No início do
julgamento do goleiro Bruno passou no Jornal da Record uma reportagem
relembrando todo o caso. Disseram que era um rapaz de história difícil, de
origem muito pobre, recém-nascido foi abandonado pela mãe e acabou criado pelo
avô paterno. Casou ainda bem jovem, mas depois começou a ficar famoso, ganhar
dinheiro e resolveu dar início a um harém de concubinas. Mencionaram três
moças, sendo a última a modelo Eliza Samudio que, arrematam assim: “o levou à
prisão”.
Ontem, debaixo dos
holofotes da mídia nacional Bruno confessou que sabia do assassinato e pelo que
entendi tentou culpar os antigos colegas. Ou seja, o antigo goleiro do Flamengo
foi parar na cadeia sim e por lá ainda vai permanecer um tempo, mas será que foi a vítima Eliza Samudio que o levou
para lá?
Parece bobagem insistir
em pontinhos obscuros da fala de apresentadores de jornal da televisão, mas o
que me preocupa e incomoda é o efeito que isso tem no imaginário popular, na
construção evidente de subjetividades que, infelizmente, acabam por emporcalhar
qualquer lembrança positiva das vítimas, especialmente quando são mulheres. E
ainda colocam assim: “entenda o caso”.
Fica cada vez mais
evidente que a versão mais pavorosa que poderia existir para o
crime é a verdadeira: além de ser morta estrangulada, o corpo de Eliza Samudio foi
dado aos cães para ser devorado. Mas antes disso a mídia já havia levantado e
revirado ao avesso toda “capivara” da vida pessoal da vítima, até filme
pornográfico da moça descobriram e, sim, divulgaram. O que as pessoas austeras
e defensoras dos bons costumes vão entender? Isso mesmo que vocês estão
pensando...
Então os jornalistas estão
fazendo o trabalho deles? Parece que sim. Afinal aquela “periguete”, “Maria
Chuteira” – como diria mamãe – “de uma figa”, teve o fim bíblico que merecia. E
o jovem Bruno, que história triste, provavelmente vai cumprir um sexto da pena
em regime fechado e em alguns anos estará de volta ao convívio da sociedade. Os
familiares de Eliza Samudio, na verdade as maiores vítimas nessa história toda,
nem os restos da moça terão para enterrar.
Eu até concordo – e muitas
vezes já discuti isso - que é preciso entender que a nossa sociedade fabrica os
bandidos que tanto querem evitar e que é preciso acabar com o sofrido processo de
transformação de uma pessoa potencialmente boa e honesta num criminoso, porém,
isso não o faz ser menos perigoso para a sociedade. Esse processo é muito
evidente em Vitória, quando são aceitas pessoas notoriamente
inescrupulosas como líderes e até os elegem para decidir o rumo de nossas
vidas e depois todos se queixam do descontrole e ficam a pedir intervenção federal.
Volto a dizer o que já disse quando da desrespeitosa reportagem veiculada em televisivo local sobre o episódio do assassinato da jornalista Maria Nilce Magalhães, publicada dois ou três posts atrás: deveria haver uma Lei, ou uma revisão do código de ética da imprensa, que passasse a ter o cuidado de evitar esse tipo de criminalização da vítima. BANDIDO TEM QUE SER TRATADO COM A JUSTIÇA E VÍTIMA TEM QUE SER TRATADA COM RESPEITO!
Só para recapitular: a
tal reportagem televisiva anunciou a prisão de José Alayr Andreatta e tratou muito
respeitosamente o mandante do crime, condenado a treze anos de prisão e até então foragido. Repetidamente
o trataram como o “empresário”, logicamente, porque foi assim que ele se apresentou.
Ora, da próxima vez em que eu for dar uma entrevista na televisão e me
perguntarem o que eu faço da vida vou dizer que sou embaixador de Marte e quero
ver alguém veicular isso como fora coisa muito natural.
Republico então para os leitores da Letra Elektrônica - até porque muitas pessoas me fizeram a pergunta: esse Andreatta é empresário de quê? – um resumo feito pela jornalista Clarinha Glock, jornalista do Projeto Impunidade que investiga crimes contra jornalistas na América do Sul, e vem de uma panorâmica das atividades desenvolvidas por este senhor José Alayr Andreatta, levantadas à época (1989) pela polícia federal:
Andreatta declarou ser corretor de
imóveis de profissão, embora tenha tido sua inscrição no conselho profissional (CRECI)
suspensa. Disse ser membro do Sistema Nacional de Informações (SNI), fato
negado pelo chefe do SNI. Foi preso em flagrante em 1984 por ter disparado
tiros dentro de um bar e ferido uma pessoa, o desembargador Geraldo Correia
Lima intercedeu em seu favor. Tem processos em delegacias do Rio de Janeiro,
onde mantinha uma casa de massagens, e em Vitória.
Foi tudo o que a
polícia conseguiu descobrir a respeito dessa pessoa, mas nada disso a imprensa noticiou.
Na reportagem – e em inúmeras outras - ficou, impunemente, a vítima assassinada
como achacadora de empresários, incluso este último, até onde se conseguiu
descobrir de verdade, sim, apenas um respeitável proprietário de “casas de conveniência”...
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