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domingo, 28 de outubro de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: MÚSICA, DISCIPLINA E SUPERAÇÃO

Monalisa Toledo é professora de musicalização e regente de corais do projeto Canto na Escola desde o início de 2012. Nesta entrevista vamos descobrir a trajetória de uma moça de apenas vinte anos que fez o caminho inverso de muitos artistas capixabas: veio do Rio de Janeiro para estudar e trabalhar com música na cidade de Vitória.

 
Monalisa Toledo: Eu nasci em Poços de Caldas, mas na verdade nem conheci a cidade. O meu pai era vendedor, trabalhava com representação. Em cada ano ele ficava em uma cidade diferente: Belo Horizonte, Franca, São Paulo, Rio de Janeiro, vários lugares. Mas os meus pais são cariocas mesmo, do Rio de Janeiro.

Blog ITC: E como é que surgiu a música na sua vida?

MT: A música é muito forte na minha família, o meu avô por parte de pai era maestro. A minha mãe toca tuba e meu pai começou tocando bateria, mas é tenor, ele canta. Os dois se conheceram na igreja através da música. Desde criança eu sempre cantei, me apresentei na igreja com os corais fazendo solos. Até que, quando eu tinha doze para treze anos, nós fomos para Campos (dos Goytacazes-RJ) e surgiu o projeto da Ong Orquestrando a Vida.

Nota do Entrevistador: O Orquestrando a Vida se apresenta com o subtítulo “El Sistema Brasileiro” porque foi implantado há mais de quinze anos por professores de música e maestros do badalado programa de educação musical da Venezuela, hoje tido como referência para o mundo e que revelou, entre outros, o regente Gustavo Dudamel. O projeto é vencedor do Prêmio CULTURA NOTA 10 e o Prêmio CULTURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 2011.

Leia mais: http://www.orquestrandoavida.org/o-projeto/historia/

MT: Então, no Orquestrando a Vida, surgiu uma vaga para estudar instrumento de cordas e eu queria estudar violino, porque era o único instrumento da família de cordas friccionadas que eu conhecia. Mas aí o maestro me entrevistou e nessa conversa eu descobri que o violoncelo além de ser um instrumento melódico, era também de base, de segunda voz. E eu me imaginei logo tocando o violoncelo e cantando ao mesmo tempo, já pensou que irado que seria?

Blog ITC: Eu não me lembro de já ter visto alguém fazendo isso.

MT: Mas eu consegui fazer, tenho até uma gravação disso, cantando a primeira voz e fazendo a segunda no violoncelo. Mas aí o maestro foi explicando sobre o instrumento, eu fui me interessando e resolvi fazer. Eu era grande pra minha idade, a forma da mão combinava com um instrumento grande (Monalisa mede 1.72 cm, pouco mais de dez centímetros acima da média das brasileiras estabelecida pelo IBGE). E então estudo o violoncelo desde os treze anos.

 
Blog ITC: Antes de entrar para esse projeto você estudava música como?

MT: Antes disso era na igreja e no conservatório que eu fiz quatro anos, eu morava em Nova Iguaçú e meu pai me levava todo dia naquela confusão do Rio de Janeiro, então não consegui levar à frente, porque eu era pequena; tinha interesse, mas a dificuldade era muito grande. Eu só fui estudar música mesmo em Campos. O projeto era bom, era grande, atendia mais de dois mil jovens e crianças e esse projeto existe até hoje.

Blog ITC: Esse projeto enfrentou alguns problemas não foi, tinha patrocínio até do Eike Batista?

MT: Sim, tem o patrocínio da EBX do Eike Batista, da Coca-cola e da violinista que hoje dá nome a um grupo do projeto: Orquestra Jovem Mariucca Iacovino.

Outra N.E: O site da Revista “Isto é Gente” traz uma reportagem sobre Mariucca nos seguintes termos: “A amiga do maestro Villa-Lobos; após assinar documento pela paz ao lado de Cândido Portinari e Pablo Picasso e ter o visto negado para entrar nos Estados Unidos, ela pode figurar no Guiness Book como a violinista mais velha em atividade no mundo (sua carreira começou em 1918!)”.

http://www.terra.com.br/istoegente/49/testemunha/index.htm

MT: Houve essa época em que o projeto estava acabando e nós fomos para a rua do Projac. A nossa intenção era chamar atenção da Ana Maria Braga e ela parou para ouvir, nós tocamos Carinhoso e ela se emocionou. Isso tudo em pé, violoncelo, violino, todo mundo cantando a capela, sem acompanhamento nem nada. Aí a Ana Maria Braga falou: “vamos fazer uma entrevista com esse grupo agora”. E nesse dia a Miriam Daulsberg da empresa Dell’Arte, que é filha da Mariuccia, ligou e conseguiu patrocinadores que estão até hoje apoiando o projeto.

Blog do ITC: Sua família nunca teve grandes condições financeiras não é?

MT: Sim, para eu estudar música estava sempre em projetos, estudei em escola pública a partir do ensino médio que foi quando surgiu o meu gosto por regência e canto coral. Eu estava no primeiro ano do ensino médio e a diretora me viu cantar, eu sempre cantava o hino nacional nas formaturas e essa diretora me chamou para fazer um coro de adolescentes. Nós chegamos a ter uma média de setenta jovens, foram quatro anos, era o Colégio Estadual Benta Pereira de Campos dos Goytacazes. Eu saí de lá porque vim para Vitória.

Blog do ITC: Sim, e como é que você veio parar na capital dos capixabas?

MT: Meu sonho sempre foi fazer faculdade de música, mas em Campos não tem.

Blog do ITC: Seus pais não tentaram te influenciar a estudar outra coisa nesse momento?

MT: O meu pai queria que eu fosse petroleira, fazer química. Ele pagou a minha prova, eu estudei pra fingir que tava tudo certo, passei no negócio, mas fiz só uma semana. Na sexta-feira falei: eu vou embora daqui. Eu ia pras aulas de química com partitura de casamento pra fazer arranjo, preparando concerto, porque eu já dava aula pro naipe de violoncelos da orquestra de alunos iniciantes. Minha cabeça estava toda na música. E eu provei para meus pais que a música vale a pena, que pode dar um retorno maior quando a gente se esforça. Então eu me preparei pelo Conservatório Brasileiro de Música e falei com meu pai: vou fazer faculdade. Daí ele falou: “Não, mas você não pode, vai ficar longe, eu não tenho condições porque é caro demais.” E eu falei que ia tentar uma faculdade pública.

Blog do ITC: Porque você não tentou no Rio?

MT: O músico vai muito pelo professor, questão de didática, de ensino e o meu, Sanny Souza, marcou a minha vida quando eu tinha onze anos de idade. Eu o conheci num festival de cordas que teve em Campos, eu estava bem no início e o Sanny me deu muita atenção, me colocou pra fazer o solo de uma música, marcou muito para mim. Então eu quis vir para Vitória por causa do Sanny. Mas resolvi fazer licenciatura ao invés de bacharelado, porque abrange toda a educação musical, eu gosto de ensinar, acredito muito na musicalização e na regência coral, não gosto só do violoncelo.



Além de violoncelista da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo há mais de vinte anos, Sanny é professor de violoncelo da Faculdade de Música - FAMES e regente do coro sinfônico da Instituição.
 
Blog do ITC: Como é que você ouviu falar do projeto Canto na Escola?

MT: Eu assisti a uma apresentação em vídeo, quando eu cheguei aqui conheci alguns amigos na faculdade, o Elias (Salvador), que já trabalhava no projeto e me disse que estavam precisando de professor. Então entrei em contato com Alice e hoje faço parte do projeto.

Monalisa Toledo com o Coral do Canto na Escola numa apresentação na Casa de Congo da Serra
 
Blog do ITC: Qual o resultado que você vê das aulas de música junto às crianças?

MT: Na sala de aula da musicalização eu procuro não só ensinar música, mas passar pra eles a importância da disciplina, da pontualidade: a hora de chegar, a hora de falar, a hora de ouvir. Com isso eles ficam mais calmos, mais policiados e conscientes da importância de aprender. Na época das provas a professora de matemática do terceiro ano me procurou para agradecer e conversar sobre a aluna Ana Julia, que é uma menina muito hiperativa, muito agitada e essa professora veio me falar da melhora que ela teve nas notas em sala de aula, porque começou a aprender a prestar atenção, saber que aquela era a hora de ouvir.

Blog do ITC: O que a Ana Julia gosta de fazer na aula de música?

MT: Ela gosta de cantar. É aluna nova, entrou esse ano na musicalização, tem nove anos. Ela chegou cheia das manias, de brincadeiras, parece que ela não sabia onde ela estava. E hoje, já em outubro, final do ano praticamente, eu posso dizer que ela mudou muito. A avó dela conversava comigo direto, dizia que ia tirar a menina do coral como castigo, porque não aguentava mais. E hoje ela é uma aluna muito obediente, sabe a hora das coisas, leva o material pra sala de aula. E esse comportamento aprendido na musicalização a Ana Julia passou a adotar nas outras disciplinas da escola o que surpreendeu muita gente, tanto que a professora de matemática veio me agradecer...É esse tipo de coisa que faz a gente ter certeza que seguiu no caminho certo.

Blog do ITC: Obrigado pela entrevista Monalisa.


 

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