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quinta-feira, 26 de julho de 2012

GABRIELA MOREIRA: PAIXÃO PELA DANÇA

Entrevista com a bailarina Gabriela Moreira, 19 anos, em 26 de julho de 2012. Professora da turma de Balé do projeto Canto na Escola no bairro Barro Branco, Serra-ES. O projeto tem apoio da empresa ArcelorMittal Tubarão e é coordenado pela maestrina Alice Nascimento. 

O depoimento de Gabriela demonstra, de maneira tocante, vívida e emocionante, a importância das ações desenvolvidas pelo Instituto Todos Os Cantos e outras instituições voltadas para os projetos culturais.

ITC: Gabriela você começou a participar de projetos sociais desde pequena não é?

Gabriela: Sim, desde os nove anos que foi no Arco Íris (atual Instituto João XXIII), aqui no Itararé mesmo (Vitória-ES).

ITC: E como é que isso começou? Sua mãe que ficou sabendo, você nem lembra não é?

Gabriela: Não, eu lembro! Eu é que fiquei sabendo na escola, mas não me interessei; não dei meu nome, nem nada. Aí de tarde eu fui na casa de uma amiga que falou que ia e me chamou pra ir junto e eu fui. Inclusive eu fui de intrusa, meu nome nem tava lá. Minha primeira aula foi com Alice (Nascimento), eu lembro até hoje. E nisso eu fiquei lá até tarde, quando voltei levei o maior esbregue da minha mãe porque não tinha avisado. Depois eu pedi pra ela ir lá, que eu tinha gostado e tal, aí sim ela foi.

ITC: Quando você soube do projeto na escola, por que você não se interessou em participar?

Gabriela: Porque eu nunca tinha feito, não tinha conhecimento de nada, para mim aquilo era alguma brincadeira. Quando fui no primeiro dia e vi que era aula mesmo de coral, aula de flauta e de violão é que eu me interessei.

ITC: Você já tinha vontade de aprender música ou algo assim?

Gabriela: Não, nunca tive vontade.

ITC: Mas aí, quando conheceu você quis...

Gabriela: Sim, aí eu falei que queria. E entrei pras três oficinas oferecidas na época, isso foi em 2003.

ITC: E a dança?

Gabriela: Meu primeiro contato com a dança também foi lá dentro do Instituto (Arco-Íris). No ano de 2004 anunciaram que ia ter uma oficina nova, de balé, com a professora Liviane Pimenta e eu me inscrevi. Eu sempre achei bonita a dança, mas nunca tinha tido nenhuma convivência, então comecei as aulas de balé e gostei. Não era aquele balé assim tão rígido e cobrado como as aulas que tenho hoje, mas era balé, a gente ensaiava e fazia apresentações. E eu me interessei mais do que as outras oficinas, mesmo gostando, porque depois vieram de percussão, teatro, e eu entrava em todas, mas a que eu mais gostei foi a dança mesmo, o balé. E aí eu fui ganhando destaque, fui descobrindo que tinha jeito praquilo. Eu me destacava porque queria fazer aquilo, eu sempre me empenhava, não estava ali porque não queria ficar em casa, eu queria mesmo dançar e continuei. 

Gabriela e sua turma de dança.
ITC: Você disse que “naquela época o balé não era tão rígido quanto o que eu faço hoje”. O que você faz hoje?

Gabriela: A história toda foi assim: teve um ano em que eles cortaram o balé do projeto Arco-Íris e eu senti muita falta, mas então entrou a oficina de vivências corporais que também era dança, só que popular e contemporânea (Com a professora Danubia Aires). E eu gostei também, conheci esse outro lado, descobri que gosto da dança no geral, mas falei pra Danubia que gostaria de continuar estudando balé e ela me falou das aulas que tinham na Fafi (Escola FAFI da Prefeitura, fica no centro de Vitória), mas que tinha prova, audição pra entrar e que era muito difícil. E minha mãe não ligava muito pra esse tipo de coisa não, tanto que minha inscrição na Fafi foi a primeira vez que eu andei de ônibus, sozinha, na minha vida - eu tinha doze pra treze anos – porque era uma coisa que eu queria muito. Liguei pra Fafi pra descobrir quando abriam as inscrições, fiquei ligando durante o final do ano, e a Danubia também estava me ajudando, descobriu o dia e me avisou. Fui eu e mais duas amigas lá na Fafi e ficamos meio perdidas, aí a Bianca (Corteletti, na época a coordenadora da Fafi) veio e me perguntou: “Tá, mas você quer fazer balé pra quê? Porque aqui a gente tem o balé pra quem quer fazer por hobby e temos o que é de formação mesmo”. Aí falei com a maior determinação que queria o de formação, que eu queria ser bailarina.

ITC: Quantos anos você tinha mesmo?

Gabriela: Doze! Aí ela falou “Então tá Gabriela” e me deu uma ficha de inscrição e foi a maior confusão nesse dia porque eu não tinha levado foto nem nada, a minha sorte é que meu pai trabalha perto da Fafi e peguei dinheiro com ele, rodei o centro, tirei foto e foi essa correria. Aí fiz minha inscrição, marcaram o dia do teste, eu fui e quando voltei pra pegar o resultado tinha passado. Foi uma pena que minhas amigas não conseguiram, mas eu fiquei muito feliz que passei.

ITC: Suas amigas estudavam também com você no Arco-Íris?

Gabriela: Sim, eram a Denise e a Ana Carolina. Só eu passei. E eu também continuei no Arco-Íris, ia pra lá quando não tinha aula de balé e nos espetáculos, nas apresentações eu sempre estava presente porque era um lugar que eu gostava muito de estar. E foi assim até 2009, tive aula de música, história da dança, balé contemporâneo, ponta, tudo, mas não cheguei a me formar pela Fafi. Eu recebi uma proposta, ganhei uma bolsa do Balé da Ilha e resolvi ir porque é uma escola muito boa, vamos dizer que os melhores bailarinos do Estado estão ali e eu não poderia deixar passar uma oportunidade dessas, fui graças a professora Patrícia Miranda que me dá aula até hoje.

Gabriela em ação com a turma do Balé da Ilha
ITC: E você nunca pagou por nada disso?

Gabriela: Não, nunca paguei para ter aulas.

ITC: E se você tivesse que pagar você acha que sua família teria condição?

Gabriela: Não, não teria não. Imagina se eu tivesse que pagar por figurinos, viagem. Porque eu sempre tenho que estar comprando meia calça, sapatilha, collant que é uniforme, coisas que gastam muito fácil para quem faz aulas todos os dias. Se, além disso tudo, eu ainda tivesse que pagar pelas aulas eu já teria desistido há muito tempo.  

ITC: Alice Nascimento te convidou no início do ano para dar aulas de balé no projeto Canto na Escola e como é isso pra você, a Gabriela agora estar ensinando para crianças que não têm condições como foi a sua própria história?

Gabriela: Eu nunca imaginei de estar dando aulas, o meu objetivo era dançar e daqui a pouco estar fora... Mas a gente vai vendo que essas coisas não são bem assim. Dar aula é para mim uma experiência nova, mas muito boa, estou gostando muito de passar o que eu aprendi e da forma como eu aprendi. Uma forma boa sabe? Não foi uma coisa mais ou menos. Eu ensino da mesma maneira que aprendi na Fafi e no Balé da Ilha e eu vejo que as crianças do projeto se interessam muito, eu me vejo no lugar delas. Se na época que eu comecei igual elas, no projeto, eu tivesse tido um ensino de mostrar o que é certo e de mostrar a realidade... Porque o balé exige muito, aquela coisa da técnica e da seriedade; e eu fico feliz porque elas se interessam.

Turma de Balé do Canto na Escola na apresentação de encerramento do ano passado.
ITC: Você acha então que você faz um trabalho mais sério do que o que você teve quando começou?

Gabriela: Sim.

ITC: Talvez porque você tem uma experiência de vida que aquelas pessoas que te iniciaram não tiveram.

Gabriela: É verdade. E hoje, assim, em festivais, em apresentações eu sempre encontro com a professora que começou me dando aula e fico muito feliz, porque ela não imaginava onde eu ia chegar.

ITC: Como saber não é? Quantas crianças você dá aula hoje no Canto na Escola?

Gabriela: Em torno de sessenta. É isso, são quatro turmas de quinze. Quem sabe no futuro eu também não me surpreenda e possa estar esbarrando com alguma destas minhas alunas. O que vai ser muito gratificante pra mim, por ter conseguido passar à frente o que eu aprendi.   

ITC: Se você não tivesse essa oportunidade o que você acha que teria sido da sua vida?

Gabriela: Sinceramente não sei, porque não me vejo fazendo outra coisa. Hoje em dia eu quero muito começar uma faculdade, quero dar continuidade ao estudo, mas não sei o que fazer (no Espírito Santo ainda não há ensino superior de dança). Eu não me vejo fazendo outra coisa, eu quero continuar dançando. Não adiante escolher um curso qualquer e empurrar com a barriga...

ITC: Quando você olha para sua comunidade, o lugar de onde você veio, aquelas suas amigas, por exemplo, que tentaram a prova junto com você e não passaram: o que aconteceu com elas? Elas se tornaram dançarinas?

Gabriela: Não, não... Hoje eu não convivo muito mais com elas, eu sei que trabalham no projeto Menor Aprendiz e estudam, eu acho, uma delas ainda estuda. Seguiram um caminho totalmente diferente do que eu faço.

ITC: A gente vê então que a oportunidade é dada, mas ela não é tudo. Tem que fazer igual você falou “Eu estou aqui porque eu quero e não porque cansei de ficar em casa olhando pra televisão. Eu quero dançar e vou perseguir o sonho.”

Gabriela: Sim.

ITC: E essa é a qualidade do verdadeiro artista, o artista tem que saber o que quer. Não dá pra ser mais ou menos artista, ou você é ou você não é.

Gabriela: É verdade.

ITC: Obrigado pela entrevista Gabriela.

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