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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ETERNAMENTE EM NOSSO CORAÇÃO

Em seu filme sobre a Paris dos anos vinte, Woody Allen colocou uma fala pra personagem do Hemingway, dizendo que o importante em uma história é ter coração e ser verdadeira. Porque tem muita ficção surreal que é a mais perfeita verdade e muita história real que distorce fatos tentando perpetuar mentiras. Existe um nome, aliás, para isso e agora não estou lembrando, mas vou procurar. Eu sei, porque vi numa palestra do professor Higgins. Ah sim, Eliza Doolitle veio me visitar perto da noite de natal, na mesma Londres de um século atrás, do Pigmalião de George Bernard Shaw.

Tive saudades de ouvir um disco que tinha lá na casa de meus pais: a trilha sonora do musical “Minha Querida Lady”, especialmente uma música que falava assim:

Nessa rua estou, sem saber por que / sem pensar caminho e chego junto ao seu portão / é o coração que me traz aqui / é aqui onde mora meu bem...

Graças à Internet consegui, ou melhor, achei e baixei no blog “Do Vinil Para a Web” aquela gravação histórica desse grande musical que tinha Bibi Ferreira e Paulo Autran nos papéis principais. No link abaixo vocês podem baixar essa preciosidade também.

http://do-vinil-para-a-web.blogspot.com/2009/01/minha-querida-dama.html   



Baixado o disco peguei a música para ouvir novamente após, sei lá, uns trinta e tantos anos. Não vou trilhar aqui aquele caminho pastoso de dizer que meus olhos se encheram de lágrimas e que a emoção doeu meu coração, fiquei apenas com saudades de pessoas e lugares que não posso mais visitar. De uma sala onde ficava a eletrola que não lembro mais como era, uma grande tapeçaria emoldurada feita por mamãe em uma de suas fases artesã. Uma vida que ficou tão distante dentro de mim que parece ter sido vista em um filme e depois contada por outra pessoa.

Ouvi a música de novo e outra vez. O romantismo nela cheira a lojas de departamento dos anos setenta e às pesadas cortinas e móveis de madeira escura das casas de antigamente, pequenos jardins de lugares que não existem mais e portões baixinhos com grades de ferro que davam para calçadas de cimento em ruas tranqüilas. Um toque de glacê e de seda, a paixão cantada aos berros sem nenhum medo de ser ridículo. A idealização romântica do amor eterno, das pessoas que sentavam em suas salas para escutar uma canção e desejar viver para sempre ao lado de outro alguém.

Longe foram os anos inocentes, veio o demônio do espírito crítico. Não gostei de ver Eliza terminar ao lado do enjoado professor Higgins, tive a sensação de que a sua lição fora aprendida muito melhor do que a dele, embora hoje eu saiba muito bem o quanto aprendemos quando vamos ensinar. A letra da canção que eu tanto ouvira na infância, por exemplo, começou a me incomodar. Por que o cara ia para a rua onde morava a garota que ele amava e ficava dizendo que não sabia o que estava fazendo lá? Ora, ele sabia muito bem sim, queria, aliás, o que todo mundo quer...

Com o auxílio luxuoso da Internet outra vez, baixei logo a partitura original de My Fair Lady, para comparar o trabalho de tradução feito, aliás, segundo Bernardo Schmidt no site www.bibi-piaf.com, por um tal Victor. A letra original diz assim:

I Have often walk down this street before / (Eu já caminhei várias vezes por essa rua)
But the pavement always stayed beneath my feet before / (mas antes o pavimento sempre esteve sob meus pés)
All at once am I several stories high / (ao mesmo tempo estou vários andares acima)
Knowing I’m on the street where you live. (sabendo que estou na rua onde você vive)

Tudo fez bem mais sentido. Porém, estou acorrentado àquela versão nacional, por todas cadeias afetivas que representa, porque através dela acesso sensações de uma época que se desintegrou e que me dá plena condição de saber que um dia isso também vai acontecer com todos nós e o que nos cerca. Talvez por isso em nossos tempos o amor não seja mais visto como foi na geração de nossos pais, porque Renato Russo cantou que “o pra sempre, sempre acaba”. Descobrimos uma maior velocidade de desintegração do presente. Tentamos obter algo que seja eterno, mas não acreditamos mais nisso.

Então Hemingway estava certo. É preciso ter verdade e coração no que escrevemos e ao irmos para a rua da pessoa que amamos sabermos muito bem porque estamos lá. Porque uma das poucas coisas que temos dentro de nós e que nunca vai mudar é o desejo de amar e de viver para sempre, nem que seja na memória de alguém.

Bibi Ferreira no papel de Eliza Doolitle

2 comentários:

Rogério Coimbra disse...

Caro Juca,
Esse eu assisti, com esse mesmo elenco, no Teatro Carlos Gomes, do Rio. Assisti com meu pai e tínhamos o LP em casa.
É confiável baixar ?
Viajei...Minha mulher tb viu, mas, à época não nos conhecíamos.
Um abraço

Anônimo disse...

Prezado mestre Coimbra, estou vendo seu comentário só agora. Mas, sim, já baixei, gravei um cd e ouvi em casa, no carro, na rua, na fazenda, até na casinha de sapê. Depois deletei o arquivo, me arrependi, porque queria enviar para outras pessoas e então baixei de novo. Tudo sem o menor problema.