Esse agosto não está muito bom para a comunidade musical de qualidade não, já perdemos o Celso Blues Boy e o Magro do MPB4 e agora acabo de ver a dolorosa e triste notícia do falecimento do grande flautista Altamiro Carrilho. No fundo nem é tão triste assim, afinal, Altamiro viveu bem 87 anos de muita música e através dela conheceu a glória internacional. Tristeza me dá porque tão poucos são como ele, embora seu legado – e elegância - há de prosseguir nos lábios de um Zé Benedito, meu compadre, seu discípulo dileto no chorinho.
Por essas voltas inexplicáveis que a vida dá, faz quase dez anos eu fiquei por conta de ciceronear o Altamiro aqui em Vitória e Vila Velha, acabei sendo o apresentador de um concerto da OFES com sua participação tocando Mozart e tive a honra de segurar o seu flautim (no melhor sentido que vocês puderem imaginar) no inesquecível concerto de abertura da Festa da Penha de 2003, com a Orquestra Phylarmonia e regência de Modesto Flávio, salvo engano.
Como ficamos pra cima e pra baixo naquele dia 24 de abril acabamos conversando bastante, o Altamiro tinha já seus setenta e tantos na época, mas era um daqueles – hoje nem tão raros - sujeitos cheios de energia e disposição, me lembra o nosso maestro Adolfo Alves que dá banho de vitalidade na garotada. Lá pelas tantas descobrimos que fazíamos aniversário no mesmo dia e, sagitarianos apontando flechas para o espaço, vimos altas transcendências naquela coincidência trivial.
Eu fazia um programa de música clássica na pequena – inclusive de alcance - Radio Comunitária da Praia da Costa e como Altamiro era uma usina em movimento resolvi o levar pra dar entrevista no programa de meu amigo Clóvis Rosa. Foi um furdúncio do lado de fora da rádio. Logo apareceram alguns senhores do entorno que não acreditavam que o Altamiro estava naquela insignificante emissora. Pois o maior flautista do Brasil ficou lá umas duas horas. Contou um monte de histórias, deu discos de presentes, enfim, acima de tudo e de todos: deu uma aula de como uma lenda viva deve se comportar com dignidade, afeto e a simplicidade de um ser humano qualquer.
Conhecer Altamiro Carrilho definiu para mim a diferença que existe entre um astro e o estrelismo. A jóia rara e o falso brilhante. Sua música plainava soberana, não precisava “fazer tremer o chão”, tudo ao seu redor vibrava em consonância com sua alegria e seu alto astral. Cheguei a conclusão de que da musicalidade emana mais simplicidade do que alvoroço e que “a direção é mais importante do que a velocidade”. Sensação parecida tive quando encontrei Monarco e, bem recentemente, Dominguinhos em Domingos Martins. Como é bonita e grandiosa essa postura da tranqüilidade assentada de quem não precisa mais provar nada pra ninguém...
Portanto: Descanse em paz Altamiro Carrilho! E viva a música popular brasileira!!
3 comentários:
É uma perda muito triste! Irreparável. Altamiro não era só um dos melhores do Brasil, mas do mundo. Do mundo!
Os dias estão tristes porque houve a perda de Magro (MPB4), Celso Blues Boy e também do maravilhoso Severino Araújo, maestro da Orquestra Tabajara.
Altamiro Carrilho foi único. Jamais apareceu alguém que pudesse fazer o que ele fazia na flauta. Não acredito que vá haver discípulo à altura dele. Total extinção, já que dificilmente alguém com os mesmos interesses musicais terá a mesma capacidade e plena dedicação. Ele extrapolava a MPB, porque inseria jazz e um estilo muito especial de tocar. Desfiava um repertório muito apropriado para flauta transversal, flautim e o seu jeito de executar: modinha, polca, samba, tangos brasileiro e argentino, chorinho, mazurca, marchinha, valsa, schottisch, marcha-rancho, habanera, populares, jazz, frevo, balada... além de gêneros da Europa e América do Norte. Quem se atreve?
Nos últimos anos, Altamiro amargou dificuldades financeiras. O Brasil é um país de excelentes músicos, principalmente instrumentistas. Mas se tem ótima safra de talentos, de baciada, por outro lado a cultura empresarial não privilegia ou valoriza devidamente esses verdadeiros artistas. Há músicos que passam fome. Mesmo assim, vale a pena o prazer de tocar e de encantar.
Musicalidade não é para todos. Mas Altamiro foi excepcional, tocou a música do mundo para o mundo. Mostrou a que veio. Insuperável.
Claudio Souza
Ótimo texto, Juca. Confesso que senti arrepios quando li uma passagem do último parágrafo: "...tudo ao seu redor vibrava em consonância com sua alegria e seu alto astral.". Nunca estive na presença de Altamiro, mas fui capaz de sentir uma fração da sua aura tranquila e para cima por meio de seus discos e vídeos. Foi realmente um privilégio, o seu!
Sim, Oleare e mais alguém vieram lembrar do Severino também e também de um cara de uma dupla sertaneja de raiz. Mas Victor: eu assisti o Altamiro quatro vezes. Uma foi na Praia de Camburi, faz tempo, acho que era um concerto de natal e tinha a alguma distância um rodeio acontecendo que incomodou o grande flautista. Depois que ele viu que suas reclamações não iam interromper a "concorrência" danou a fazer piada. Essa coisa legal dele é que era legal. Por muito menos já vi maestro sair do palco com orquestra e tudo e só voltar quando o silêncio absoluto se estabelecesse, mesmo sendo uma apresentação no meio da rua...
Postar um comentário