A deputada olhou para mim, talvez pensando: “de onde é que eu conheço esse rapaz?” É. Eu tenho idade para ser seu filho e ela tem algo que fisicamente lembra a minha mãe. Aqueles traços da mulher de sangue ibérico, mouro, pessoa de gênio forte. Nossos olhos se cruzaram e ela desviou os seus para o teto. Fiz a mesma coisa e de repente me toquei que aquele solo era sagrado para mim. Aquele era o primeiro palco que pisei como roqueiro, vestindo minha ridícula capa de vampiro em um show descrito no Livro do Pó.
Vejo lá na frente o balcão da galeria, nas laterais a saída do ar-condicionado e grandes caixas de som. Lembro então que aqui aconteceu também uma das paradas mais engraçadas que já vi na vida. Um estrambótico concurso de halterofilistas daquele gênero “Mister Universo”. Competia o irmão de uma amiga de minha namorada na época e fomos recrutados para “dar uma força”. O cara acabou não ganhando, mas nós saímos no lucro, no melhor estilo “me segura que eu vou ter um troço!”
Imagine, ou realize como hoje dizem os mais jovens, aquele bando de marmanjos depilados, vestindo minúsculas tanguinhas desfilando pra cá e para lá como fossem mocinhas encantadoras. Realize a loucura da platéia, sim, sem preconceitos, tinha uma penca de representantes da galera gay lá, afinal, ora (!) Uma parte curiosa da competição era a “coreografia” solo, tinha que ser executada como fora uma dancinha por cada um dos participantes e, como fora um momento romântico, a maioria escolheu melosas canções de Laura Pausini. Essa parte foi indescritível, inenarrável.
Poucos dias antes, tínhamos feito uma vulcânica despedida de solteiro para um primo casadoiro e, inevitavelmente, a baderna desaguou em certa altura na “boate” PlayMan “Você gosta: a gente mostra!” Acho até que já escrevi sobre isso alguma vez, daquelas tristes moças sem roupas e despidas de alma, surradas em espírito, como uma calça velha e desbotada, ruças, bagaços espremidos em “mil e uma noites de prazer”. E dançando as mesmas músicas que aqueles galalaus desenxabidos...
Uma hora mostravam bíceps, depois panturrilha e outros músculos de suas carcaças desenvolvidas. Alguns eram magrinhos e ficavam constrangidos, seus treinadores os instigavam como numa competição qualquer, aquele não era lugar para timidez. Basta lembrar do cara que ganhou, um exibicionista nato, narciso apaixonado por sua própria imagem “super-herói de supermercado”. Recebeu troféu e uma grande medalha em um cordão de metal. A platéia gritava para ele “Boi! Boi! Boi!” Em resposta aquele baita Hercules da botoculândia posava para fotos muito sorridente vencedor e girava a medalha no pescoço, tanto fez que a corrente quebrou e despencou no chão.
Eu não conseguia mais parar de rir, limpava as lágrimas do rosto e agradecia a Deus por estar vendo aquilo tudo de careta. Fora nos dias de doidão, provavelmente teria enfartado ou tido uma parada respiratória. Obviamente não me tornei frequentador dessas competições, nunca mais ouvi sequer falar de alguma, mas elas devem continuar acontecendo por aí. Fico só pensando como funciona essa coisa da memória, quando desviamos o olhar e despencamos no passado...
Nenhum comentário:
Postar um comentário