desse fato: a imbecilização do indivíduo, a banalização do sexo e da violência e instigação ao consumo desenfreado... O único problema é que, de vez em quando, alguém vai pagar por isso. Pelo menos os índices de audiência estão subindo...
O link para a entrevista segue abaixo, assistam:
3 comentários:
Eu também vi a entrevista, e percebi a força que os jornalistas faziam para que o entrevistado ( um brilhante psiquiatra/analista) determinasse ou rotulasse em poucas palavras uma mente tão perdida como a do jovem Lindemberg. Como se o fato de ele ( Lindemberg) fosse mentalmente doente já bastasse.
Abraços
Heveline Xavier
Querido Juca,
também assisti neste dia a entrevista, e fiquei muito irritada com a falta de respeito com q trataram o entrevistado. Puzt, se queriam q ele falasse o que eles pensavam pq não combinaram antes da entrevista. Foi muito feia a manipulação da conversa. Infelismente a mídia sempre tenta tampar o sol com a peneira. Por isso tá uma MERDA esse país. Até quando a mídia vai tentar achar culpados para a sociedade falida deste país hipócrita!!!!!!!
Jord
Alguns coments foram enviado diretamente pro meu email, de maneira que eu os reproduzo aqui. Sempre com a intenção de revelar a verdade e fometar sedição. Eita!
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