No último 12 de junho o Juiz de Direito - Paulo de Tarso Tamborini Souza, que ajuda a realizar eleições pelo mundo (periférico), visitou o Programa do Jô para falar sobre sua participação nas eleições africanas. Lá pelas tantas - falando mal da pobreza e da miséria que viu por lá - o juiz falou que o Brasil não ficava muito atrás, que visitou as cadeias do país e comentou das condições sub-humanas a que estão submetidos os apenados no país. Falou especificamente horrorizado do Estado do Espírito Santo!
De maneira que soou involuntariamente preconceituosa, dado o assunto que se tratava, o juiz – que procurou destacar o lado pitoresco dos absurdos que testemunhou - falou das “celas” micro-ondas com sete andares de redes onde estão encarcerados jovens sem a mínima condição de subsistência. “Os ratos comem os pés dos detentos, eles não têm medo nem dos presos, quanto mais da gente”.
Tempos atrás recebi um email que continha trechos do relatório da visita aos presídios aqui do Espírito Santo. É de nos dar o que pensar, sobretudo porque, digamos que alguns dos que foram parar nesse lugar já não sejam propriamente “pessoas do bem”, o que será que eles vão aprontar quando retornarem ao nosso convívio? Tenho até medo de imaginar. A conclusão que chegamos é que já passou da hora de repensar essa nossa sociedade.
Freqüentemente vejo pessoas comentando o assunto e a solução mais comumente proposta é a de mandar matar todo mundo. Prática e rápida, mesmo que absurda. É como propor cortar a cabeça de um grupo de pessoas porque estão infestadas de piolhos. O que impressiona é que muitos estão falando sério mesmo, sem jamais terem sequer imaginado o choque ético/moral que é acabar com uma vida. E digo mais: se todos tivessem que matar e esquartejar os animais que comem o mundo estaria lotado de vegetarianos.
Penso que não é só a máquina Estatal e do Judiciário, que nossa sociedade organizou para gerir os assuntos da coletividade, que devem ser a solução para esse caos. A situação chegou a esse ponto através de um raciocínio de longo prazo, das grandes falácias sociais cuja valorização do individualismo nos levou ao abandono da ética humana, da capacidade de nos indignar com o sofrimento do outro, simplesmente porque não estamos diretamente envolvidos. Não vai haver esperança se continuarmos nos pautando pelo senso comum (bandido tem que morrer como no Carandirú) a coisa só vai piorar.
Ainda que seja muito difícil, devemos buscar a compreensão do grave momento social que atravessamos. Não se pode condenar pessoas a morte, ou à completa degradação que nos foi relatada, sem levar em consideração que cada uma destas é ligada diretamente a um grupo de outras e que a vida de um ser humano é responsabilidade de todos. Podem até dizer que os homens que vão parar num presídio são assassinos, estupradores, demônios encarnados. O fato de algumas pessoas serem o que são não pode nos obrigar a reagir à altura, que, no caso de alguns bandidos, seria descer vários patamares da decência humana.
Consideremos, por outro lado, que alguns desses homens não sejam propriamente monstros irrecuperáveis, o que está sendo deles dentro desse lugar? Só pra mencionar um trecho do capítulo 15 do evangelho de São Lucas, será que não vale a pena tentar resgatar aquela ovelha perdida ou a moedinha sumida que no final pode fazer a diferença? E eles estão lá porque a grande maioria da sociedade deliberadamente ignora sua sorte ou é complacente com a situação, o que é praticamente a mesma coisa.
Tempos atrás em uma festa comentei indignado esse assunto numa mesa com varias pessoas da sociedade, muitas das quais eu desconhecia. Que ingenuidade a minha. Uma moça se irritou com meu discurso “paz e amor”, queria saber se eu já tinha sido assaltado alguma vez, se um bandido já tinha feito mal a alguém de minha família. Falei calmamente que minha mãe havia sido assassinada pelo crime organizado. A moça - uma promotora de justiça - queria provar que eu era um alienado, ficou tão aborrecida que foi embora.
São esses conhecedores de vinhos caros e essas moças elegantes que diariamente decidem a vida de milhões de brasileiros. O juiz Paulo de Tarso disse em sua entrevista que “não podemos mais conviver com juízes que ficam encastelados dentro do fórum batendo carimbo”. Esses magistrados têm uma condição social muito diversa da dos réus que julgam e ignoram sua realidade. Esses abismos sociais, essas diferenças de classes, nada mais são do que seqüelas do período escravocrata. Não é nada comum vermos o povão ser tratado com deferência em nosso país, é bucha de canhão e assim é conduzido pela elite.
Há pouco tempo circulava pela Internet uma lista mostrando as inúmeras ligações de parentesco entre os ocupantes de cargos no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, isso em uma sociedade que vende o peixe de que as chances são iguais para todos. A maioria de nós correu atrás dessa ilusão, até descobrirmos que não era verdade, ou que pelo menos não era bem assim. Dizia-se que o sucesso era quando a oportunidade encontrava o homem preparado. Pois bem, a maioria das pessoas não vai estar preparada nunca e aí? Azar não é? Os concursos públicos são hoje uma maneira de dizer para a sociedade, estamos dando uma oportunidade para todos. Essa é mais uma idéia “democrática” que precisa ser desinfetada.
A entrevista já está postada, mas quem tiver dificuldade é só copiar e colar o link da entrevista do Juiz Paulo de Tarso no Programa do Jô, porque aqui é assim: a gente mostra a cobra e limpa o nariz na cortina.
http://video.globo.com/Videos/Player/Entretenimento/0,,GIM1058061-7822-JUIZ+PAULO+DE+TARSO+CONTA+CAUSOS+DE+TRIBUNAIS,00.html
Um comentário:
Caro Juca,
Apaixonei-me pela sua redação! Que clareza, parece que ouço vc falar!!! Filho de peixe não pode ser sapo.. rs. Realmente!!!
Pois bem, o Dr Paulo de Tarço ficou horrorizado, e eu, de antemão, apesar de ser uma pessoa pra lá de sensível, por ter escolhido a profissão que escolhi, tornei-me um tanto quanto fria na análise de determinados fatos, porém, sou humana, detentora de um coração enorme, e me preocupo demais com as condições dos apenados, principalmente por saber há tempos que aquelas jaulas de Novo Horizonte são verdadeiras cópias de um alto forno.
Quando soube da implantação de conteineres como cela para presos, disse para um amigo policial, que aquilo seria uma fábrica de loucos. Melhor seria que construíssem um complexo penitenciário onde todos ficassem com aquelas tornozeleiras que limitam o raio de alcance do apenado. Mas, como no Brasil temos os recursos desviados sob nossos olhos, e de forma tão explícita quanto uma jovem de biquini fio dental, não são os tais recursos destinados ao que de fato seriam úteis.
Uma emissora de nosso estado, não me recordo qual, denunciou tal fato ao CNJ, porém, como a bandalheira do nosso estado ultrapassa as raias do aceitável, por isso estou na esperança de que agora, com nova intervenção federal, venham os senhores do conselho citado, ordenar uma solução segura, não só para nós que estamos aqui, mas tb para os que estão apodrecendo vivos nos cárceres improvisados de Novo Horizonte. Uma verdadeira vergonha não poder ressocializar, reestruturar, ou mesmo refazer a vida das pessoas que se perdem nos caminhos errados da vida.
Não é pieguice, mas uma indignaçao sincera de alguém que, por muito tempo, acreditou que a pena de morte ainda seria a melhor solução para controlar a marginalidade em nosso país.
Beijos mill, Maria Paula
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