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terça-feira, 5 de março de 2013

TEM OUTRO HOMEM NA JOGADA



A separação é uma tragédia muitas vezes parecida com a morte e ainda periga o fantasma aparecer pra te assombrar de verdade, afinal, aquela pessoa que você um dia tanto amou não “se foi” para sempre... Está ainda por aí a arrastar correntes.

A especulação é uma das piores coisas quando o amor acaba.

Os familiares, os amigos, os conhecidos, o porteiro do prédio precisam entender o que aconteceu, ou, em muitos casos: “o que foi que você aprontou dessa vez”...

Pior do que a própria tragédia é a vida que “não diz respeito ao senhor ninguém” se tornar assunto público.

Alguns sentem pena e encontram conforto próprio porque se imaginam boas pessoas, solidárias. Outros encontram prazer em fuçar – como um espírito de porco - a dor e o sofrimento alheio e conversar sobre aquilo e emitir opiniões, muitas vezes cruéis.

Quando não é no seu que está doendo a tendência da moda é assumir discurso pragmático: Morreu, enterra. Acabou, esquece. Sai dessa água jacaré (seu pai gostava de falar isso) e também o famoso: “levanta sacode a poeira e dá a volta por cima”!

E as mulheres? Ah! As mulheres...

Observadoras e intuitivas, sempre pescando aqui e ali as miudezas. As mulheres logo descobrem quando e para qual lado foi que a casa caiu.

- Deve ter outro homem na jogada...

- Como é que você sabe?

- Por que o que você está me contando não faz nenhum sentido.

O aborrecia a ideia de não ser capaz nem de ter dado cabo ao próprio casamento, tinha que vir alguém de fora e fazer o estrago. Pois, no final, sua amiga estava redondamente enganada. Não havia nenhum “outro homem na jogada”...

Havia outra mulher.

Preferia mil vezes que fosse um cara, não por ser homofóbico ou algo assim, mas porque quando a notícia explodiu o que já era uma dolorosa separação virou um furdúncio. Coisa que feria acima de tudo o seu caráter reservado, pacato, seguidor dos bons costumes. Gostava de ir a lugares públicos com a esposa e a apresentar como fora um artefato raro e exclusivo: é minha mulher, sabe?

E agora?

Em busca de conforto espiritual encontrou o pároco de sua igreja muito curioso e investigativo, metaforicamente revirou seus bolsos atrás de coisas bestas ou inimagináveis, por exemplo, se sua ex era também usuária de drogas.

- O que uma coisa tem a ver com a outra?

- Ora - dizia confiado com a mão gordinha repousada sobre sua coxa – essa gente que de repente vira sapatão é capaz de tudo...

Simples e inverossímil como se o mundo pudesse mesmo se transformar numa canção dos Secos e Molhados e o que ele conhecia até então como vida real bailasse com corujas e pirilampos entre os sacis e as fadas...

Praguejava e telefonava para os amigos, teve daqueles que dispararam sonoras gargalhadas achando toda aquela desgraça terrivelmente engraçada, depois queriam saber detalhes picantes, excitados com um caso inusitado entre duas garotas.

Passou uma borracha e recomeçou do rabisco, tinha perdido o sentido do que queria dizer.

Muitos anos depois estava em outra história e descobriu que nada daquilo fora da maneira que pensara, descobriu também que as coisas no mundo são bem assim: a nossa vida, a vida dos outros, apenas aparências e especulações.

Sua ex-mulher não era o que pensara antes e o que fora depois também não o era. O pároco, os seus amigos e o porteiro do prédio se importavam de verdade com o que lhe acontecera, mas percebiam e traduziam as coisas sob a perspectiva própria de suas novelinhas e ficções, seus campeonatos disso e daquilo.

Aceitou então sua vida como parte da novela do mundo, aquela coisa besta que preenche e empresta sentido às pessoas que existem...

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