No dia 10 de junho de
1989, em sua coluna do Jornal da Cidade, a jornalista Maria Nilce
publicou a crônica intitulada “Preguiça” que hoje republico para curtir uma
lufada de ar dos anos 1980. Esse resgate veio através da descoberta de um
acervo do extinto periódico, hoje muito bem guardado na casa de um amigo, cuja
(cujo?) identidade prefiro não revelar porque corre o risco de alguém tentar
dinamitar sua casa. Basta lembrar o que aconteceu com o acervo remanescente do
jornal doado pela família aos cuidados da Biblioteca Estadual e,
posteriormente, descartado ou destruído em episódio criminoso até hoje obscuro.
Para ler mais sobre o
assunto leia a matéria publicada em 05/09/2011 no prestigioso site Observatório
da Imprensa. Aliás, modestamente falando, um dos melhores textos que escrevi:
A crônica de Maria
Nilce que republico traz peculiaridades de seu estilo que denota naturalidade
em transformar o privado em público. Por exemplo, fala de minha pessoa, seu
filho, sem o menor trabalho de contextualizar, dizer de quem se trata. Era como
se todo mundo que lesse sua coluna soubesse quem eram as pessoas que a
circundavam e tivessem interesse em sua vida pessoal. Já reparei essa mesma
característica em outros escritos de colunistas daqui, sobretudo, Jorginho
Santos.
Outra peculiaridade
eram os diversos erros de datilografia que vazaram na revisão. O tal amigo -
cioso e ciumento do acervo - explicou com acidez: “Também pudera, o povo
daquele oficina onde funcionava a gráfica do jornal vivia bêbado!” Afirmação que
pode até soar um pouco exagerada, mas faz parte do folclore da época e da má
fama que gozava (sofria?) a qualidade da impressão do referido periódico. É bom
lembrar que a oficina funcionava até as madrugadas boêmias e havia um boteco
bem ao lado...
Bom e ruim é outra
questão que o tempo nos faz meditar. Folheando agora o Jornal da Cidade, a tal
infame “qualidade de impressão” soa bem mais, digamos assim, vintage do que apropriadamente defasada.
O fato é que o periódico trazia conteúdo inédito diariamente e, especialmente,
a explosiva coluna de Maria Nilce gozava de inegável apelo comercial. Apesar de
não ser tão bacana como outros concorrentes, impressos em Offset, o Jornal da Cidade
é até hoje perfeitamente passível de agradável leitura.
Uma característica básica
do texto de Maria Nilce era a necessidade de autoafirmação, de valorização da
mulher trabalhadora, que vence e que às suas expensas circula pelas mais
badaladas cidades do mundo. Era uma pequena falha rastaquera que perseguia a
colunista e, aliás, a maioria de seus pares e amigos vidrados em ostentações e
sentimentos de inveja, talvez para não parecer o que realmente eram para o
resto do mundo. De tempos em tempos Maria Nilce publicava verdadeiras “cartas
de intenções” - como é o seu primeiro livro “Eu Maria Nilce” - textos em que
defendia seus valores e sua forma de atuar junto à sociedade. O que segue não é
bem o caso, serve mais como direito ao ócio criativo... Boa leitura e bom
domingo.
Preguiça
Na
hora do almoço, Juca evocou uma música de Vinícius de Moraes que eu considero
deliciosa porque fala em preguiça:
“Um velho calção de banho, um dia p’ra
vadiar...”
Ah...
Um dia p’ra vadiar... E durante o resto do almoço conversávamos sobre isto,
sobre a maravilhosa perspectiva de ter um dia inteiro p’ra vadiar.
E então eu disse ao Juca:
Sou
tão obsecada (sic) por trabalho que quando saio de férias e fico à toa batendo
pernas pelas ruas de Paris, Roma ou Londres, me culpo o tempo inteiro de não
estar trabalhando.
– Você precisa
fazer análise – retrucou Juca, que passa por uma fase cheia de mistérios.
E depois de comer uma rabada
maravilhosa daquelas de partir com o garfo, joguei-me na cama com o telefone
fora do gancho, compressas de chá preto sobre os olhos e dormi como uma morta.
Quando acordei, não acreditei no que
meus olhos viram. Já passava das três da tarde. E, por incrível que pareça, lá
estava eu rolando na cama cheia de preguiça. Vontade danada de ficar mais um
pouquinho naquele bem-bom, mas e os compromissos? Ah, que ótimo seria ficar
hoje curtindo essa preguiça aqui na cama, sem ter nada o que fazer, rolando p’ra
lá e para cá agarrada ao travesseiro.
Cadê a eletricidade habitual dona
Maria Nilce? Cadê aquela energia incrível que lhe bota acordada e de pé às
cinco e meia da manhã todos os dias? Que preguiça idiota é essa?
...Não faz mal a ninguém e não é
nenhum crime se sentir preguiçosa um dia.
Eu sou adepta de todos os pecado
(sic) capitais (no original “capitalsitas”).
Gula, então, nem se fala. Mas preguiça não é coisa para uma mulher como eu,
movida a gasolina azul (precursora da aditivada), supositório de pimenta
malagueta, que é mais elétrica do que dez mil quilowatts (no original “Kiliowatts”), como se justifica então
essa preguiça que se abateu assim de repente?
Mas tudo tem seu tempo já dizia Eclesiastes.
Vai ver (no original “via”), ontem foi o meu tempo de
preguiça.
Um comentário:
Era ela mesmo demais ! (MT)
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