Soube hoje do falecimento de Jadyr Primo e lembrei de um monte de coisas "daqueles tempos" em que Maria Nilce abalava a ilha de Vitória. Lembrei também de um texto que fiz em janeiro de 2009 e que foi um dos mais elogiados até hoje, com a ressalva que é preciso ser BEM capixaba para entender o desfecho. Boa leiktura!
Dia de chuva parece que a gente nem consegue pensar direito, embaça a mente, sei lá. Hoje tive a idéia de responder coisas para pessoas, mas a oportunidade já tinha passado, aquele negócio de depois você pensar: “Poxa eu poderia ter dito tal coisa”.
Estava almoçando no restaurante de Marcos Ortiz, na Gruta da Onça e fui ao banheiro que fica ao lado da porta que dá acesso à cozinha. Antes mesmo de chegar perto uma moça de touquinha branca na cabeça me barrou dizendo que o bicho estava ocupado. Então esperei e logo entendi a razão de sua preocupação...
De dentro do banheiro dos homens me sai uma moça bonita, alta, de cabelos encaracolados que, meio sem graça e divertida, falou: “Você sabia que banheiro de homem é bem mais limpinho que de mulher?” Respondi sua simpática abordagem com um encabulado “é mesmo?”, ou algo assim, enquanto fechava a porta.
Depois pensei com meus botões: “Pode até ser mais limpinho, mas certamente não é tão bem freqüentado”. Afastei as divagações da cabeça como quem espanta pernilongos, me consolei com a idéia de meu status civil não me permitir ficar por aí disparando galanteios baratos como um paquerador de quinta categoria.
Caminhei pelo centro da cidade de marquise em marquise até o Banco do Brasil, na verdade sem muito me importar em ficar encharcado. Precisava sacar algum dinheiro e, antes de voltar pra casa, ainda tinha que achar um lugar pra comprar um novo estojo para minhas lentes de contato.
E a chuva não cedia.
Já saí do banco tentando acessar meu GPS mental na esperança de lembrar qual a ótica mais próxima e o sinal estava fechado. Esquadrinhei o outro lado da rua e vi a antiga fachada para a qual eu nunca havia prestado atenção: Magazine e “Óticas” Primo. Não me recordo de já ter comprado alguma coisa naquele lugar, mas era o mais à mão, então dane-se o gambá!
Fui atendido por um rapaz que me vendeu o estojinho por cinco reais e escreveu o pedido num grande bloco de notas, daqueles de três vias. Eu ri da situação e ele falou constrangido que estava gastando mais papel do que o valor da minha compra, “mentalidade gerencial das antigas”, comentei meio solidário e diplomático.
Para chegarmos ao caixa tivemos que atravessar uns três ambientes diferentes, pude então perceber que a clientela era formada por senhores e senhoras já bem idosos, para quem, provavelmente, aquela era a “loja de departamentos” que a geração deles conheceu...
Depois de pagar, a moça do caixa devolveu minha minúscula compra numa sacola de plástico azul escuro, vinte vezes maior do que o produto, ainda tinha dentro um daqueles calendários demodês. Era rastaquera e engraçado, me preparei para reencarar a chuva com a sensação de ter passeado no túnel do tempo.
Na saída, já passando pela porta, um senhorzinho vestido elegantemente de terno e gravata me jogou essa: “Rapaz bonito não paga”. Me perguntei se ele realmente tinha dito aquilo pra mim, tô pra te dizer que me chamar de “rapaz” foi bem mais elogioso do que de “bonito”, afinal, pode ter velho bonito, enterro bonito, agora rapaz... Me senti renovado, quase uma vítima de pedofilia.
Imagine só a situação: um homem barbado e pançudo que nem eu, do alto de minhas quatro décadas de roquenrous bem administrados, ser abordado por um biba geriátrica, duas da tarde, como se fosse algum fedelho cagão, filho de pai assustado.
Fui parar do outro lado da rua matutando uma resposta à altura, ainda que tardia. Escondido embaixo de uma marquise de madeira da obra de reforma do antigo Cinema Glória, pensei que poderia ter dito com ingenuidade e elegância (termo usado com ironia, por favor): Agora saquei porque é que chamam isso aqui de “O Magazine Alegre da Cidade”...
Estava almoçando no restaurante de Marcos Ortiz, na Gruta da Onça e fui ao banheiro que fica ao lado da porta que dá acesso à cozinha. Antes mesmo de chegar perto uma moça de touquinha branca na cabeça me barrou dizendo que o bicho estava ocupado. Então esperei e logo entendi a razão de sua preocupação...
De dentro do banheiro dos homens me sai uma moça bonita, alta, de cabelos encaracolados que, meio sem graça e divertida, falou: “Você sabia que banheiro de homem é bem mais limpinho que de mulher?” Respondi sua simpática abordagem com um encabulado “é mesmo?”, ou algo assim, enquanto fechava a porta.
Depois pensei com meus botões: “Pode até ser mais limpinho, mas certamente não é tão bem freqüentado”. Afastei as divagações da cabeça como quem espanta pernilongos, me consolei com a idéia de meu status civil não me permitir ficar por aí disparando galanteios baratos como um paquerador de quinta categoria.
Caminhei pelo centro da cidade de marquise em marquise até o Banco do Brasil, na verdade sem muito me importar em ficar encharcado. Precisava sacar algum dinheiro e, antes de voltar pra casa, ainda tinha que achar um lugar pra comprar um novo estojo para minhas lentes de contato.
E a chuva não cedia.
Já saí do banco tentando acessar meu GPS mental na esperança de lembrar qual a ótica mais próxima e o sinal estava fechado. Esquadrinhei o outro lado da rua e vi a antiga fachada para a qual eu nunca havia prestado atenção: Magazine e “Óticas” Primo. Não me recordo de já ter comprado alguma coisa naquele lugar, mas era o mais à mão, então dane-se o gambá!
Fui atendido por um rapaz que me vendeu o estojinho por cinco reais e escreveu o pedido num grande bloco de notas, daqueles de três vias. Eu ri da situação e ele falou constrangido que estava gastando mais papel do que o valor da minha compra, “mentalidade gerencial das antigas”, comentei meio solidário e diplomático.
Para chegarmos ao caixa tivemos que atravessar uns três ambientes diferentes, pude então perceber que a clientela era formada por senhores e senhoras já bem idosos, para quem, provavelmente, aquela era a “loja de departamentos” que a geração deles conheceu...
Depois de pagar, a moça do caixa devolveu minha minúscula compra numa sacola de plástico azul escuro, vinte vezes maior do que o produto, ainda tinha dentro um daqueles calendários demodês. Era rastaquera e engraçado, me preparei para reencarar a chuva com a sensação de ter passeado no túnel do tempo.
Na saída, já passando pela porta, um senhorzinho vestido elegantemente de terno e gravata me jogou essa: “Rapaz bonito não paga”. Me perguntei se ele realmente tinha dito aquilo pra mim, tô pra te dizer que me chamar de “rapaz” foi bem mais elogioso do que de “bonito”, afinal, pode ter velho bonito, enterro bonito, agora rapaz... Me senti renovado, quase uma vítima de pedofilia.
Imagine só a situação: um homem barbado e pançudo que nem eu, do alto de minhas quatro décadas de roquenrous bem administrados, ser abordado por um biba geriátrica, duas da tarde, como se fosse algum fedelho cagão, filho de pai assustado.
Fui parar do outro lado da rua matutando uma resposta à altura, ainda que tardia. Escondido embaixo de uma marquise de madeira da obra de reforma do antigo Cinema Glória, pensei que poderia ter dito com ingenuidade e elegância (termo usado com ironia, por favor): Agora saquei porque é que chamam isso aqui de “O Magazine Alegre da Cidade”...
Só um P.S.: E não é que o prédio do Glória está em obras até hoje?
5 comentários:
Bem. Quando Maria Nilce morreu, o Sr. Jadyr não teve muita reverência, não. Até houve um desgaste sério entre ele o Seu Djalma. Decerto que depois ele deve ter mudado sua cabeça sobre as pessoas boas, como Maria e Seu Djalma. Deve mesmo ter caído em si. Diferentemente dele, do que fez na época da morte de Maria, vou desejar aos seus parentes, esposa, filhos e toda a família, que Deus os conforte e enxugue suas lágrimas. Perder um ente querido é muito triste, devastador. A saudade fica para sempre... mas Jesus ameniza. Então, respeitosamente, do fundo do coração, peço que haja luz no seio da família que fica órfã do Jadyr. São os meus votos de carinho.
Sobre o Cine-Teatro Glória, até hoje em obras... são anos e nada! Poxa, pega até mal! Glória quer dizer "reputação alcançada por meio de realizações excepcionais". Torço para que se faça jus ao nome e, o estabelecimento cultural estando livre de mofo e de animais, abrilhante Vitória! Sem demora, claro. É um prédio lindíssimo, faz parte da história capixaba e a capital necessita de uma casa de espetáculos de excelente nível! Mais um teatro e um cinema de verdade, como antigamente - com a tecnologia de hoje! Mãos à obra: tirem a poeira e finalizem essa reforma! O povo aguarda ansiosamente, por uma excepcional realização! Ao final, daremos glória, sim!
Abraço,
Claudio Souza
Bem a parte das obras não sei se são uma grande piada ou se na verdade elas fazem parte da arquitetura da cidade e nós ignorantes não entendemos a magnitude destas criações que se reinventam a cada nova eleição.
.
Quanto ao Jadir, para mim um exemplo de humildade, cordialidade e respeito ao, outro independente de ser ou não cliente de estar ou não em sua loja.
Espero que Cristo possa dar o consolo e trazer paz ao coração da família neste momento tão difícil.
E quanto a sua crônica como sempre esta um delicinha!
Grande abraço e boa semana.
Cínita O.
Cíntia, o Glória está lá em obras, como estava no início de 2009. Vivem anunciando que a reforma está acabando, mas até agora nada.
Infelizmente, para com a minha família o Jadyr não teve muito respeito não, especialmente quando foi entrevistado após o brutal assassinato de Maria Nilce declarando à televisão e para quem quisesse ver e ouvir: "ela merecia levar uma surra".
Essas coisas a gente não esquece, mas eu, como você pôde ler, não quardei mágoas e espero que a família Primo encontre o consolo e o respeito que seu patriarca não demonstrou pela minha.
Jadyr Primo, um grande nome.Fundador do tradicional e mais famoso "Magazine Alegre da Cidade". Para poucos era motivo de piadas, mas para muitos um exemplo a seguir.Um exemplo de pai, homem e profissional. Criou um grande império com seu jeito modesto de ser, de tratar seus clientes independente da classe social. Assim foi cada vez mais crescendo e para os que o admiravam era só orgulho, para os que o criticavam motivo de piada. O que seríamos nós sem os debochados? Realmente, o melhor é tido como referência, é sempre lembrado, muitas vezes criticado, sendo alvo de ironias ou não, melhor assim do que ser esquecido. Se Deus não agradou a todos, quem somos nós para agradar...estamos longe da perfeição, mas buscamos a todo momento por ela.
Jadyr Primo, um guerreiro que muitas lutas enfrentou e todas venceu. Um lider de verdade. Uma pessoa linda, sem manchas e desafetos. Os que não tem coragem para admirá-lo, buscam um defeito, mas assim entendemos que é uma linda forma de carinho. "Senhor tenha piedade de nós..."
Agora junto de nosso Senhor está, certamente, ainda melhor, muito melhor que todos nós.
Saudades eterna.
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