A separação é uma
tragédia muitas vezes parecida com a morte e ainda periga o fantasma aparecer pra
te assombrar de verdade, afinal, aquela pessoa que você um dia tanto amou não
“se foi” para sempre... Está ainda por aí a arrastar correntes.
A especulação é uma
das piores coisas quando o amor acaba.
Os familiares, os amigos,
os conhecidos, o porteiro do prédio precisam entender o que aconteceu, ou, em
muitos casos: “o que foi que você aprontou dessa vez”...
Pior do que a própria tragédia
é a vida que “não diz respeito ao senhor ninguém” se tornar assunto público.
Alguns sentem pena e
encontram conforto próprio porque se imaginam boas pessoas, solidárias. Outros
encontram prazer em fuçar – como um espírito de porco - a dor e o sofrimento alheio
e conversar sobre aquilo e emitir opiniões, muitas vezes cruéis.
Quando não é no seu
que está doendo a tendência da moda é assumir discurso pragmático: Morreu,
enterra. Acabou, esquece. Sai dessa água jacaré (seu pai gostava de falar isso)
e também o famoso: “levanta sacode a poeira e dá a volta por cima”!
E as mulheres? Ah! As
mulheres...
Observadoras e
intuitivas, sempre pescando aqui e ali as miudezas. As mulheres logo descobrem quando
e para qual lado foi que a casa caiu.
- Deve ter outro homem
na jogada...
- Como é que você
sabe?
- Por que o que você
está me contando não faz nenhum sentido.
O aborrecia a ideia de
não ser capaz nem de ter dado cabo ao próprio casamento, tinha que vir alguém
de fora e fazer o estrago. Pois, no final, sua amiga estava redondamente
enganada. Não havia nenhum “outro homem na jogada”...
Havia outra mulher.
Preferia mil vezes que
fosse um cara, não por ser homofóbico ou algo assim, mas porque quando a
notícia explodiu o que já era uma dolorosa separação virou um furdúncio. Coisa
que feria acima de tudo o seu caráter reservado, pacato, seguidor dos bons
costumes. Gostava de ir a lugares públicos com a esposa e a apresentar como
fora um artefato raro e exclusivo: é minha mulher, sabe?
E agora?
Em busca de conforto
espiritual encontrou o pároco de sua igreja muito curioso e investigativo, metaforicamente
revirou seus bolsos atrás de coisas bestas ou inimagináveis, por exemplo, se
sua ex era também usuária de drogas.
- O que uma coisa tem
a ver com a outra?
- Ora - dizia confiado
com a mão gordinha repousada sobre sua coxa – essa gente que de repente vira
sapatão é capaz de tudo...
Simples e inverossímil
como se o mundo pudesse mesmo se transformar numa canção dos Secos e Molhados e
o que ele conhecia até então como vida real bailasse com corujas e pirilampos
entre os sacis e as fadas...
Praguejava e
telefonava para os amigos, teve daqueles que dispararam sonoras gargalhadas
achando toda aquela desgraça terrivelmente engraçada, depois queriam saber
detalhes picantes, excitados com um caso inusitado entre duas garotas.
Passou uma borracha e recomeçou
do rabisco, tinha perdido o sentido do que queria dizer.
Muitos anos depois
estava em outra história e descobriu que nada daquilo fora da maneira que pensara,
descobriu também que as coisas no mundo são bem assim: a nossa vida, a vida dos
outros, apenas aparências e especulações.
Sua ex-mulher não era
o que pensara antes e o que fora depois também não o era. O pároco, os seus
amigos e o porteiro do prédio se importavam de verdade com o que lhe acontecera,
mas percebiam e traduziam as coisas sob a perspectiva própria de suas novelinhas
e ficções, seus campeonatos disso e daquilo.
Aceitou então sua vida
como parte da novela do mundo, aquela coisa besta que preenche e empresta
sentido às pessoas que existem...
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