"Então, Calebe fez calar o povo perante Moisés e disse: Eia! Subamos e possuamos a terra, porque, certamente, prevaleceremos contra ela".
Números Cap. 13, v. 30.
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No dia 04 de fevereiro de 2013 a polícia capixaba divulgou a notícia da prisão de José Alayr Andreatta, réu condenado em todas as instâncias judiciais como mandante do assassinato da jornalista Maria Nilce dos Santos Magalhães, ocorrido em 05 de julho de 1989. As surpresas dessa prosaica captura foram muitas, afinal, Andreatta estava foragido desde julho do ano passado e - muito longe de se esconder em alguma caverna no Cazaquistão - curtia uma espécie de aposentadoria em Jardim da Penha, bairro praiano, considerado nobre na cidade de Vitória.
Atentem para o detalhe irônico na camiseta "submarina" que Andreatta usava no momento de sua prisão. É ou não para pensar que o sujeito "estava mergulhado"? (Imagem da TV Gazeta-ES) |
A reportagem
anunciando a prisão de José Alayr Andreatta, veiculada na 2ª Edição do
telejornal da Rede Gazeta, afiliada Globo no Espírito Santo, adotou um ar
curiosamente respeitoso para com o foragido da justiça. Mesmo tom distante e
asséptico, é bom dizer, adotado de maneira geral pela mídia capixaba com
relação ao caso Maria Nilce ao longo do tempo. O repórter tratou Andreatta como
“empresário” e disse que a prisão fora “por acaso”. Afirmação que passa
subjetivamente – sem intenção talvez - a ideia de que o empresário fora preso
“por engano”. A frase foi a seguinte:
O empresário José Andreatta foi preso
por acaso, ele saia de um supermercado no bairro Jardim da Penha em Vitória,
quando foi reconhecido pelo delegado Danilo Bahiense.
Nem é preciso ler nas
entrelinhas que, apesar de foragido, Andreatta não era necessariamente um
perigoso bandido procurado, tanto que há meses morava despreocupado num bairro
bacana e super populoso. Na questão da captura, o trabalho da polícia tem todo
o mérito, mas o “esconderijo” do meliante surgiu através de uma denúncia
anônima. Logo em seguida o repórter fornece um resumo do caso, mas bota
resumido nisso, com o seguinte arremate:
O empresário José Andreatta foi
apontado como mandante do assassinato, foi a júri popular em 2006 e condenado a
13 anos de prisão. O empresário recorreu da sentença em liberdade, mas teve
todos os recursos negados. Não havendo mais possibilidade de recorrer, a
justiça mandou prender.
Eu estou ficando
maluco ou essa frase dá a entender que o homem foi preso por uma espécie
de implicância da justiça? Ora, ainda em
1989 a polícia federal apurou que esse tal Andreatta fretara o voo que dera
fuga aos pistoleiros que mataram Maria Nilce e reuniu inúmeras outras provas de
que o mesmo participara ativamente da articulação do crime enquadrando-o como
mandante. Acontece que, com o chamado “amplo direito de defesa” - entenda-se,
mais de vinte anos de recursos e apelações - o criminoso não havia sequer
cumprido um dia na prisão. Somente em 2006 (!) José Alayr Andreatta foi julgado
e condenado a 13 anos de cadeia. A reportagem prossegue dizendo que o mandato
de prisão fora expedido em julho de 2012 e que "o empresário, na época,
não foi encontrado".
Pois bem, foi se esconder
debaixo do nariz da sociedade capixaba, entenda-se, o cotidiano nada
clandestino dos botecos e supermercados de Jardim da Penha. Era mais um entre
os inúmeros “tiozinhos gente boa” que frequentam o Pezão e o Bar dos Coroas.
Ontem um conhecido meu, dono de um bar em Bairro República, disse que tomou um
susto quando viu a notícia. Reconheceu Andreatta como frequentador regular de
seu estabelecimento, inclusive, na companhia de policiais.
Outra coisa curiosa
são os comentários do delegado durante a reportagem, porque - sei-lá-porque -
deram a entender que o Andreatta seria um coitado, vivendo em um apartamento
minúsculo e dependendo da ajuda financeira de amigos. Será que era então para
ter pena dele? O pior é que ninguém deu conta de explicar quem eram esses tais
que ajudaram o empresário em sua doce clandestinidade pública. E, quinto
parágrafo: quando foi que acobertar foragido da justiça deixou de ser crime?
Para colocar a cereja
no bolo, o repórter abre o microfone para que o “empresário”, após tudo
descrito aqui, tenha nova oportunidade de balbuciar sua inocência no telejornal
de maior audiência do Espírito Santo.
Não tinha motivo nenhum pra matar,
dentro do processo não tem uma prova, não tem nada contra mim. Eu nunca tive...
Num fui condenado nada. Por que ia matar essa mulher?
O homem parecia
desorientado, o que é natural quando a casa cai, enquanto isso o repórter
explicava que “para a justiça José Andreatta mandou matar Maria Nilce por
vingança”. Vem então o delegado Danilo Bahiense que, aliás, merece todo nosso
respeito e admiração pela prisão deste assassino, reproduzir involuntariamente
as velhas lorotas ditas por Andreatta no estilo do crime organizado que tem a
notória prática de transformar a vítima em réu para justificar covardias e atrocidades.
Ele disse que a jornalista extorquia
alguns empresários e estava querendo extorqui-lo também e ele não aceitou. E
ela acabou divulgando de que ele teria se casado com um travesti naquela
ocasião. Segundo consta esta teria sido a motivação.
Neste momento está
entendido o crime, certo? Defesa da honra, só para justificar o último
argumento, porque os anteriores são mentiras cabeludas, mas nada disso foi
explicado para o público; foi, isso sim, veiculado impunemente, torno a dizer,
no televisivo de maior audiência do Espírito Santo. Alguém pode explicar qual
era a empresa poderosa que esse senhor Andreatta era dono em 1989 que mereceria
o achaque da colunista social de maior importância e, ela sim, uma empresária
bem sucedida, proprietária do segundo maior jornal de circulação diária na
cidade de Vitória?
Em suma, todo o
episódio dessa reportagem absurdamente desrespeitosa para com a memória de uma
pessoa assassinada a sangue frio num caso que chocou o país é apenas a prova de
que temer, respeitar, dar ouvido e até razão a “alta bandidagem” é ainda algo
bastante trivial na sociedade capixaba. A culpa não é do repórter, nem é dos
entrevistados. A criminalização de Maria Nilce, e de muitas outras vítimas de
casos escabrosos, começa lá atrás e tem a ver com a corrupção de muita gente
respeitada, temida e considerada “importante” no Espírito Santo. E a grande
mídia - por pressão, influência e sobrevivência - com estes sempre foi
conivente e condescendente.
José Alayr Andreatta
foi julgado e considerado culpado, que cumpra sua dívida com a sociedade.
Porém, é bom lembrar que as investigações da polícia federal o consideraram um
“peixe pequeno” e que havia indícios do envolvimento de gente bem acima dele na
hierarquia do “crime organizado” no Espírito Santo. A promotoria da época
lamentou o fato de não ter sido possível chegar aos maiores financiadores do
crime escabroso que vitimou Maria Nilce. Somente com muito custo conseguiram indiciar alguns dos operativos, os homens de campo e, ainda assim, só agora,
quase vinte e quatro anos depois, um deles foi parar na cadeia. Agora, nos
resta ainda saber se o "empresário" vai ficar mesmo por lá...
Segue o link da
reportagem da TV Gazeta comentada acima, para que todos possam julgar a partir
de sua própria percepção:
Para quem não sabe
nada do crime que vitimou Maria Nilce Magalhães segue reportagem publicada no
prestigioso site do Proyeto Impunidad que denuncia o assassinato de jornalistas
na América Latina:
E segue outro texto de
Juca Magalhães sobre o assunto, publicado no site Observatório de Imprensa,
tido como o mais importante sobre jornalismo no país.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_o_ultimo_crime_contra_o_jornal_da_cidade
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