Um virou pro outro e
disse que facada doía muito mais do que tiro.
- Por quê?
- Ué, porque o tiro
esquenta e a facada é fria, dói, mas muito mais. Você já tomou uma facada?
- Eu não! Tá maluco?
Nem tiro levei muito menos.
- Facada dói pra
caramba, bicho. – Ainda era comum tratar amigos assim, coisa que muda com o
tempo. Já teve o “meu chapa” e o um pouco mais carinhoso “chapinha”. Era assim
que o Zé Pretinho me chamava quando eu ia na sua venda comprar chicletes. Cada
um Ping-Pong “tutti-frutti” custava dez centavos de um cruzeiro que a gente,
imitando os adultos, chamava de “mil”. No site de respostas do Yahoo achei um
pequeno histórico desses chicletes:
O primeiro chiclete vendido no Brasil
foi o “Ping Pong” lançado pela Kibon em 1945 e concorreu com o Ploc durante
muito tempo, até que ambos foram comprados pela empresa Kraft Foods, que fundiu
as marcas (o Ping-Pong era da Kibon e o Ploc era da Adams). O Ping-Pong era
extremamente duro, custava para amolecer - haja maxilar! Algumas pessoas
gostavam porque isto tornava a bola mais resistente, mas, quando surgiu o Ploc,
super macio, o Ping-Pong foi perdendo terreno.
Quando o papai ia sair
de casa a molecada o cercava pedindo “um mil” para comprar guloseimas na venda
do Zé Pretinho. Enquanto revirava os bolsos da calça – não me lembro de ter
visto meu pai usar carteira – o homem costumava dizer sorrindo que parecíamos
um bando de pintinhos ciscando à sua volta, piando: mil, mil, mil...
Para isso tem outra
explicação dá época de minha infância, agora vindo da Wikipédia:
Em 13 de fevereiro de 1967, o
Cruzeiro foi substituído pelo padrão transitório Cruzeiro Novo (NCr$) por conta
do aumento da inflação. O Cruzeiro Novo equivalia a mil Cruzeiros
"antigos", como ficou denominada esta moeda.
Essa era a nota de um Cruzeiro "da minha época", começou a ser impressa em 1970. |
- Eu me meti numa
confusão uma vez lá num bailão da Serra, o lugar era meio barra pesada, mas eu
tava de olho numa garota de lá. E tinha um cara esquentado que não gostava de
gente de fora paquerando a muierada, do nada ele partiu pra cima de mim e me sentou
umas três facadas. Eu preferia mil vezes ter tomado um tiro.
- Tá doido meu
irmão...
- Tiro é só costurar,
ou então mata de uma vez. Mas pra tratar a facada o médico enfiou com tudo o
dedo lá dentro da ferida pra tirar o sangue coagulado e limpar. Rapaz mais
aquilo doeu! – Me acerquei da dupla achando graça naquela conversação e comentei:
“deve ser daí que tiraram a expressão colocar o dedo na ferida”. E o mais sem
noção, aproveitando o ensejo, falou:
- Juca, sua mãe morreu
de tiro não foi?
- Foi.
- Então...
- Então o quê?
- Não deve ter doído
nada...
P.S. Guardem as facas
crianças, porque esse diálogo final é fictício. Serve para continuar lembrando
que a jornalista Maria Nilce Magalhães morreu assassinada em um crime de mando perpetrado
por gente da elite financeira capixaba. Gente muito fina que comprou sua
impunidade e contou com a conivência de um sem número de autoridades de forma
que até hoje passam por cidadãos respeitáveis e são homenageados pela imprensa
e por seus iguais.
Como agora é moda
dizer: VERGONHA ALHEIA!
Djalma Juarez e Maria Nilce Magalhães com o filho Juca no colo, circa 1966. |
3 comentários:
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Parabéns pelo texto de ficção! Antagônicamente, por um instante, lembrou-me o neorrealismo de Vittorio De Sica, tamanha a lucidez.
Juca, tudo pode ser criação literária. O diálogo final pode ser fictício, cheio de imaginação, mas tem muita semelhança com uma sociedade simulada, fingida, própria da ficção cinematográfica. Você disse "vergonha alheia"... e eu chego a crer que na ficção alguns se fazem alheios de si, mostrando-se "distraídos", mergulhados em seus pensamentos e se esquecendo de seus semelhantes, em surto de egoísmo e ganância, quando tudo é provável que aconteça e vire fato. Não é ficcional? Depende do ângulo da câmera e da cena. Nessa ficção mais do que "real", amigos do alheio e aproveitadores da sociedade preencheriam perfeitamente o seu "post-scriptum".
Souza
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