Publicado no Caderno Pensar de A Gazeta, em 10 de dezembro de 2011.
Não é tarefa fácil atrair para a música clássica aqueles para quem música é sinônimo de festa e rejeitam o “erudito” tachando-o de “triste”, fazem relações até com velórios. Some-se o fato de que alguns itens “clássicos” de consumo acabam vistos com reservas porque penam com o fetiche de pessoas que adotam pose e discurso dissociados de um possível gozo – livros, filmes e até vinhos – ao invés de curtir a coisa pelo prazer que proporciona, sem regras e explicações complicadas.
A defesa da música clássica como algo divertido e sem neuras perpassa o livro “Escuta Só – do Pop ao Clássico”, uma coleção de artigos do crítico musical da revista New Yorker, Alex Ross. Porém, é bom entender que quando Ross se refere ao Pop está falando de certa vanguarda que tem lá um pezinho no popular como Bod Dylan, Björk e a banda Radiohead, mas passam longe de serem comparados a mega fenômenos da mídia como Lady Gaga e Justin Bieber.
São vinte capítulos abordando abismos sonoros, todos muito instigantes. Ross passeia pela música de concerto da China e vai até o som ártico de John Luther Adams; aborda particularidades da vida de John Cage e rumores sobre a homossexualidade de Schubert. São visões dos clássicos para aqueles que podem fruir a arte pelo que ela tem de mundano e verdadeiro, outra vez, evitando a postura blasé de endeusar músicos pelo que aparentam ser e não pelo que realmente são.
Três capítulos são particularmente interessantes para os que se interessam pelo futuro da música: o que trata da transição da batuta do “antimaestro” Esa-Pekka Salonem, da Filarmônica de Los Angeles, para o jovem prodígio venezuelano Gustavo Dudamel; o que mostra a queda brutal no ensino de artes nos Estados Unidos e que é muito contundente, até pela dificuldade de se traduzir a convicção dos que amam a música em dados sociológicos exatos:
“Sempre que uma pessoa tenta defender a música em termos utilitários, ela tropeça nem incertezas fundamentais sobre o verdadeiro objetivo de uma arte cuja atração é, como observou ansiosamente Platão, ilógica e irracional.”
Mas o capítulo mais pessoal e instigante talvez seja o que aborda o Festival de Malboro, tradição trazida da Alemanha pelo pianista Rudolf Serkin e seu sogro, o violinista Adolf Busch. Carrega a marca sutil da transferência de conhecimento do mestre para os alunos e da infeliz inversão de valores das gerações pós-guerra. Não é de espantar hoje um iniciante querendo ditar sugestões ao professor, um leigo querendo ensinar um especialista a trabalhar, mas o quão tola pode ser essa situação. É um momento profundo e difuso do autor, lírico e distante.
Estudante e amante da música clássica (acredite, nem sempre uma coisa tem a ver com a outra), Alex Ross tenta mostrar em seu livro que é preciso resgatar o gozo e a reverência pela música viva e sacudir as velharias. Por exemplo, sua visão da etiqueta em concertos vai contra muitas convenções estabelecidas e seus argumentos soam inovadores. Quem frequenta concertos sabe que existem algumas regras que, inclusive, desmascaram os leigos na platéia, destas a principal é não aplaudir entre os movimentos de composições de grande escala. Segundo Ross:
“Os músicos e críticos alemães inventaram essa regra nos primeiros anos do século XX. Leopold Stokowski, quando dirigiu a orquestra da Filadélfia, foi fundamental para trazer essa prática aos Estados Unidos.”
No Brasil é comum vermos “regras de etiqueta” detalhadas em pomposos livros de “música clássica”, em palestras e até mesmo em programas de concerto. É inevitável que causem estranheza ao público leigo, que – quando vence a barreira do estranhamento e vai ao teatro - naturalmente aplaude o final estrondoso do primeiro movimento de uma grande sinfonia, enquanto boa parte do público protesta por silêncio e nem todos de maneira educada. Lendo os artigos muito bem escritos por Ross temos a impressão de que nós estamos indo de Transcol e os gringos estão voltando de nave espacial e que esse imaginário chiquérrimo do cidadão “patropi” tem muito mais de caipira do que suspeita a nossa vã filosofia.
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