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terça-feira, 17 de maio de 2011

PERTENCIMENTO INTELECTUAL ABANDONADO


Fazendo um trocadilho com “Delicidade”, o novo DVD de Amaro Lima que - aliás, foi lançado sábado passado com grande sucesso – fiz menção nada honrosa ao dito “Vitória é uma delícia”... E depois fiquei naquela me perguntando “de quem é essa frase mesmo?” “Viver é Ver Vitória”, salvo engano, é de Cacau Monjardim. “Existem certas ocasiões em que Vitória é uma derrota”, eu escrevi numa outra edição mais pessimista de mim mesmo... A solução chegou pelo correio na semana passada.

O Departamento de Imprensa Oficial, em parceria com a SECULT, está publicando uma revista de cultura bimensal intitulada “Caderno D” e o amigo Erlon Paschoal, atual Sub-Secretário de Estado da Cultura, teve a gentileza de remeter um exemplar para a redação da Letra Elektrônica. Curiosamente na última edição do caderno Pensar de A Gazeta inicio o texto fazendo menção à pesquisa do Instituto Futura sobre a percepção da cultura que têm os moradores da Grande Vitória e que veio como tema de capa dessa terceira edição do Caderno do DIO.

A falta de opções para divulgação - e conseqüente promoção - de eventos culturais é assunto de discussão nas redes sociais ultimamente. Ontem mesmo vi um tópico desses postado pelo “Coroné” Reginaldo Secundo no Facebook que gerou um número grande de respostas e comentários até agressivos, porque os jornais da capital, que lutam por um espaço muito específico, já de algum tempo para cá adotaram uma linha editorial voltada quase que exclusivamente para o universo dos “famosos” e dos fatos escabrosos, deixando de lado os eventos culturais de alcance especificamente locais.

Nesse calor surgem então os cadernos de cultura com publicações espaçadas, o que infelizmente as desconecta, em muitos casos, do que está acontecendo no sentido imediato de produção e da conseqüente formação de público. Uma das críticas que vi serem feitas e que é fácil de resolver é que nenhum dos dois periódicos traz uma agenda cultural. Essa é uma iniciativa que pode ser interessante para resolver essa questão da falta de uma ligação entre os assuntos abordados e os eventos de produção cultural local mais significativos que acontecem com freqüência.

A crítica atual aos jornais é que não têm o que se ler e que as notícias se repetem na televisão e na Internet, por sinal, com muito mais velocidade. Essa lacuna os cadernos de cultura que surgem em suas primeiras edições estão em busca de suprir com textos interessantes, como o de Mara Coradello que nos remete ao início deste. No Caderno D a escritora publicou o texto “Carmélia esteve aqui em casa” e mencionou que a frase “Vitória é uma Delícia” era coisa da “Felia”. Na época dessa grande cronista, conhecida hoje por poucos, os textos autorais eram muito mais comuns.

Eu sei que posso estar errado, mas tenho o sentimento de que os “jornais de papel” - ao invés de “baixar o nível da discussão” e tentar concorrer com a Internet e a Televisão - deveriam, já que são impressos, investir no público que lê. Diferencial que bem pode ser o resgate daqueles mesmos valores de pertencimento intelectual abandonados, ou que talvez nunca tenham sido realmente abordados por aqui: a análise da obra de um autor local, a valorização quando merecida, a crítica honestamente construtiva e a consequente elaboração de uma melhor percepção da produção cultural local. Para o bem ou para o mal...

4 comentários:

Anônimo disse...

"Viver é ver Vitória" é uma frase/slogan do Marien calixte. cacau monjardim cunhou "Moqueca só capixaba. O resto é peixada."

A frase "Está Ilha é uma delícia..." é da Carmélia, sim, mas deve ser entendida com todo o rigor irônico que lhe era característico.

Saudações

Luiz Tadeu Teixeira

Anônimo disse...

Juca, boa tarde.

Sábado passado assisti no Wunderbar a um show em homenagem a Frank Sinatra. Aliás, o Wunder está se tornando cada vez mais a minha referência capixaba ao Degrau, bar do Leblon que atraía os frequentadores com o charme do compartilhamento das mesas. Sem, necessariamente, ser um point da "intelligentzia de esquerda", e, aos poucos, atraindo um público mais jovem. O que não é meu caso...

Encerrado o show, fiquei na conversa solta com Milson Henriques, Sérvio (ex-jornalista), a cantora Eliane Gonzaga e mais alguns amigos. Coincidentemente, o assunto polêmico que dominou o debate foi o mesmo que vc expressa na sua crônica. Para a nossa mídia, elogio e paixão pelo passado versus a aridez do momento atual, tido por todos como pasteurizado; a ausência de protagonistas e de críticos como Carmélia, Amylton de Almeida, o próprio Milson (afora a modéstia...) entre outros; os embates subliminares entre as colunas sociais da Maria Nilce e do Helio Dórea (expontâneo, creia) etc. Bem, os assuntos se sucediam, inconclusivos, mas ricos de lembranças.

O interessante é que, em um ponto, todos concordaram: hoje os cadernos culturais se limitam a reproduzir notícias sobre ídolos ou fatos nacionais; nossas agendas são meramente notas descritivas; não há, no jornalismo capixaba, nenhuma figura que expresse a nossa cultura com apuro intelectual e, ao mesmo tempo, reconhecimento popular; e, principalmente, inexiste o "pós", o trabalho jornalístico de se fazer presente ao evento e desse ato elaborar a crítica.
Ao final, o reconhecimento de que nossos jornalistas ou têm receio de expor as suas idéias, ou não as tem, ou ainda, preferem aguardar o que vem da net para não ir contra a opinião média.

Eu, mero ouvinte, leitor assíduo da Lektra, aprendiz e admirador de Juca nos assuntos da cultura, só tive de concordar.

Por falar nisso, Juca, queimei a minha língua. Meu filho, apesar de guitarrista nas horas vagas passou no vestibular da Ufes para Engenharia Elétrica no ano passado. Quando pensei que ele não ia ter tempo de pensar em outra coisa que não estudos, veio me dizer que é vocalista de uma banda cover do AC/DC. Pense bem: AC/DC, cara. Sexta feira, lá vou eu no Teacher's Pub assisitir à apresentação

Um abraço,

Bassul

Juca disse...

Muito bacana seu retorno Bassul, digno da galera que viveu os bons tempos do jornalismo. Hoje mesmo estava relendo o texto de Amylton que abre a coletânea de crônicas de Carmélia, o famoso Vento Sul.

Muita gente tem elogiado o Wunderbar ultimamente, mas muita gente mesmo. O Viktor que é guitarrista e participa lá, sempre lê a Letra ELektrônica e de vez em quando me escreve.

Mas a saída para essa críse de informação e cultura, talvez esteja aqui mesmo de fronte os nossos olhos, não é? A Internet é hoje um polo de debates e de amadurecimento dessa e de muitas outras questões e blogs como a Lektra e os outros que militam pela cultura estão se tornando referência, numa área que está simplesmente abandonada.

Teacher's Pub é o local para uma banda de rock tocar, eu que o diga. Aquele pedacinho de rua no Suvaco da Perua me é caro como o quê. Boa sorte para os meninos e não esqueça de levar protetor auricular, nesse caso é tão importante quanto filtro solar em dia de sol.

Um grande abraço.

Anônimo disse...

Oi Juca,

Parabéns. Sempre Instigante.

Vamos ordenar um pouco a zona. Até porque certas frases e colocações acabam sendo a marca das personas. Marien Calixte cunhou “viver é ver Vitória”, uma, segundo os lingüistas, aliteração poética (até porque só ver é insuficiente....). Cacau Monjardim criou “Moqueca é só capixaba, o resto é peixada” e Carmélia, sim, criou “Esta Ilha éuma delícia”.

Muito oportuna a consideração sobre o papel que os diários se furtam a fazer cobrindo a agenda cultural, não a de entretenimento, e com uma linha (gostei muito disso) voltada para o universo dos famosos e dos fatos escabrosos. Certamente deveriam trazer a reflexão sobre os fatos visto que os fatos eles não mais noticiam – o que a mim, veterano do impresso, causa prematura nostalgia. Os jornais não informam mais, Estée o grande dado e muito de seu consumo tem a ver com a inércia do hábito, do costume, apenas isso. Como se soube da morte de Bin Laden, para ficarmos num fato emblemático?. A informação (refiro-me ‘a notícia) já só rola na rede. Jornal traz notícias de ontem, ou seja, do quase “antigamente”. A questão é que mesmo você, bem mais jovem, também traz o condicionamento pela leitura do texto e assim colocamos o jornal num papel ou função que já é totalmente discutida. Se eles divisassem o nicho da cobertura cultural como você sugere estariam criando um diferencial consistente.Agora o bizarro mesmo é ver os jornais tentando competir com a nova mídia. As capas das segundas-feiras trazem o futebol de domingo no Rio, aqueles jogos que ‘as 20 horas de domingo já são velhos. E, para além da agenda cultural merecer o espaço da leitura reflexiva (certamente a impressa) isso fomentaria o surgimento de especialistas que sempre ajudam o desenvolvimento do setor. Cadê a critica de música, de teatro, de artes plásticas, de cinema, de literatura. Crítica, mesmo, avaliação isenta e muito mais do que os meros balcões que os segundos cadernos foram durante muitos anos, limitando-se a , quando muito, acolher os materiais de divulgação e reproduzi-los sem maior avaliação.

Aliás, nessa área e exercitando a antena de sua sensibilidade, logo, logo, você identifica algumas oportunidades inspiradas pelas necessidades da nossa rarefação cultural

NamastÊ

Eustáquio Palhares